ENVIADO ESPECIAL — Assim como a Cordilheira do Espinhaço, a flexibilização nos licenciamentos ambientais de Minas Gerais aprovada recentemente pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) também pode trazer riscos para outro patrimônio da humanidade: as Cavernas do Peruaçu, em Januária, no Norte de Minas Gerais. Apesar de estar inserido em uma área de preservação, o monumento, reconhecido em julho pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), pode ser afetado caso a vegetação no seu entorno passe a ser destruída. 

Conforme divulgado por O TEMPO na última segunda-feira (4/8), entre a série de mudanças aprovadas pelo Copam — colegiado formado por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil sob coordenação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) — está a retirada da “proteção” a mais de 50 áreas com vegetação nativa cuja preservação têm importância biológica classificada como “extrema” ou “especial”, entre elas a Serra do Espinhaço e o Vale do Rio Peruaçu. 

As áreas que poderão ser alvo de exploração com base em licenciamentos simplificados, que dispensam a necessidade de vistoria do Estado, estão distribuídas por todas as regiões do estado (veja a lista ao fim do texto) e, juntas, representam 17% de toda a área de Minas Gerais. 

De acordo com o presidente do Sindicato dos Servidores Estaduais do Meio Ambiente e da Arsae de Minas (Sindsema), Wallace Alves, que também é gestor ambiental da Semad, é improvável que algum empreendimento seja construído dentro do território do Peruaçu em si, uma vez que, lá, existem duas unidades de conservação. Entretanto, seu entorno pode ser impactado, o que, ao longo dos anos, pode vir a afetar o cânion. 

"As zonas de amortecimentos, todas aquelas áreas vizinhas que convergem para essas áreas de proteção, estão expostas com a retirada desse critério locacional pelo Copam. Antes existia uma regulação maior, eram exigidas mais documentações, mais embasamento técnico para qualquer empreendimento poluidor nessa região. O ecossistema, como a própria palavra já diz, é um sistema, que está interligado. Ao promover uma maior devastação no entorno, você tem um impacto direto nelas. As águas que convergem, os lençóis freáticos que abastecem essas áreas, os próprios ecossistemas florestais, levam a um equilíbrio. Quando você flexibiliza essa destruição ao redor, você deixa manchas de conservação que, a longo prazo, serão afetadas", afirma. 

Ainda conforme Alves, com a possibilidade de se aplicar o licenciamento simplificado nestas áreas, os fiscais do meio ambiente deixam de ter, por exemplo, uma periodicidade para retornarem à região para vistorias. "Neste caso, a fiscalização ambiental funcionará conforme demanda, se houver alguma denúncia na área relacionada à degradação. Mas, em locais mais ermos, longe de comunidades, isso pode ser dificultado. A vegetação, a fauna, não podem ligar para denunciar os crimes. Por isso essa mudança no licenciamento causa um prejuízo inegável à natureza", argumenta o presidente do sindicato. 

A Semad foi procurada pela reportagem para comentar sobre os riscos para as zonas de amortecimento das Cavernas do Peruaçu, mas, até a publicação da reportagem, ainda não tinha se manifestado. 

Vegetação no entorno dos parques do Peruaçu podem ser afetadas pela alteração l Alex de Jesus / O Tempo

"Não existe desenvolvimento quando se degrada o meio ambiente", diz gestora dos parques 

Ouvida pela reportagem de O TEMPO no último domingo (3/8), a chefe do Núcleo de Gestão Integrada Peruaçu, que engloba o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e a Área de Proteção Ambiental (APA) Cavernas do Peruaçu, Dayanne Sirqueira, viu como "preocupantes" as mudanças na legislação do licenciamento ambiental em Minas Gerais. Segundo ela, "não existe desenvolvimento quando se degrada o meio ambiente". 

"Eu costumo dizer que, geralmente, a humanidade está comprando fiado e, a longo prazo, a conta vai chegar. E ela chega para todo mundo. A gente ouve muito esse discurso de que os órgãos ambientais estão travando o desenvolvimento regional. Mas não existe nenhum desenvolvimento se eu não tiver o meio ambiente caminhando junto. A conta vai chegar, e ela sempre chega", pondera. 

Ainda conforme Dayanne, diante dessa mudança promovida em Minas e da aprovação do "PL do Licenciamento Ambiental", pelos deputados federais, a notícia do reconhecimento das Cavernas do Peruaçu como patrimônio natural da humanidade veio em bom momento. 

"Ele veio na contramão, adicionando uma camada a mais de proteção para a região. Acreditamos que o título vai minimizar o impacto dessa legislação. O processo de reconhecimento estava acontecendo há vários anos e ser concedido agora foi importante. O que é cobrado nos licenciamentos ambientais é o básico para se garantir a exploração daquele recurso e, também, o equilíbrio para não acabar com ele. Os ataques à questões ambientais vem muito de não pensar no futuro, não é?", conclui. 

Entenda as mudanças aprovadas pelo Copam

O Copam aprovou, no último dia 24 de julho, uma série de alterações que flexibilizam o licenciamento ambiental em Minas Gerais. Entre as principais mudanças está a exclusão de critérios que protegiam áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, classificadas como de importância “especial” ou “extrema”. Com isso, mais de 9,8 milhões de hectares — o equivalente a 17% do território mineiro — poderão receber empreendimentos que degradem as áreas mediante licenciamento simplificado, que não exige, entre outras coisas, uma vistoria prévia do Estado.

Os chamados “critérios locacionais de enquadramento” consistem em uma tabela com pesos específicos para cada um dos possíveis danos que a implantação de um determinado empreendimento pode causar ao meio ambiente. Dos 11 critérios listados, só três tinham peso 2, o mais alto. Durante a votação, o Copam aprovou a exclusão de um destes critérios de peso máximo, voltado para empreendimentos que venham a promover a “supressão (desmate) de vegetação nativa em áreas prioritárias para conservação, considerada de importância biológica ‘extrema’ ou ‘especial’”.

Dos 20 conselheiros membros do Copam, somente dois votaram contrários às mudanças: a Polícia Militar de Meio Ambiente e o Ministério do Meio Ambiente (MMA). O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) optou pela abstenção. Todos os outros membros, que incluem diversos órgãos do governo de Minas e ONGs de defesa ao meio ambiente, votaram pela alteração na legislação. 

“A retirada deste critério locacional de peso 2 fragiliza demasiadamente a conservação da vegetação presente na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, principalmente a que está localizada no bioma Cerrado, uma vez que é uma área não abrangida pela lei da Mata Atlântica. Os setores minerário e imobiliário foram muito beneficiados com a simplificação do processo de licenciamento”, disse um servidor que pediu para não ser identificado por medo de "retaliações". 

Outra mudança relevante foi o aumento da área permitida para atividades agrossilvipastoris sem necessidade de licenciamento, que passou de 200 para 1.000 hectares. Com o novo modelo de licenciamento simplificado, o processo passa a ser conduzido por apenas um técnico e se baseia majoritariamente nas informações apresentadas pela própria empresa interessada, sem exigência de análise multidisciplinar ou vistoria in loco. 

Procurada sobre as alterações aprovadas recentemente, a Semad afirmou, em nota, que as mudanças não alteram as regras de proteção já existentes e visam simplificar processos sem comprometer a responsabilidade ambiental. 

Em publicação feita pelo governo de Minas sobre o que chamou de "novas regras para simplificar licenciamento ambiental para produtores rurais", a secretária Marília Melo afirmou que as medidas adotadas "não se confundem com intervenção ambiental ou desmatamento". "Minas continua a defender o crescimento com responsabilidade. A simplificação de procedimentos para quem produz sem degradar, mantendo rígidos instrumentos de controle sobre atividades de alto impacto. ​Essa é a proposta do Governo de Minas para a verdadeira sustentabilidade: equilibrar produção, proteção e prosperidade para esta e para as próximas gerações”, disse.

Confira as listas com todas as áreas afetadas pela mudança: 

VEGETAÇÕES DE IMPORTÂNCIA BIOLÓGICA ESPECIAL

  • Vale do Rio Peruaçu
  • Região de Jaíba
  • Várzeas do Médio Rio São Francisco
  • Vereda São Marcos
  • Espinhaço Setentrional
  • Serra do Cabral
  • Área Peter Lund
  • Espinhaço Meridional
  • Alto Rio Santo Antônio
  • Parque Estadual do Rio Doce
  • Lagoas do Rio Doce
  • Complexo do Caparaó
  • Serra do Brigadeiro
  • Quadrilátero Ferrífero
  • Serra da Canastra
  • Região de Barbacena e Barroso
  • Região do Parque Estadua do Ibitipoca
  • Região da Serra da Mantiqueira

 

VEGETAÇÕES DE IMPORTÂNCIA BIOLÓGICA EXTREMA

 

  • Complexo Jaíba / Peruaçu
  • Parque Nacional Grande Sertão Veredas
  • São Miguel
  • Rio Itacambiruçu
  • Região de Bandeira
  • Reserva Biológica da Mata Escura
  • Região de Salto da Divisa
  • Região de Cariri
  • Rio Mucuri
  • Alto Jequitinhonha
  • Região de Buritizeiro / Pirapora
  • Fazenda Brejão
  • Serra da Carcaça
  • Remanescentes Lóticos do Rio Paranaíba
  • Lagoas do Rio Uberaba
  • Fazenda Tatu
  • Veredas de Uberaba
  • RPPN Galheiro
  • Região de Paraopeba
  • Província Cárstica de Lagoa Santa
  • Serra do Ambrósio
  • Região de Caratinga
  • Região de Carangola
  • Complexo da Serra do Brigadeiro
  • Região de Porto Firme
  • Florestas da Borda Leste do Quadrilátero
  • Área Cárstica de Arcos/Pains
  • Alto Rio São Francisco
  • Entorno da Serra da Canastra
  • Região de Poços de Caldas
  • Serra de São José
  • Rio Pomba
  • Matas de Pirapetinga