Apesar de Minas Gerais ter acertado ao elaborar um plano para que a reabertura da economia aconteça de maneira lenta e gradual, não é possível garantir que este seja o melhor momento para a retomada do comércio. De acordo com a doutora Cristina Alvim, da Faculdade de Medicina da UFMG, o número de pacientes testados para o coronavírus é insuficiente para o Estado ensaiar uma movimentação econômica.
“Os dados que temos hoje são a ponta de um iceberg. Se observamos o número de investigações (casos investigados) e o número de casos confirmados e descartados, isso não chega a 10%. O que quer dizer que essa amostragem não é representativa do todo”, declarou em reunião na manhã desta quarta-feira (29) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
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Ainda para ela, pensar a disponibilidade de leitos de UTI como parâmetro para definir a reabertura do comércio não basta para garantir que o movimento será seguro para a saúde pública. A evolução da Covid-19, de acordo com a pesquisadora, é lenta, e é preciso detectar que o paciente está contaminado antes que ele dê entrada no serviço de saúde. Oitenta mil pessoas são consideradas como casos suspeitos de coronavírus em Minas Gerais, segundo balanço mais recente da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
Ao longo de pouco mais de três horas, a professora – que, aliás, preside o comitê de enfrentamento ao coronavírus da UFMG – debateu com deputados estaduais, entre eles o presidente da ALMG, Agostinho Patrus, e com o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, os meandros do projeto Minas Consciente.
O documento elaborado pelo governo estadual tem como objetivo orientar os municípios quanto o protocolo mais seguro para retomada da atividade econômica. Segundo o projeto, o ideal é reabrir o mercado através de ondas: inicialmente, se mantêm abertos os serviços essenciais, que serão seguidos pela permissão para funcionamento de outras atividades econômicas, essas consideradas de baixo, médio ou elevado risco.
“Quais as premissas desse plano? É uma estratégia de coordenação para os municípios. Eles têm autonomia, nada é imposto, mas nós sugerimos fortemente que eles sigam o protocolo. Essa é uma flexibilização das medidas de isolamento e distanciamento social de forma responsável, permitindo uma retomada parcial da economia e observando o impacto no sistema de saúde. Ou seja, o foco é a saúde. Essa retomada gradual e progressiva tem possibilidade de reversão”, esclareceu o secretário.
Ao longo das próximas semanas, um grupo da Saúde permanece responsável por monitorar diariamente a situação da pandemia em Minas Gerais. Caso haja necessidade, o plano será revertido.
Um dos dois pontos de tensão entre o que é recomendado pela UFMG e as orientações contidas no Minas Consciente é que, segundo o secretário, as decisões quanto ao futuro do projeto, mediante o sucesso dele, serão tomadas a cada 14 dias. “O Estado recebe monitoramento constante, e a cada 14 dias temos uma tomada de decisão. Ou seja, sempre a cada 14 dias reavaliamos de forma mais ampla, mais global, se podemos continuar ou se retardamos o passo”, pontuou Amaral.
Contudo, para a professora Cristina Alvim o necessário é encurtar esse período, uma vez que o coronavírus se propaga muito rapidamente. “O planejamento do Minas Consciente acerta quanto à ideia de propor um planejamento cuidadoso para orientar a flexibilização do isolamento. Porém, nós gostaríamos de ressaltar algumas lacunas. O primeiro problema é com a testagem (de pessoas), que está aquém do necessário. Outro, é que a tomada de decisão a cada 14 dias pode ser problemática. O intervalo mais recomendado seria da ordem de sete ou oito dias, dada a velocidade de transmissão da doença”, declarou.
O secretário esclareceu também que uma medida de intermitência é estudada pelo órgão para garantir a segurança nesse processo de retomada. “Em relação à ideia dos 14 dias, não são 14 dias parados. Nós vamos estar trabalhando, avaliando diariamente. Cogitamos ter o que chamamos de intermitência. Ou seja, libera-se uma semana, sabendo que nela vai se expor mais ao risco, e já fecha na semana seguinte porque é o período de adaptação para que a gente veja como foi a contaminação”, detalhou.
Importância dos testes
Especialistas em estudos matemáticos e leituras de dados da UFMG estão elaborando gráficos para entender qual é a taxa de transmissão do coronavírus em Minas Gerais. Entretanto, só é possível ter dados mais completos e que garantam a segurança de um processo de reabertura caso mais pessoas sejam submetidas aos testes para detecção da infecção. “Um monitoramento rigoroso e uma testagem planejada são recomendações do grupo; é necessário um planejamento para que a amostragem seja representativa do todo”, comenta a professora.
Ainda de acordo com ela, a situação hoje em Minas é considerada bastante positiva. “Comparando nossos dados com os dos estados vizinhos a nós, observamos que temos um número de casos e óbitos muito menor aos de São Paulo e Rio de Janeiro. Isso é uma grande conquista. Um dos gráficos nos mostra a taxa de transmissão em Belo Horizonte. Em BH, as medidas foram adotadas precocemente, é o desejado para que não haja exaustão do sistema de saúde. Em São Paulo, a transmissão aconteceu em larga escala, e isso explica as diferenças entre as duas cidades. Mas não podemos olhar para esse dado como se ele fosse estático, é um dado dinâmico que muda a toda hora”, conclui.
Planejamento de testagem
Um dos principais objetivos do Minas Consciente, como defende o Estado, é coordenar as ações dos municípios que já optaram pela reabertura econômica. Duzentas cidades, aproximadamente, em Minas Gerais adotaram por conta própria o afrouxamento das medidas de isolamento social. Paralelamente à ideia de orientar as prefeituras quanto os protocolos mais seguros para retomada das atividades comerciais, o governo pretende, segundo o secretário de Saúde, planejar uma testagem em massa da população para entender o comportamento da pandemia do coronavírus.
“O projeto de testagem é real e tem um objetivo claro. Mas me parece ser pertinente a existência do plano (o Minas Consciente) para coordenar as ações do município que, em sua grande maioria, não estão parando para esperar a testagem, não, eles já liberaram muitos de seus serviços e nós precisamos retomar um pouco desse controle, para efetivamente trazer para um momento em que nós tenhamos mais controle e aí, sim, possa ter o máximo de segurança que se for possível”, encerra.