“Achatar a curva” tem se tornado parte do vocabulário brasileiro. É o que médicos e gestores públicos afirmam ser essencial para conter um colapso do sistema de saúde em meio à epidemia de coronavírus no Brasil. O próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mencionou que essa falência pode acontecer ainda em abril. Nesta semana, uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) comprova o perigo que um descontrole dos casos de Covid-19 traria a todo o país. 

Uma análise realizada por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, mesmo no cenário mais brando que consideram, em que 0,1% da população de cada microrregião do país seja infectada ao longo de seis meses, haveria duas vezes menos leitos de UTI disponíveis do que o necessário para os casos graves. Na hipótese mais dramática no curto prazo, em que 1% da população seja infectada em único mês, não haveria leitos de UTI o bastante na maior parte das microrregiões de saúde do país. 

“Considerando os leitos gerais e os ventiladores mecânicos, o sistema de saúde brasileiro dá conta de atender à demanda, fora de um contexto de pandemia. Apesar da ideia de que ele é caótico, ele tem problemas, como qualquer outro, mas dá conta, em tempos normais, especialmente para os serviços de alta complexidade. Mas nós estamos em um contexto de exceção”, pontua Gilvan Guedes, professor do departamento de demografia da UFMG e um dos autores do levantamento.

Se 0,1% da população fosse infectada em um mês, 44% das microrregiões do país estariam com leitos de UTI comprometidos. Em um cenário mais drástico, com 1% da população sendo atingida no mesmo período, menos da metade das microrregiões dariam conta da demanda. A pesquisa leva em conta um tempo de internação médio de oito dias para casos mais leves e de dez dias, no caso dos mais graves.

Estudo analisa microrregiões distribuídas por todo o Brasil

Os resultados mostrados no estudo são específicos por cada microrregião de saúde. Para saber qual o percentual da população brasileira que estaria potencialmente infectada por Covid-19 seria necessário conhecer a taxa de infecção em cada microrregião, a qual pode variar ao longo do tempo.

O estudo faz uma análise das 437 microrregiões do Brasil, que são as áreas observadas pelo sistema de saúde na distribuição dos serviços hospitalares. A pesquisa usa esse método porque as internações por Covid-19 precisam ser realizadas rapidamente, portanto seria mais simples considerar um território limitado. 

Nos cálculos realizados na pesquisa, foram considerados tanto os leitos públicos quanto privados e excluídos aqueles que já estão habitualmente ocupados neste período do ano. O estudo também levou em consideração o padrão etário do contágio da doença e a distribuição etária do risco de ser internado em leitos gerais e leitos UTI.

A análise não permite inferir quantas pessoas, nacionalmente, precisariam ser contaminadas para o sistema de saúde entrar em colapso. Mas, explica Guedes, reforça a necessidade de evitar ao máximo possível um rápido pico de casos no país, do ponto de vista do sistema de saúde. 

De acordo com ele, a nota técnica já está disponível para os gestores em saúde, incluindo o Ministério da Saúde, e não considera ações que estão sendo adotadas por governos em todas as instâncias, como abertura de hospitais de campanha e a possibilidade de transportar pacientes de uma microrregião a outra. “Essa análise mostra ao governo até onde a gente chegaria se nada fosse feito”.  

Leitos gerais e ventiladores mecânicos têm mais disponibilidade que UTIs

Em todo o país, os leitos gerais, fora da UTI, aguentariam a demanda se 0,01% a 0,1% da população fosse infectada, independentemente do tempo, estima a pesquisa. Mas, com uma taxa de infecção maior do que 1%, os problemas começariam a aparecer. 

Especialmente nas regiões Nordeste e Norte do país, se essa contaminação ocorresse em um mês, parte dos leitos gerais atingiriam a capacidade máxima ao final do período. Ao mesmo tempo em que as microrregiões no Sudeste e no Sul contam com mais recursos, a velocidade das contaminações nessas áreas têm sido maior. 

Embora em menor grau do que no caso das UTIs, a oferta de ventiladores mecânicos também ficaria comprometida em alguns cenários. Cerca de uma, em cada quatro das microrregiões brasileiras não conseguiriam atender a todos que precisam, se 1% da população for contaminada ao longo de seis meses.   

“Os leitos de UTI são nosso maior gargalo no Brasil, hoje. Mesmo em cenários com infecções absorvidas ao longo de três meses, alguns locais teriam problemas”, aponta Guedes. 

Ele exemplifica a situação da macrorregião Centro, de Minas Gerais, em que Belo Horizonte se situa. “Se 0,1% da população fosse contaminada em um mês, 96% dos leitos de UTI já estariam sendo utilizados. Se for em seis, 92% estarão. No cenário de 1% de infecções em um mês, ela passa da capacidade. No caso dos ventiladores, a situação seria mais confortável na macro Centro de Minas Gerais, atingindo 78% de uso mesmo no cenário de um mês”, finaliza.