Quantos desafios cabem no cotidiano de uma comunidade escolar? Para além das dificuldades inerentes ao ensino e ao convívio, as possibilidades são diversas. Mas, em algumas escolas, a falta do básico gera problemas que não são resolvidos com livros e didática. Quase 12,2 mil estudantes mineiros estão em escolas sem água potável, segundo informações do Censo Escolar, filtradas a partir de uma plataforma disponibilizada pelo Conselho Nacional de Ministérios Públicos (CNMP).
Com esses dados em mãos, fiscais do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) visitaram algumas escolas e encontraram situações críticas, como merendas adiadas em função da falta de água na cozinha, alunos que precisam levar a garrafinha já cheia de casa para poder se hidratar ao longo do dia e instituições de ensino que têm como única fonte de abastecimento a retirada direta do rio. Há casos extremos: ao menos 1.443 crianças e adolescentes do estado estudam em locais sem banheiros.
Os dados foram organizados para embasar as ações do projeto Sede de Aprender, coordenado em uma parceria entre CNMP, Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), Instituto Rui Barbosa (IRB) e a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), com apoio dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Ministérios Públicos locais. Em Minas, a Companhia de Abastecimento (Copasa) participa da ação com coleta e diagnóstico da qualidade da água nas escolas onde a estatal não atua.
Nacionalmente, pelo menos 647 mil estudantes estão matriculados em escolas públicas municipais, estaduais e federais que não têm água potável, 179 mil são afetados pela ausência de abastecimento de água, 357 mil pela falta de esgoto tratado e 347 mil pela inexistência de banheiros. Os Tribunais de Contas de cada estado visitaram os locais apontados como mais críticos. O quarto e último ciclo de fiscalização ocorreu entre os dias 2 e 6 de junho deste ano, e os resultados foram publicados no dia 1º de agosto.
Em Minas, fiscais do TCE acompanhados de laboratoristas da Copasa percorreram quase 10 mil km em direção a 89 escolas de diferentes regiões. Cerca de 28,6 mil crianças e adolescentes estão matriculadas nas unidades de ensino avaliadas. Quase metade (43%) das unidades de ensino em questão têm como fonte de abastecimento água de poço, cisterna, rios e córregos, e 42,7% delas não têm coleta de esgoto. “O resultado destas análises é enviado para o Ministério Público, que aciona os responsáveis para regularizar a situação”, explica a Copasa, em nota.
Entre as histórias citadas no documento com as impressões dos fiscais do TCE está a de uma escola que não tinha uma gota de água saindo das torneiras no dia da inspeção. A cantineira da instituição tentou buscar água direto do poço, do lado de fora, e não conseguiu porque o líquido estava com muito barro. Naquele dia, não foi possível cozinhar o almoço das crianças. No lugar, foi servido biscoito com leite. Amostras analisadas revelaram ainda a presença de coliformes fecais em águas usadas para consumo.
Segundo o vice-presidente de relações institucionais da Atricon, Cezar Miola, o trabalho vai subsidiar outras etapas. “Entre as medidas previstas estão recomendações e determinações por parte dos Tribunais de Contas, celebração de termos de ajustamento de conduta ou de gestão, eventuais ações civis públicas, além de outras medidas cabíveis”, diz. O projeto embasa ações também do Ministério da Educação.



Por todo lado: Esgoto é lançado ao solo também na Grande BH
A dificuldade de crianças e adolescentes de ter acesso à água potável e ao esgoto tratado nas escolas não é um problema que se limita às áreas remotas em Minas Gerais. O Diagnóstico de Infraestrutura Escolar de 2024 mostra que há casos também na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ao menos 14 escolas enviam esgotos diretamente ao solo com fossas rudimentares.
Há ainda situações que não entram nesses números, mas que são riscos subnotificados. Na Escola Estadual João Nazário, do distrito de Andiroba, em Esmeraldas, são usadas fossas sépticas, que são adequadas, porém sem manutenção. “São sete anos que estou como diretor aqui, e nunca foi feito nada. A escola recebe recursos para manutenção geral, mas nada específico para a limpeza dela”, relata Wagner Gonçalves, de 40 anos. O ideal seria que a estrutura passasse por limpeza uma vez ao ano para evitar derramamento do material coletado e contaminação do solo.
“É preocupante. Quando isso acontece em regiões com mais recursos, como a Região Metropolitana, fica ainda mais evidente a necessidade de soluções efetivas”, alerta Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Trata Brasil. A Secretaria de Estado de Educação de Minas afirma desenvolver programas para aprimorar as condições de saneamento. “Em relação à substituição dos modelos atuais, a Secretaria se mantém aberta ao diálogo com o governo federal e prefeituras, caso haja a instituição de políticas específicas para essa finalidade”, diz em nota.