Famílias que viviam em um acampamento do Movimento Sem Terra (MST) foram alvos de uma ordem de despejo em Campo do Meio, no Sul de Minas, na madrugada desta quarta-feira (12). A ação ocorreu no entorno da antiga Usina Ariadnópolis, espaço é alvo de uma disputa de posse há mais de 20 anos – em 1996, a empresa faliu e deixou de operar na região, ocupada desde 1998 pelos membros do movimento.

Ao todo, 150 policiais militares participam do despejo no local conhecido como Quilombo Campo Grande – um helicóptero chegou a ser utilizado. Já as famílias foram abrigadas em um acampamento do MST perto da cidade. Conforme o movimento, centenas de viaturas cercaram a ocupação e agiram com "truculência" diante das famílias. A entidade alega ainda que a ordem de posse ocorreu em meio à pandemia do coronavírus.

Outro lado

Em nota, a Polícia Militar informou que o planejamento da operação foi elaborado para que sua execução ocorra de forma pacífica. Leia na íntegra:

"A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG) dá suporte, nesta quarta-feira (12/08), a uma ação do oficial de justiça responsável pelo cumprimento da ordem judicial para reintegração de posse de gleba da Fazenda Adrianópolis. A ordem para execução da reintegração de posse foi determinada pelo juízo da Comarca de Campos Gerais. 

Foram realizados pedidos de adiamento para cumprimento da ação. O último pedido de adiamento não foi acatado pelo juiz, sob pena do descumprimento do Art. 301 do Código Penal.  

O planejamento da operação foi elaborado para que sua execução ocorra de forma pacífica e sem necessidade do emprego de força, além de seguir todos os protocolos de segurança estipulados para o período da pandemia. Essas ações buscam preservar a segurança de todos os envolvidos na ação.

As famílias vêm sendo realocadas em locais disponibilizados pela Prefeitura de Campo Belo."

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) disse que solicitou a suspensão do cumprimento da ordem judicial para reintegração de posse da área durante a pandemia da Covid-19. "A Sedese presta apoio técnico aos gestores da assistência social do município de Campo do Meio para atendimento às famílias do citado acampamento", afirmou.

Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) esclareceu que não houve "ordem de despejo do tribunal durante a pandemia" e que a decisão foi expedida há um ano, em 2019. Segundo o órgão, após liminares a ordem foi suspensa e as partes chegaram a "uma conciliação para desocupação que teria que acontecer este ano". Ainda houve o pedido de prorrogação de prazo em um mês para esta desocupação.

Conflito antigo

Desde o fim de julho, o MST diz que "viaturas e drones atormentaram a paz das famílias acampadas" quando a polícia teria "invadido" casas e ainda levado um os membros do movimento preso por resistência. O homem foi solto no mesmo dia e a entidade chegou a denunciar o caso ao Ministério Público diante da tentativa da PM em "coagir e incriminar os trabalhadores".

"Os dias seguiram tumultuados, com a intensificação da denúncia do despejo iminente, a busca de saídas jurídicas junto ao Ministério Público e a organização do acampamento para a resistência. Em meio à corrida contra o tempo, circularam dezenas de áudios das famílias denunciando as ações autoritárias, as rondas de viaturas aceleradas, as blitz nas estradas de acesso à pequena cidade", declarou a entidade em nota.

E na madrugada desta quarta, a ordem judicial foi cumprida e mais de 2,5 mil pessoas precisaram deixar o acampamento. Em julho do ano passado, a Justiça chegou a negar a reintegração de posse – o relator do caso, desembargador Luciano Pinto, enfatizou que o pedido não atendeu aos requisitos básicos. Nos últimos 22 anos, os membros do MST já foram alvo de cinco ações na localidade.

Ainda em 2019, um decreto do ex-governador Fernando Pimentel (PT) que transformava o entorno da usina em área de interesse social foi revogado pelo Estado após os proprietários do local questionarem o governo sobre o valor que seria pago para o assentamento das famílias.

No local, estava em construção um novo polo de conhecimento e tecnologia de agroecologia, com produção de alimentos sem uso de produtos químicos e fertilizantes tóxicos.

Outros posicionamentos

O deputado Federal Vilson da Fetaemg (PSB, que é presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais, disse que é difícil compreender a justificativa para essa operação. Leia:

"Recebemos com profunda preocupação a notícia de que o Governo do Estado de Minas Gerais, através da Polícia Militar, executou nesta quarta-feira, 12 de agosto, o despejo de centenas de famílias moradoras do Acampamento Quilombo Campo Grande, situado no município de Campo do Meio, região Sul do estado. 

Vivendo e produzindo alimentos de qualidade há mais de 20 anos no mesmo local, torna-se ainda mais difícil compreender a justificativa para que esse despejo tenha sido realizado justamente neste contexto de pandemia, momento em que mais necessitamos permanecer em nossas casas e zelar pela cadeia produtiva da Agricultura Familiar, responsável por mais de 70% dos alimentos que chegam até a mesa dos brasileiros. 

Manifestamos desde já que o nosso mandato buscará estabelecer um diálogo com o governo do estado para que esta ação absolutamente fora de propósito seja revertida o mais rápido possível."

A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) afirmou que chegou a apresentar um requerimento para que o governo suspendesse o cumprimento da ordem de reintegração de posse. Veja a nota divulgada por sua assessoria de imprensa na íntegra:

"A deputada estadual Beatriz Cerqueira apresentou requerimento para que  o Governo do Estado suspendesse o cumprimento da  ordem de reintegração de posse marcado para esta quarta-feira, 12, no Acampamento Campo Grande, em Campo do Meio, no sul de Minas. A operação, iniciada hoje, coloca na rua 2 mil pessoas que há 20 anos ocupam a área  de uma usina abandonada para moradia, o cultivo do café, hortaliças e frutas, a criação de animais para consumo e para a produção de leite.

A parlamentar também apresentou o Projeto de Lei (2.128/2020) que suspende -  durante a pandemia da Covid-19- ações de despejos, desocupações ou remoções forçadas em imóveis privados ou públicos, urbanos ou rurais, que sirvam para moradia ou que tenham se tornado produtivos pelo trabalho individual ou familiar no Estado. O objetivo é impedir que medidas administrativas, extrajudiciais ou judiciais- como a que ameaça expulsar 450 famílias do Capo do Meio,  se repitam. No dia 30 de julho houve violenta operação policial no espaço coletivo, nas casas e na escola do assentamento.  

Beatriz Cerqueira ressalta que, no caso da área rural, o despejo compromete a moradia e, também, o sustento das famílias. Em Campo do Meio a produção das 450 famílias as mantém e  movimenta a economia da cidade. 'O Estado não pode colocar esses homens, mulheres, crianças e idosos na rua, desprotegidos na pandemia. É preciso, primeiro, proteger a vida. Nenhum processo de desocupação pode ocorrer enquanto estivermos em estado de emergência como enfrentamos neste momento', defende a deputada."

ERRATA

Diferentemente do que o governador Romeu Zema (Novo) postou no Twitter na tarde desta quarta-feira (12), a Sedese não conseguiu na Justiça a suspensão da operação de desapropriação, na verdade, a pasta fez essa solicitação nessa terça-feira (11), mas sem sucesso.

Essa informação equivocada nos induziu ao erro na matéria "Governo de MG suspende ordem de despejo contra membros do MST em Campo do Meio". Por isso, pedimos desculpas.