“A cada dia que passa temos uma informação nova que precisa ser investigada”. É desta forma que o advogado Gregório Andrade, responsável pela defesa de Kátia Cristina, de 30 anos, inicia ao comentar que a cliente teria tido uma bebê tirada dos braços dela logo que nasceu. A mulher permanece presa suspeita de maus tratos, que ocasionou na morte de um filho, de 4, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Kátia chegou na capital mineira com os quatro filhos e o marido após vir de Mário Campos, também na Grande BH. A mulher estava grávida e logo após ser aliciada para uma proposta de trabalho, ainda na rodoviária, se mudou para São Joaquim de Bicas. Quando já estava no sítio, onde denuncia ter sido escravizada e abusada sexualmente, entrou em trabalho de parto e foi levada para uma maternidade.
“Quando retornou para o sítio, ela teve a bebê retirada com a alegação de que a assistente social do hospital havia entrado em contato pedindo o retorno”, disse Andrade. A bebê nasceu prematura e, por isso, demandava cuidados, porém Kátia informou que a filha estava bem.
A bebê, conforme dito pelo advogado, foi levada por Terezinha Pereira dos Santos, de 53 anos, que é apontada como a proprietária do sítio e que ainda não foi localizada, onde Kátia e a família ficaram em cárcere. “Kátia quis ir junto, mas foi impedida por Terezinha. Ela ficou seis meses sem ver a filha. Tudo isso me foi repassado pela Kátia em conversa que tive com ela nesta quinta-feira (2)”, contou Andrade.
'Quer criar um filho?'
Ainda segundo o advogado, após Kátia questionar Terezinha por diversas vezes sobre o paradeiro da filha, uma criança a foi entregue. “Passado um tempo sem saber se a filha estava bem ou até mesmo viva, Kátia foi indagada se queria criar um filho e Terezinha a entregou uma menina para criar. Porém, ela não sabe se é a filha dela”.
A bebê, atualmente, está em um abrigo com outra irmã. Já os irmãos encontrados no apartamento, no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte, seguem internados. Eles foram mantidos em cárcere e estão reaprendendo a comer após desnutrição severa.
A reportagem de O TEMPO segue acompanhando os desdobramentos do caso, se fazendo presente na cidade da região metropolitana. “Kátia, junto com as crianças, são as maiores vítimas desta história”, finaliza o advogado.
Entenda o caso
- A denúncia
A denúncia de que as crianças estavam sendo mantidas em cárcera foi feita por uma vizinha, a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos. Ela acionou a polícia depois que percebeu que elas estavam sozinhas no apartamento e sem o auxílio de familiares. Ela tentou alimentar as crianças por um buraco na parede do apartamento. A porta da residência onde elas estavam foi trancada com um cadeado e correntes.
- O local em que as crianças estavam
Conforme a denunciante, no local em que as crianças estavam, havia uma vasilha de comida com bicho. Em entrevista, ela descreveu o cenário. "Encontramos muita sujeira, o cheiro era tão forte que, quando os policiais abriram a porta, nem eles aguentaram. A gente se emocionou muito quando vimos os dois, com os bracinhos fininhos, um deles sem conseguir nem falar. Aí começamos a chorar. Aqui tudo sujo, tudo podre, vasilha com bichos, colchão no chão", relatou.
- Menino sentiu cheiro de churrasco e pediu comida
Uma das crianças resgatadas pediu um pouco de comida para a vizinha depois que sentiu o cheiro do churrasco que era feito por ela. "Meu sobrinho estava andando de bicicleta aqui e, pelo buraquinho, ele viu e pediu um pouco de comida. Meu sobrinho, que tem mais ou menos a idade dele, veio até mim e contou. Fui até a porta e vi os dois, um deles disse que estava com fome e pediu churrasco para ele e o irmão. Pedi para ele abrir a porta, e ele falou que podia ser por ali mesmo. Falei que a vasilha não cabia no buraco. Ele, então, sugeriu que eu colocasse em uma sacolinha e disse 'eu estou com muita fome, me dá churrasco'", detalhou a vendedora Poliana dos Santos, de 37 anos, responsável por fazer a denúncia para a polícia.
A criança disse para a vendedora que elas estavam acompanhadas da avó. No entanto, o menino voltou a pedir comida durante a noite daquele dia, o que intrigou a vizinha e indicou de que elas estariam sozinhas.
- Os responsáveis pelas crianças
A investigação apontou que as crianças são filhas de uma mulher, de 30 anos, que foi presa por maus-tratos a outro filho, morto no último dia 6 de fevereiro. O caso foi registrado em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. De acordo com o boletim de ocorrência, no início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo.
O pai biológico das crianças, segundo a apuração do caso, teria morrido de Covid-19, em 2020. Em depoimento à polícia, uma das vítimas resgatadas no apartamento, na última terça-feira (21), informou que elas haviam vindo de São Joaquim de Bicas, na semana anterior ao resgate, e que a avó teria passado a noite de sábado (18) com elas, mas não retornou.
Em uma carta escrita de dentro do presídio de Vespasiano, Kátia Cristina, de 30 anos, mãe dos dois meninos de 6 e 9 anos que foram resgatados trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte, pediu que o seu irmão, que está na capital mineira, "proteja" os seus filhos. Além dos dois garotos, ela ainda tem duas meninas, de 1 e 2 anos, que estão em um abrigo em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital mineira.
No texto, que O TEMPO teve acesso com exclusividade em 24 de fevereiro, a mulher começa pedindo perdão ao irmão. "Me perdoa por tudo que está acontecendo", escreveu. "Proteja os meninos por favor, se você pode cuidar deles, pois não sei quando sairei daqui", continua Kátia.
O irmão dela está, desde quinta-feira (23), acompanhando os dois garotos no Hospital Odilon Behrens. Eles estão internados no local após serem resgatados com sinais de desnutrição no apartamento, que estava trancado com uma corrente. Os garotos foram localizados após sentirem cheiro de churrasco que era feito na casa vizinha e pedirem um pouco de comida.
Em seguida, Kátia ainda afirma que, se o irmão quiser a guarda dos filhos, "pode pedir que eu assino". A mulher está presa desde o dia 6 de fevereiro, quando levou o filho de 4 anos para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) já sem vida. Ela estava acompanhada, na ocasião, de um homem de 31 anos que, no dia seguinte, acabou preso sob suspeita de envolvimento no crime.
- Advogados acreditam que ela foi vítima de escravidão
Apesar da suspeita de maus-tratos contra o filho de 4 anos que recai sobre Kátia, os advogados acreditam que ela e a família tenham sido vítimas de uma quadrilha que alicia pessoas e as força ao trabalho análogo à escravidão. O garotinho morreu.