Para quem luta pela vida, cada segundo conta. Essa máxima exaustivamente repetida no contexto da saúde serve para lembrar a importância de diagnósticos e tratamentos rápidos. Em algumas doenças, como o câncer, a sobrevida do paciente pode ser reduzida em anos por causa de demora de atendimento e, no Brasil, mais da metade (58%) dos casos tratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tem os cuidados médicos iniciados em estágios avançados da doença, segundo dados do Ministério da Saúde analisados pelo Instituto Oncoguia. Há quem morra antes de saber a causa das dores. A melhora dos indicadores passa por uma série de situações, mas parte da solução pode vir literalmente dos céus, uma vez que drones começam a ser usados no país para transportar amostras biológicas para a medicina diagnóstica. O resultado? Tempo de deslocamento do material seis vezes menor e redução na emissão de toneladas de gás carbônico.
A aposta é encabeçada no país pelo Lab-to-Lab Pardini, do Grupo Fleury, que opera a primeira rota regular de transporte de material biológico (sangue, cabelo etc.) do país, em Salvador, na Bahia, em parceria com a produtora e operadora de drones Speedbird Aero. Ainda neste ano, o grupo deve transportar amostras entre a unidade de atendimento e o núcleo técnico-operacional, ambos em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte. Para isso, a empresa aguarda autorização do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DCEA), do Comando da Aeronáutica brasileira, para que o drone possa sobrevoar a Linha Verde (MG-010) e mais três pontes.
“Para a medicina diagnóstica, os drones podem trazer redução importante de prazo logístico, com impacto nas decisões médicas e perspectivas de pacientes. Quando olhamos para o curto prazo, vemos que eles podem substituir carros e motos em transportes mais longos, pensando nas rotinas de grandes cidades com trânsito”, diz o diretor de negócios do Lab-to-Lab, Fernando Ramos.
Há três anos o grupo realiza estudos para avançar no uso dessa modalidade de transporte. “Fizemos teste ligando o Hospital Biocor, em Nova Lima, ao Hospital Orizonti, no bairro Mangabeiras, na capital mineira, onde temos um núcleo técnico-hospitalar do laboratório, para entender como é o comportamento de drones em ambientes urbanos. Fizemos o mesmo no litoral paulista, em Ilhabela, para ver como se comportava no mar, e em Itajaí, em Santa Catarina, para ver a travessia em rios”, conta Ramos. Nesse primeiro momento, foram transportados apenas materiais não contaminantes para análises clínicas, genética molecular, testes oncológicos de alta complexidade, medicina nuclear, medicina personalizada e patologia cirúrgica. Foram carregadas amostras de cabelo, unha e pele, por exemplo.
Com o sucesso dos trabalhos, o grupo conseguiu autorização de carregar pelos céus todo tipo de material, incluindo urina e sangue. Só nos três meses de trabalhos no Hospital Orizonti, ganhos importantes foram mapeados: o percurso de ida e volta pela rota do drone somou 4,6 km, enquanto o de carros ou motos é de 13,2 km; o tempo de ida e volta pelo céu é de 7 minutos, enquanto por terra, é de 44. A emissão de gás carbônico por transporte terrestre nesse trabalho é estimada em 2,5 toneladas por ano; pelo céu é zero.
Esse avanço dos drones na medicina de diagnóstico está no radar do governo de Minas Gerais. “O transporte de amostras por drones é uma tendência de médio prazo. Nós, do governo de Minas, estamos estudando para entender o setor e buscar alternativas regulamentares que possam permitir o uso regular e seguro. Durante a epidemia de dengue, vivemos essa necessidade de diagnósticos rápidos e em grande volume como estratégia importante de tratamento adequado dos pacientes”, afirma o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Eduardo Prosdocimi.
Arma para combater o mosquito da dengue
Em face da epidemia de dengue, com 327,2 mil casos e 204 mortes em 2023 em Minas, o Estado reagiu com uma estratégia diferente em relação aos anos anteriores: “soltou” drones para enfrentar o Aedes aegypti. “Minas Gerais foi o primeiro Estado a usar em âmbito estadual a tecnologia para combater arboviroses. No fim de 2023, repassamos R$ 30 milhões para municípios e consórcios contratarem o serviço de mapeamento e fazerem sobrevoo para entender quais locais tinham água parada”, explica o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Eduardo Prosdocimi.
A atuação do equipamento ocorre de duas formas, segundo o diretor de Zoonoses da Prefeitura de Belo Horizonte, Eduardo Viana: “Usamos em parte das vistorias para a procura de potenciais criadouros do mosquito na fase aquática. Quando a ação é feita pelos agentes, leva certo tempo para percorrer uma área determinada. Com o drone, há a capacidade de observar criadouros mais rapidamente. Além de gerar imagens, eles lançam larvicidas”, explica.
Amira Hissa / PBH
Segundo Prosdocimi, a previsão para o próximo período chuvoso é que a tecnologia esteja disponível em todas as regiões do Estado. “Onde já estamos usando, vimos redução nos casos”, diz.
Transplante de órgãos bate na barreira da regulamentação
Em 2019, pela primeira vez na história, um hospital transportou um rim por drone, em Baltimore, nos EUA, e salvou a vida de uma mulher que estava havia oito anos na fila. Em 2022, no Canadá, o equipamento carregou um pulmão em teste feito por cientistas. Nos dois casos, deu tudo certo. No Brasil, esse é um cenário mais distante.
“O problema é a questão da segurança, porque são necessários o acondicionamento especial e a presença de um profissional. É preciso ser regulamentado”, pontua o subsecretário de Vigilância em Saúde da SES-MG, Eduardo Prosdocimi.Para o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado, uma opção poderia ser o uso em áreas onde o pouso de aeronaves maiores possa ser complexo.