Inquérito

Marília Mendonça: entenda a manobra dos pilotos questionada pela Polícia Civil

A imprudência citada, segundo a PC, ocorreu no momento em que o piloto decidiu prolongar a perna do vento, uma das manobras feitas durante o pouso

Por Lucas Gomes e Raíssa Oliveira
Publicado em 04 de outubro de 2023 | 15:14
 
 
 
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A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) apontou, nesta quarta-feira (4 de outubro) que a negligência e a imprudência por parte do piloto, Geraldo Medeiros, e do copiloto, Tarciso Viana, causaram o acidente que matou a tripulação, a cantora Marília Mendonça e mais duas pessoas. A imprudência citada pelos delegados ocorreu no momento em que o piloto decidiu prolongar a perna do vento, uma das manobras feitas durante o pouso, e saiu a pelo menos 1,5 milha náutica da área de proteção do aeródromo de Ubaporanga, o equivalente a cerca de 2,7 km.

"Houve imprudência da tripulação por ter alongado a perna base, que é a perna do vento, e ter saído da zona de proteção. Foi comprovado que a perna foi alongada em 1,5 milhas náuticas fora da zona de proteção. Então ele alongou a perna, fez a curva base e no retorno, na fase de aproximação, focaram no aeródromo e vieram a colidir na linha de transmissão. Isso resultou no ato de imprudência", detalhou o delegado Sávio Assis Machado Moraes.

O delegado de Caratinga, Ivan Lopes Sales, explicou que a perna de vento pode ser feita dentro ou fora da área de proteção, mas quando a manobra é feita no perímetro estipulado, o piloto dispõe de uma cartilha com todos os obstáculos encontrados. Quando a aeronave sai dessa área, não há obrigatoriedade e cabe ao piloto visualizar os riscos no entorno.

A manobra que a polícia mineira avaliou como imprudente foi considerada inadequada pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). O relatório final do centro de investigações, que não busca culpados, mas entender a situação para evitar novos acidentes, concluiu que “houve uma avaliação inadequada acerca de parâmetros da operação da aeronave, uma vez que a perna do vento foi alongada em uma distância significativamente maior do que aquela esperada para uma aeronave daquela categoria em procedimentos de pousos visuais”.

O delegado Ivan Sales ponderou que à Polícia Civil cabe apurar crimes e apontar autoria. “Estamos apontando a autoria, mas não afirmando que eles tinham a intenção de provocar o acidente. Mas a ausência de um dever de cuidado que caberia a eles foi a causa do acidente. Respeitamos a dor dos familiares, mas é uma missão da Polícia Civil", ressaltou.

Wagner Cláudio Teixeira, piloto com mais de 30 anos de experiência, advogado e primeiro secretário da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB-MG, explica que prolongar a perna do vento é o mesmo que se afastar do aeródromo onde ocorreria o pouso a uma distância que o piloto poderia perder de vista a pista. Um avião King Air C90, como o do acidente, tem a previsão de voar em condição normal com velocidades entre 110 e 120 kts, aproximadamente 210 a 220 km/h para as aproximações. “Se houve desrespeito dessa velocidade para mais, o piloto teria que fazer manobras mais arrojadas para cumprir o circuito padrão e pode ter prolongado a perna do vento por esse excesso de velocidade”, entendeu o especialista.

A aproximação final mais longa, como também é chamada essa manobra, é um modelo de pouso usado por aeronaves regulares. Como o piloto tinha grande experiência nesse tipo de aviação, o Cenipa considerou que a intenção dele era fornecer um pouso mais confortável aos passageiros.  “Naquele cenário, ressalta-se, o processo decisório envolvido, onde existe a possibilidade de tal decisão ter sido tomada devido a um processo inconsciente gerado pelas experiências das aproximações realizadas durante um longo período no qual o piloto operou na Aviação Regular”, considerou o centro de investigação.

Negligência

Na avaliação do delegado Sávio Assis Machado Moraes, a negligência ocorreu na falha da análise prospectiva durante o plano de voo. “Tudo leva a crer que eles (piloto e co-piloto) não tomaram ciência das cartas que previam a linha de transmissão da Cemig, bem como não seguiram os procedimentos padrões operacionais previstos para a aeronave. Ficou comprovado que era possível eles terem previsto e ter conhecimento da existência das linhas, o que levou a tipificação de homicídio culposo por parte da tripulação”, disse.

Já o relatório do Cenipa concluiu que “não foi possível confirmar se houve o uso das cartas aeronáuticas para o planejamento e acompanhamento do voo visual, o qual permitiria uma melhor consciência situacional acerca das características do relevo e da presença da linha de transmissão, fato que permitiria uma tomada de decisão mais acurada”.

Procurado, o Ministério Público diz que analisará o inquérito e que, no prazo de 15 dias, vai definir as medidas cabíveis.Defesa de pilotos questiona conclusão da Polícia 

Em nota divulgada à imprensa, a equipe de defesa da tripulação a conclusão da Polícia Civil de Caratinga como sem "fundamento nas provas do inquérito e é até injuriosa com a imagem do piloto e copiloto". Segundo o advogado Sérgio Alongo, o acidente ocorreu porque a "Cemig instalou a rede de alta tensão na reta final do aeródromo de Caratinga na altitude do tráfego padrão que é de 1000 pés,c ujo aeródromo não tinha Carta Visual de Aproximação".

Segundo a PC, a linha de transmissão não tinha obrigatoriedade de sinalização. Após o acidente, o Cenipa também orientou que a Cemig sinalizasse os cabos de alta tensão onde o avião colidiu. A companhia mineira atendeu a recomendação em setembro deste ano. Sobre a alegação da defesa, a reportagem questionou a Cemig e aguarda retorno. 

Leia a nota na íntegra:

"As conclusões da polícia de Caratinga não tem fundamento nas provas do inquérito e é até injuriosa com a imagem do Piloto e Copiloto.
Este acidente ocorreu porque a Cemig instalou a rede de alta tensão na reta final do aeródromo de Caratinga na altitude do tráfego padrão, que é de 1000 pés,cujo aeródromo não tinha Carta Visual de Aproximação.
Tanto isto é verdade que:
1-A Cemig seguin vcdo recomendação do CENIPA, sinalizou a linha em  01 de setembro de 2023;
2-O Descea fez a Carta de Aproximação Visual;
3-O Descea elevou a altitude do tráfego padrão de 1000 pés, para 1350 pés, uma vês que a altitude  do tráfego   padrão era a mesma da linha de transmissão.
Se tudo isto tivesse sido feito anteriormente, não teria ocorrido o acidente."

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