O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), está investigando se falhas ou a demora em realizar diagnósticos podem ter levado às mortes de três crianças de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, por possíveis infecções bacterianas. A informação foi confirmada nesta quinta-feira (26 de outubro) durante entrevista concedida a O TEMPO pelo secretário de saúde, Fábio Baccheretti, que também criticou medidas locais como fechamento e desinfecção de escolas, classificadas por ele como "não efetivas" e que ajudam a espalhar o medo na população.
Questionado sobre quais medidas estão sendo adotadas pelo Estado diante do problema, Fábio Baccheretti destacou que já está ocorrendo a capacitação dos médicos e demais trabalhadores da saúde da cidade. O objetivo é garantir que o diagnóstico ocorra precocemente para que o tratamento com antibióticos seja iniciado.
"Estamos acompanhando os óbitos e fazendo todos os testes para entender, principalmente, se existe algum ponto para ser discutido, por exemplo, dentro da assistência realizada na região, se existiu alguma falha ou demora no diagnóstico para explicar estas mortes por bactérias comuns e que já possuem tratamentos eficazes", argumentou o chefe da pasta.
Por fim, o secretário alertou para o risco de o pânico causado nos pais ocasionar um desequilíbrio que pode afetar o atendimento às pessoas que têm doenças mais graves, como problemas cardíacos e AVC's, por exemplo. "Isso aumenta a demanda nas UPA's, onde temos pacientes realmente urgentes", finalizou.
A Prefeitura de São João del-Rei foi questionada pela reportagem sobre as afirmações do secretário de Estado de saúde, mas, até a publicação da reportagem, o município ainda não tinha se posicionado.
Duas crianças seguem internadas
Até a noite desta quinta, duas crianças estavam internadas na Santa Casa de São João del-Rei, ainda de acordo com a prefeitura do município de pouco mais de 90 mil habitantes. Os pacientes sob suspeita de infecção bacteriana são uma criança de 7 anos e um bebê, de menos de 2 anos, conforme divulgado pela cidade.
Além disso, na UPA da cidade algumas crianças foram atendidas pelos profissionais, entretanto, nenhuma delas teria apresentado quadro que demandasse internação.
Protesto de mães e falta de antibiótico na cidade
Dezenas de mães protestaram em frente à Upa de São João del-Rei, na noite de quarta-feira (25 de outubro). Segurando placas com o escrito ‘Plantão Pediátrico’ e balões da cor preta, as mulheres gritaram por um reforço médico na unidade, que é indicada como referência caso as crianças apresentem sintomas de dor de garganta, vômitos, febre e manchas na pele – características da bactéria Streptococcus.
Para piorar a situação das crianças do município, o antibiótico recomendado para tratamento de infecção de crianças está em falta nas farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS) da cidade. Na Upa, está sendo receitado o medicamento amoxicilina com clavulanato para as crianças que são atendidas com dor de garganta, febre, vômitos e manchas na pele, sintomas que podem indicar a infecção por Streptococcus.
Entretanto, quando as famílias procuram a Farmácia Básica, voltam para casa sem conseguir o antibiótico, essencial para evitar casos mais graves.
Relembre o caso
As causas da morte de três crianças com idades entre 3 e 10 anos, em São João del-Rei, e a internação de outras após suposta contaminação pela bactéria streptococcus seguem sendo investigadas pela Secretaria Municipal de Saúde da cidade, que aguarda o resultado dos exames realizados pela Fundação Ezequiel Dias (Funed).
Inicialmente, na última terça-feira (24), a pasta afirmou que amostras laboratoriais confirmaram o contágio de uma criança, que já recebeu alta hospitalar, pela bactéria streptococcus pyogenes. No entanto, nessa quarta-feira (26 de outubro), a secretaria voltou atrás e disse que o resultado identificou a subespécie streptococcus sp. alfa-hemolítico. (Veja a diferença entre as duas espécies abaixo).
A reportagem de O TEMPO conversou com a infectologista Karina Nápoles que explicou as diferenças entre as duas bactérias investigadas. Segundo a médica, elas pertencem ao gênero streptococcus, mas são de subespécies diferentes. Apesar disso, os microrganismos podem causar sintomas semelhantes, com infecções na garganta e na pele. No entanto, a classe pyogenes aparentemente é mais comum e menos letal. Já a streptococcus sp. alfa-hemolítico, apesar de ser mais rara, pode causar infecções mais graves devido a produção de toxina.
Streptococcus sp. alfa-hemolítico
De acordo com a especialista, a bactéria do grupo A pode causar infecção na garganta, no ouvido e na pele, podendo evoluir para febre reumática, insuficiência renal e infecções graves. Apesar de não ser o mais comum, ela explica que a produção de toxinas desse tipo de bactéria costuma causar a evolução para casos graves.
“Aparentemente a infecção pelo pyogenes é mais comum e menos grave do que a infecção do grupo alfa-hemolítico, que devido a produção das toxinas desses grupos costumam evoluir para casos mais graves, apesar de ser mais rara”, conta. Ela explica que essas toxinas podem causar a síndrome do “choque tóxico”, além de uma septicemia. “É uma infecção bem mais grave e com risco de vida”, aponta.
A médica afirma ainda que o tratamento é feito à base de antibióticos. “Opção geralmente é o clavulin ou azitromicina e, em casos graves com internação, usamos ceftriaxona”, aponta.
Streptococcus pyogenes
Karina Nápoles detalha que as contaminações pela bactéria do grupo pyogenes costumam ser mais frequentes e menos letais. A infectologista afirma que os sintomas após a contaminação são semelhantes. Segundo ela, uma das complicações que o microorganismo pode causar é a febre escarlatina, típica em crianças de idade escolar durante a primavera.
“Causa as principais doenças das amigdalites e complicações como febre reumática e a escarlatina, que é quando se complica com infecções de pele. A escarlatina ela se manifesta com sintomas de febre, mal-estar, vômito e lesões de pele características”, detalha.
A médica afirma ainda que, assim como no caso da espécie alfa-hemolítico, o tratamento também é feito à base de antibióticos. Ela explica que a diferenciação entre as duas bactérias só pode ser feita com análises laboratoriais.
“Não tem diferença no tratamento, como são streptococcus o tratamento são com antibióticos que cobrem bactérias Gram-positivas. Pelos sintomas não dá para saber qual é, apenas com a identificação da microbiologia. Então o tratamento não sofre prejuízos ao se esperar essa identificação porque os exames às vezes demoram 3 a 5 dias para ter resultado”, garante.
Transmissão
A transmissão é feita de uma pessoa para a outra, por meio de contato próximo ou através de tosses ou espirros. “Por estar na mucosa da região da faringe, ela pode contaminar ainda alimentos. Então se a pessoa contaminada fala, pode haver respingos e contaminação de alimentos. Água também pode ser contaminada”