O filho da designer de interiores Michelle Carvalho, 36, aprendeu a ler sozinho aos 2 anos e, aos 6, pronuncia palavras em inglês e espanhol. Ainda assim, 13 escolas da rede particular de Belo Horizonte se negaram a matricular a criança quando a família se mudou para a capital, há pouco mais de um ano. O motivo, conta a mãe, foi claro: o diagnóstico de autismo.
A falta de preparo na primeira escola que aceitou o garoto levou a monitora a deixar o filho de Michelle sem água para que ele não fizesse xixi na roupa, sem se atentar para o fato de que a criança não sabia dizer quando queria ir ao banheiro. “As escolas precisam entender que existe um abismo entre fazer matrícula e fazer inclusão”, ensina a mãe.
A saída encontrada pela mãe foi matricular o menino numa instituição particular de Contagem, na região metropolitana, e hoje Michelle gasta uma hora e 20 minutos no trânsito, todos os dias, para levar e buscar a criança no colégio.
Com a abordagem correta na atual escola, a evolução do menino, que tem dificuldades de interagir e se comunicar, foi nítida. “A interação social dele melhorou absurdamente. Ele tem tentado se expressar mais e se fazer entender”, comemora.
O drama vivido por essa mãe não é exceção, e o problema vai além do direito a um lugar em sala de aula. Relatos de pais e dos próprios profissionais da educação mostram que o despreparo das equipes nas instituições de ensino públicas e privadas comprometem seriamente o aprendizado e, muitas vezes, inviabiliza o direito à educação inclusiva.
Embora compartilhem características em comum, como disfunção sensorial, dificuldade de interação social e estereotipias (movimentos repetitivos), os autistas podem apresentar limitações e habilidades únicas. Mas nem sempre os professores e auxiliares estão preparados para adaptar a rotina da escola e o material pedagógico para facilitar o aprendizado do estudante.
“O conceito de monitor ficou muito na esfera de levar ao banheiro, dar o lanche, e não de ensinar as matérias”, observa Maristela Ferreira, vice-presidente da Associação de Apoio à Deficiência Nossa Senhora das Graças (Agraça). Ela defende que o autismo seja tema previsto na formação continuada dos profissionais da educação. “Nos deparamos com um problema muito grande de falta de capacitação”, destaca Maristela, mãe de uma autista já em idade adulta.
Inclusão melhora as relações
Quando bem-feita, a inclusão escolar também pode prevenir cenas lamentáveis como a de um advogado preso por agredir um menino autista em um shopping de Belo Horizonte no último dia 30. A vice-presidente da Associação de Apoio à Deficiência (Agraça), Maristela Ferreira, explica: “Hoje a gente sente que as crianças (sem deficiência) trabalham as diversidades, e isso as prepara para serem jovens e adultos mais tolerantes”.
Diretora de uma escola estadual com 25 alunos autistas na capital, Rosane Belico concorda: “O caminho de todas as coisas do mundo é a educação. Temos que cobrar valores”, acredita a educadora.
A artista visual Raquel de Alencar Barros, 32, se surpreendeu com os efeitos de uma ação efetiva de inclusão na sala do filho, Ulisses, de 3 anos, que é autista. Em 2 de abril, Dia da Conscientização sobre o Autismo, educadores da escola municipal onde o garoto estuda abordaram o assunto e explicaram às crianças o que tornava o pequeno Ulisses diferente.
Instituições não atendem a lei, reconhece sindicato patronal
A presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Ávila, admite que há despreparo nas instituições para receber não só autistas: “Algumas escolas não estão preparadas, nem com infraestrutura, nem com relação à equipe”.
Zuleica aponta os custos para fazer as adaptações necessárias, como a contratação de auxiliares, como um dos principais empecilhos para se adequar ao que a lei manda. “São custos, às vezes, elevados. Antes de a lei ser modificada, os pais arcavam com esses valores”, diz.
Zuleica afirma, porém, que as instituições têm se esforçado para cumprir as normas: “As escolas têm procurado se especializar com cursos. Precisamos ter profissionais com condições de dar um tratamento para que o aluno consiga avançar nas suas habilidades”.
Demanda
Números. Até 2018, Minas tinha, só na rede pública estadual, 4.173 alunos com autismo, segundo dados da Secretaria de Estado de Educação. Nas escolas municipais da capital, são 921 estudantes com o diagnóstico. A rede particular não divulgou seus números. Tanto na rede municipal quanto na estadual, há auxiliares de apoio que acompanham os autistas, mas o número não atende a necessidade de atendimento individualizado.