Uma fachada pintada com cor neutra, telhado colonial emoldurando corredores de acessos às salas, desenho de amarelinha no pátio central e cartazes educacionais nas paredes. A cena poderia descrever grande parte das escolas públicas estaduais de Minas Gerais. Entretanto, um cenário invisível para quem circula por essas instituições de ensino as diferencia e impacta diretamente a saúde e o aprendizado dos estudantes que passam por elas. Em 13% das escolas da rede estadual mineira não há qualquer tipo de tratamento de esgoto, e 14% delas não têm água devidamente desinfetada para consumo.

Os dados compõem o Diagnóstico de Infraestrutura Escolar de 2024, obtidos via Lei de Acesso à Informação. Das 3.954 escolas da rede de ensino estadual mineira, 557 não têm água tratada e 517 direcionam o esgoto para fossas rudimentares – negras, absorventes ou secas –, modelos que não estão previstos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) por representarem risco à população e ao meio ambiente.

Em outras 425 escolas, a opção é a fossa séptica, que não exclui riscos de contaminação, como explica o Ministério das Cidades em nota: “Quando mal dimensionadas, mal construídas ou sem manutenção adequada, tornam-se fontes de contaminação ambiental e riscos à saúde pública. A falta de serviços estruturados de limpeza e destinação adequada do lodo das fossas agrava ainda mais o problema, comprometendo lençóis freáticos e cursos d’água e aumentando a incidência de doenças de veiculação hídrica”.

A Secretaria de Estado de Educação de Minas admite, em nota, que, apesar de as fossas sépticas exigirem manutenção regular, “as unidades localizadas em zonas rurais enfrentam dificuldades para contratar esse tipo de serviço”. As causas e consequências desse cenário são o mote da série de reportagens “Saneamento: a lição não aprendida”, que começa a publicar hoje. 

A Escola Estadual Domingos Barbosa Braér, em Miralta – distrito de Montes Claros, no Norte de Minas –, se enquadra no perfil descrito no início desta reportagem. As salas de aula cheias de alegria e sede por conhecimento escondem um problema estrutural: o esgoto do local é despejado em fossas negras. O modelo é um buraco que leva os dejetos direto para o subsolo. A comunidade, com cerca de 600 habitantes, só passou a ter acesso à água potável em 2021, mas a rede de coleta e tratamento de esgoto inexiste.

"É desagradável, gera mau cheiro, junta bicho, mosca. Às vezes a criança está brincando, andando de bicicleta e passa naquela água”, conta a moradora da comunidade e funcionária da escola Aline Barbosa Amaral, de 35 anos. Ela lembra que, antes de murar a casa dela, já chegou a recolher roupas do varal cobertas de varejeiras – insetos que se desenvolvem em matéria orgânica em decomposição e são vetores de doenças.

Os cerca de cem estudantes da Escola Estadual João Miguel Teixeira, em um assentamento rural, também em Montes Claros, aguardam o acesso à água potável. Por lá, a água consumida pelos alunos é a mesma disponível para toda a comunidade: captada em poços artesianos, sem garantia de qualidade. “Gera muita preocupação”, resume Dinesia Aparecida Ferreira dos Santos, de 49 anos, que trabalha na escola. Quando a reportagem visitou o local, era aguardada a instalação de um sistema de captação da chuva, mas sem previsão.

Na prática, a escola, que retira a água diretamente do subsolo, lança para o mesmo local o esgoto sanitário ao usar fossa negra. A presidente da associação de moradores, Darlene Silva Teixeira, de 31 anos, explica que a mesma vulnerabilidade se repete nas casas das 52 famílias do assentamento. “Quando você ferve a água, dá para ver uma areia, umas cascas pretas, como se fosse sal. Convivemos com o mau cheiro das fossas, os mosquitos, a insegurança de beber a água”, diz.

A Prefeitura de Montes Claros justificou em nota que “a maioria das escolas está localizada na zona rural, onde não existe rede de esgoto”. Quanto às instituições que ficam em área urbana, o Executivo local disse que cabe à direção das escolas entrar em contato com a concessionária para solicitar a inclusão na rede.

Na zona rural: Longas distâncias e estruturas precárias explicam cenário 

Com área maior que a de 32 países do mundo, Januária lidera o ranking das cidades mineiras com escolas sem acesso à rede de esgoto. O município tem 6.691 km² de extensão – cerca de 20 vezes o tamanho de BH – e tem nas grandes distâncias entre os distritos o principal desafio para expandir o saneamento, segundo o prefeito da cidade, Maurício Almeida.

Alguns distritos de Januária ficam a mais de 100 km do centro urbano. Mesmo ciente da dificuldade, o prefeito diz que vai garantir “soluções adequadas de esgoto para todas as instituições de ensino até o fim do ano que vem”. Dados de 2022 mostram que 16,2% da população de Januária têm acesso ao saneamento. 

Coordenador do programa Universaliza Minas, da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), João Paulo Lopes Rigotto explica que essa é a realidade de muitas outras cidades com extensa área rural. “Muitas vezes, essas localidades são menos adensadas, com casas mais distantes umas das outras. Por isso, para atendê-las, são necessárias obras mais complexas, que demandam mais tempo”, esclarece.

Cabe aos municípios definir se o saneamento será realizado com o apoio da Copasa ou por meio de agências municipais. “Muitos municípios fazem a coleta do esgoto e o destinam para um curso d’água. Falta neles uma estação de tratamento, que demanda alto investimento”, afirma o assessor de meio ambiente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Licínio Xavier.