A construção de uma ferrovia de 32 km na região metropolitana de Belo Horizonte, pela empresa Cedro Participações, entre Mateus Leme e Mário Campos, tem preocupado moradores de diversas cidades. A possível destruição de cursos d’água e de nascentes, além do comprometimento da agricultura local, são algumas das consequências negativas apontadas por habitantes e profissionais de cidades como Itaúna, Igarapé, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas. O empreendimento, previsto para iniciar em novembro de 2029 e ser entregue em novembro de 2033, ainda impactaria diretamente os afluentes do reservatório de Serra Azul, da Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Copasa), o que poderia resultar em um agravamento da crise hídrica, de acordo com a geóloga Daniela Cordeiro, que vive em Igarapé.

A ferrovia tem como objetivo transportar minério de ferro, garantindo que o escoamento seja realizado pelo Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro. O projeto ainda conta com a implantação de dois pátios de rejeitos de minério na região. A previsão é de investimentos na ordem de R$ 1,5 bilhão e capacidade para movimentar 25 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Além disso, a expectativa é de que a nova ferrovia retire 5 mil carretas das estradas da região por dia, de acordo com divulgação da empresa. 

A denúncia sobre os possíveis impactos negativos do projeto foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última semana. A reunião foi conduzida pelo deputado Tito Torres (PSD), na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Na ocasião, a geóloga Daniela Cordeiro e outros moradores da região metropolitana protestaram contra a construção da ferrovia. No entanto, as opiniões não são unânimes: para Torres, por exemplo, a obra é de grande importância, uma vez que, entre outras contribuições positivas, vai reduzir significativamente o tráfego de carretas na BR-381, resultando, ainda, em um número menor de acidentes na via.

“Sabemos que acidentes envolvendo veículos de mineração são recorrentes  e o alto fluxo de carretas nas rodovias, especialmente na BR-381 e na BR-040, tem resultado em diversas tragédias. A ferrovia surge como uma alternativa viável e estratégica para o Estado, contribuindo para a geração de empregos e renda, além de oferecer um meio de transporte mais seguro. No que se refere às questões ambientais, ainda não há estudos apresentados ou pedidos de licenciamento junto ao Estado. Considerando apenas o aspecto logístico e econômico, não há dúvida quanto à relevância desse projeto”, afirmou ele.

A natureza, no entanto, poderá sofrer, de acordo com a geóloga Daniela Cordeiro. Conforme ela explica, o polígono de implantação da ferrovia afetará diretamente 78 cursos d’água. “A construção do ramal ferroviário proposta pela empresa Cedro Participações impactará diretamente as nascentes e cursos d'água afluentes do reservatório de Serra Azul da Copasa. Hoje, o sistema Paraopeba da Copasa (formado pelos reservatórios de Serra Azul, Rio Manso e Várzea das Flores) abastece 3,5 milhões de pessoas da região metropolitana de Belo Horizonte, então o risco de comprometimento do reservatório de Serra Azul pode contribuir para o agravamento da crise hídrica vivida pela região metropolitana de Belo Horizonte”, diz ela.

Daniela ainda afirma que a região é uma importante fornecedora de alimentos para as Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CeasaMinas) e a supressão de nascentes pode afetar diretamente a produção de alimentos.

Advogada e moradora da comunidade Alto da Boa Vista, em Mateus Leme, Isabella Rezende contou, em audiência pública, que a família dela, assim como diversas outras, tem um terreno há décadas na região, com produção de milho, flores, entre outros, que abastecem a Ceasa de Belo Horizonte. “São pessoas que estão ali desde que nasceram e não sabem o que vão fazer se perderem seu meio de sustento”, ressaltou ela.

Conforme Daniela Macedo, atualmente cerca de 40% da produção de hortifrúti comercializado na Ceasa da capital mineira tem como origem as cidades de Mateus Leme, Igarapé e São Joaquim de Bicas. “O polígono de implantação da ferrovia impacta diretamente áreas produtivas dedicadas ao cultivo de frutas e hortaliças. Conforme o traçado, 933 hectares de áreas produtivas podem ser perdidos. A perda de áreas produtivas na região do cinturão verde de Belo Horizonte fará com que a demanda da Ceasa seja suprida por regiões mais distantes, encarecendo o preço do alimento que chega à mesa da população da região metropolitana. Ou seja, perder área produtiva próxima da região metropolitana significa que o alimento pode ficar mais caro na mesa da população”, concluiu ela.

Uma segunda audiência pública deverá ser realizada na ALMG com intuito de ouvir a Cedro Participações. Além disso, entre os encaminhamentos estão pedidos de providências e informações a serem enviados ao Ministério Público e às prefeituras envolvidas.

Posicionamento

A reportagem entrou em contato com a Cedro Participações, com o governo de Minas Gerais, com as prefeituras das cidades mencionadas e com a Copasa e aguarda retorno.

No dia da audiência pública, porém, o secretário-adjunto da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Leonardo Rodrigues, destacou que apenas após a entrega de todos os documentos para o licenciamento ambiental é que a pasta passa a fazer a análise do projeto. “Nesse momento, infelizmente, não temos nenhuma avaliação técnica para trazer”, disse ele.