Em carta enviada a familiares, detentos do Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP), em Ribeirão das Neves, reclamam de falta de assistência a presos com sintomas de coronavírus e de falta de estrutura para o tratamento adequado. De acordo com representantes de agentes penitenciários e fontes ligadas ao sistema prisional, problemas que contribuem para o avanço da Covid-19 se repetem nas unidades de forma geral, agravados pela superlotação. Até o momento, cinco mortes pela doença já foram confirmadas nos presídios mineiros.

O texto, assinado por sentenciados da unidade II do complexo, diz que os presos estão "sendo negligenciados" e que não há oferta de leitos e testes. "Temos alguns irmãos que estão muito doentes na vivência, outros foram retirados para um possível tratamento e estão sendo jogados em salas sem a menor condição de higiene, dormindo no chão gelado", diz a carta. Há reclamações também quanto à falta de medicamentos.

A esposa de um detento do CPPP disse, sob anonimato, que soube, por meio da advogada, que nem sempre os presos com sintomas são testados e isolados dos demais: "Eles continuam passando mal no meio dos outros, não está tendo médico, quando pedem atendimento, demora, e não tem medicação para todos". Segundo ela, com as visitas presenciais proibidas por causa da pandemia, o contato com o marido está mais difícil, o que eleva a preocupação.

A mãe de um preso da unidade relata que também tem dificuldades de receber notícias do filho. "A gente liga, e falam sempre que está tudo bem, mas o pessoal não está dando conta de dar assistência. Eu fico muito preocupada, meu filho está preso e errou, mas é ser humano, e eu sou uma mãe, estou aqui fora. Não tem cuidado com eles", lamenta.

O presidente da União Mineira dos Servidores Prisionais (Unimasp), Ronan Rodrigues da Silva, disse que a situação é semelhante em diversos presídios. Segundo ele, com a superlotação, o isolamento dos detentos com sintomas nem sempre é cumprido. "É necessário aumentar a testagem e fazer com que os presos doentes saiam para se tratar, porque, se ficarem lá dentro, a tendência é que a situação piore. Tem cela que cabe dez, mas tem 30 detentos. É um risco grande para os presos e para os agentes", afirma. Segundo ele, vários policiais penais já foram afastados do trabalho por suspeita ou contaminação de Covid-19.

Até a manhã desta sexta-feira (17), 217 pessoas sob a custódia do sistema prisional mineiro tinham recebido diagnóstico positivo para Covid-19, em um universo de 60 mil custodiados, de acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

Desses, 216 estão assintomáticos ou com sintomas leves, cumprindo o período de quarentena dentro das unidades prisionais, acompanhados por equipes de saúde. Segundo a pasta, as alas em que eles estavam foram isoladas e desinfectadas, e todos servidores e demais detentos dos locais usam máscaras de forma preventiva. Um dos presos com coronavírus cumpre prisão domiciliar.

De acordo com a Sejusp, não procede a informação de que os detentos do CPPP estejam dormindo no chão e não recebam medicamentos. "Por previsão contratual, passível de multa, não há situação de superlotação no complexo penal e, portanto, não há por que se falar em custodiados dormindo no chão", afirma nota da pasta.

A GPA, empresa que administra o CPPP, informou que "não há qualquer fundamento" nas informações repassadas pelos presos. Segundo a empresa, dez detentos receberam confirmação para coronavírus nas unidades do completo e estão em tratamento, em espaço isolado no centro de atendimento médico da unidade. Outros 15 com sintomas gripais também estão isolados e recebendo tratamento médico.

Segundo a GPA, todos os presos considerados de grupos de risco foram alocados em uma única galeria e são acompanhados diariamente com aferição de temperatura e sintomático respiratório. Uma enfermaria especial para tratamento de Covid-19 foi criada, com 20 leitos a mais em cada unidade, e todas já possuem centros de saúde para atendimento básico.

Ainda segundo a empresa, o complexo conta com uma equipe médica referência em Covid-19, e realiza assepsia de viaturas, estruturas das unidades e produtos entregues aos presos.

Número real de presos com coronavírus pode ser muito maior, diz OAB/MG

Dados da Sejusp indicam que 217 pessoas sob a custódia do sistema prisional do Estado estão com casos confirmados de coronavírus, mas, de acordo com o presidente da comissão de assuntos penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG), Anderson Marques Martins, o número real pode ser muito maior, uma vez que nem todos os presos estão sendo testados.

Para ele, a chance de contágio de Covid-19 nos presídios é muito alta. "Nossas cadeias são masmorras, não existe ventilação, o local é totalmente propício à proliferação de doenças. Nós temos as superlotações, ou seja, não existe distanciamento, muito pelo contrário, em local que cabem oito tem 27. É um local sujo, totalmente indigno para a pessoa sem a pandemia, imagina com a pandemia. Se o vírus entra, prolifera mesmo", afirmou Martins.

Ele destaca que em torno de 40% da população carcerária não possui sentença penal condenatória e defende a prisão domiciliar com monitoração por torzonoleira eletrônica em casos de Covid-19. "Primeiro vem a vida", pontua.

Segundo a Sejusp, a aplicação dos testes segue protocolo da Secretaria Estadual de Saúde, que analisa e indica o tipo de teste a ser utilizado. Presos e servidores que apresentam sintomas gripais recebem a aplicação do teste PCR, fornecido pela SES. Já aqueles assintomáticos que tiveram contato com casos confirmados realizam os testes rápidos, em boa parte providos pelo Departamento Penitenciário Nacional. As ações são alinhadas de acordo com o contexto de isolamento e quantidade de sintomáticos e assintomáticos.

Entre as medidas de prevenção adotadas, a Sejusp destaca, entre outras, a suspensão de visitas, a desinfecção de ambientes e o uso de máscara pelos servidores. Segundo a pasta, quando um preso apresenta sintomas de Covid-19, é seguido o seguinte protocolo: isolamento imediato, realização de exames e, em caso de confirmação, tratamento segundo protocolo da área da Saúde.

Mortes. Até o momento, há cinco mortes por coronavírus confirmadas no sistema prisional mineiro. Foram elas: no Ceresp Gameleira, em Belo Horizonte; no Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves; a de um detento do Presídio Floramar, em Divinópolis, que havia recebido alvará uma semana antes do falecimento; no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora; e no Presídio Promotor José Costa, em Sete Lagoas.