Quase um ano depois da morte do enfermeiro Maurício Vargas da Silva Junior, diagnosticado com febre maculosa após se ferir com a agulha utilizada em um paciente com a doença em julho do ano passado, no Hospital Lifecenter, em Belo Horizonte, a família ainda briga na Justiça para que a instituição reconheça o óbito do homem como um acidente de trabalho. Os familiares acreditam que ele foi contaminado por meio do ferimento e acusam a instituição de não prestar assistência.

Segundo a mulher da vítima, a policial civil Rafaela Trindade Duarte, 32, o enfermeiro sofreu o acidente com a agulha no dia 23 de julho. O paciente dele morreu no dia seguinte, e as causas do óbito ainda eram desconhecidas. Silva seguiu trabalhando normalmente, até que, no dia 30 de julho, um abscesso surgiu em seu dedo ferido, e ele foi internado.

No dia 5 de agosto, o enfermeiro morreu. “Se tivessem descoberto a causa da morte do paciente, Maurício poderia ter tomado os antibióticos certos e se curado”, afirma Rafaela. Depois das mortes, exames apontaram que o enfermeiro e o paciente tinham febre maculosa.

De acordo com Rafaela, desde a morte do marido, o hospital não prestou assistência à família. Ela entrou com uma ação na Justiça para pedir indenização por acidente de trabalho. “O Lifecenter não admite que foi acidente de trabalho. Maurício não esteve em nenhum lugar com carrapato”, diz a viúva.

A Fundação Ezequiel Dias (Funed) realizou o diagnóstico do enfermeiro e do paciente, mas diz que “não divulga resultados individuais de pacientes”. Segundo a instituição, o resultado foi entregue ao Hospital Lifecenter.

Apesar de a principal forma de transmissão de febre maculosa ser a picada do carrapato infectado pela bactéria causadora da doença, o contágio após exposição de sangue ou outros materiais biológicos em acidentes com objetos perfurocortantes é possível, conforme a Secretaria de Estado de Saúde.

O professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG Mateus Rodrigues Westin confirma que essa forma de transmissão, apesar de rara, acontece: “Quando o carrapato infecta um humano, a bactéria fica circulando por sete a dez dias no sangue da pessoa. Quando há um acidente perfurocortante enquanto a pessoa está na fase febril, e essa agulha acidenta outra pessoa, a transmissão pode ocorrer”.

Depressão

Desde a morte do marido, a vida de Rafaela e do filho, de 3 anos, não é mais a mesma. Ela foi afastada do trabalho por causa da depressão e teve que ir morar com a mãe para pagar as contas. “Estou tomando cinco antidepressivos. Não durmo, tenho pesadelos, faço terapia, meu filho também. Nossa vida está um caos”, desabafa.

Só neste ano, Minas já teve ao menos 15 casos confirmados

Minas Gerais já registrou neste ano ao menos 15 casos confirmados de febre maculosa, que provocaram sete mortes, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Dez deles na região metropolitana, e o restante no interior.

A cidade com mais casos da doença é Contagem, na região metropolitana: são seis confirmações, segundo a prefeitura, com quatro óbitos. Outros 96 casos estão sendo investigados. O município informou que realiza medidas como o treinamento de carroceiros sobre cuidados com cavalos, ações de combate ao carrapato e orientações sobre a doença nas escolas.

Na capital, segundo a SES-MG, há um caso de febre maculosa confirmado neste ano. A Secretaria Municipal de Saúde, no entanto, diz que não há confirmação da doença na capital e que 106 casos estão em investigação. A pasta informou que faz ações de vigilância e controle de carrapatos e distribui material informativo e preventivo.

Em Betim, um caso de febre maculosa foi confirmado. A paciente foi curada. Outros 18 casos estão em investigação. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o município faz a vigilância dos casos e das áreas de risco e garante a assistência para os casos suspeitos de febre maculosa notificados na cidade.

Em Ribeirão das Neves, foram confirmados e tratados dois casos da doença, segundo a prefeitura. O município realiza catação de carrapatos e capacitação de agentes de combate a endemias.

Doença deve ser tratada rapidamente

O diagnóstico precoce é essencial para a recuperação de pacientes com febre maculosa, que tem sintomas iniciais semelhantes aos de outras doenças, como dengue e zika: dor muscular, febre e dor de cabeça. “Como essas doenças não requerem tratamento com antibiótico, é um grande risco. A febre maculosa pode passar despercebida como uma virose”, diz o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Mateus Westin.

“Se não for tratada precocemente, a doença comumente evolui com gravidade e tem altas taxas de letalidade, acima de 50%”, explica.

Resposta do Hospital Lifecenter

Não comenta

Em nota, o Hospital Lifecenter afirmou que “as informações e os esclarecimentos foram prestados às instituições responsáveis pela apuração do caso” e que não comenta o estado de saúde ou evolução de seus pacientes.

Ética

A instituição disse ainda que “é comprometida com os preceitos da ética e integridade na prestação de assistência à saúde” e reafirmou “seu compromisso em atuar para a garantia da vida, com protocolos assistenciais e atividades baseadas em critérios de segurança de seus pacientes e colaboradores”.

Sem detalhes

A Polícia Civil disse apenas que investiga a morte do enfermeiro, mas não deu detalhes das apurações.