Dias depois, o namorado de João, o José, percebeu uma íngua avermelhada na região da virilha. O mesmo sintoma apareceu em João. "No outro dia, saiu uma crosta da íngua dele (do José). E eu comecei a sentir um desconforto na região anal. Tinha dificuldade de ir ao banheiro e apareceu até sangue nas fezes".
Eles começaram uma quarentena. "A vigilância sanitária colheu o material do meu namorado e, depois de uns dias, o meu. Ele testou positivo e, na sequência, testei também. Eles recomendaram 21 dias de isolamento. Começamos a pegar atestados, a gente voltava no médico, e ele falava que ainda não podíamos voltar para o trabalho", conta João.
Feridas por todos os lados
"As feridas coçaram demais. Apareceram atrás das orelhas, na lombar, na virilha, nas pernas, além de coçar, lateja. É incômodo demais acordar e ver as bolinhas no rosto. Você acha que sarou, mas não sarou", lamenta.
O jovem adulto fez até um alerta em suas redes privadas explicando sobre a doença, que pode ser adquirida também durante o sexo (veja mais abaixo). Antes de desligar o telefone, ele recomenda: "não negligencie essa doença, se informem".
Além dos problemas físicos, a enfermidade ainda traz problemas psicológicos. "É um processo que eu não desejo para ninguém. Quase um mês isolado, a gente informou para a vigilância sanitária as pessoas com quem tivemos contato, a gente também acompanhou. Minha vida parou. É um abalo psicológico, a gente perde até o costume de ir ao supermercado. E somos seres sociais".
Cuidados e isolamento
Virologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flavio da Fonseca afirma que o isolamento do paciente com varíola dos macacos é, de fato, muito importante.
Segundo ele, a pessoa transmite a doença por mais tempo do que alguém que se contaminou com a Covid-19, por exemplo, por isso esse isolamento pode durar até 30 dias.
Além disso, diz o especialista, apesar de as feridas coçarem, o ideal é evitar esfregar a pele. "As lesões se parecem com as de herpes ou catapora. Pode ser doloroso, incomoda. Porém, é relevante evitar coçar", afirma.
Segundo ele, quando se coça as feridas, as unhas ficam contaminadas. Isso é ruim para a própria pessoa, que irá esfregar a pele em outro local com as unhas contaminadas, além de também poder contaminar objetos.
Em relação a medicamentos, Fonseca afirma que existem remédios específicos contra a doença no exterior. Como não há no Brasil, em geral os pacientes ingerem analgésicos e corticóides. "Tudo tem que ser feito com apoio médico. Se fizer uso exagerado de corticóide, pode piorar a doença", diz.
Não é uma DST
A integrante do Laboratório de Vírus do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Erna Geessien Kroon, informou que a monkeypox (como ela prefere se referir à doença) não é sexualmente transmissível. Segundo a cientista, na literatura, há relatos de famílias inteiras contaminadas com a doença, além de crianças.
"Cada vesícula (as lesões que se formam na pele) tem milhões e milhões de vírus. Em uma roupa de cama ela (a pessoa infectada) vai deixar muitas partículas. A pessoa que vai lavar, de forma inadequada, ou que vai varrer o chão, podem se contaminar", exemplifica a cientista. Há ainda a possibilidade de contrair a doença por meio do trato respiratório, entre outras maneiras.
"É importante que as pessoas, ao perceberem manifestações, como dor de cabeça e mal estar, seguidas de manchas, poucas ou muitas, procurem um clínico", adverte. É preciso manter o isolamento, inclusive dos animais de estimação.
O que diz a OMS
A Organização Mundial da Saúde (OMS) ativou seu nível mais alto de alerta neste sábado (23) para tentar conter o surto de varíola do macaco, que afetou quase 17.000 pessoas em 74 países, anunciou seu diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus. "Decidi declarar uma emergência de saúde pública de alcance internacional", disse Tedros em entrevista coletiva, afirmando que o risco no mundo é relativamente moderado, exceto na Europa, onde é alto.
Para a OMS, emergência de saúde pública é um "evento extraordinário que constitui um risco à saúde pública para outros Estados por meio da disseminação internacional de doenças e potencialmente exige uma resposta internacional coordenada".
Nessa situação, a organização recomenda que autoridades de saúde do mundo inteiro reforcem seu monitoramento da doença e fiquem preparados para eventualmente adotar medidas de contenção.
Quais são os sintomas da varíola dos macacos?
Os primeiros sintomas da varíola dos macacos são febre, dor de cabeça, dores musculares e nas costas, linfonodos inchados, calafrios e exaustão. A doença se desenvolve com lesões na pele, primeiramente no rosto. As lesões também podem se espalhar para outras partes do corpo, incluindo os genitais. As lesões na pele parecem as da catapora ou da sífilis até formarem uma crosta, que depois cai. Os sintomas podem ser leves ou graves, e as lesões na pele podem ser pruriginosas ou dolorosas.
Como a doença é transmitida?
A transmissão ocorre por contato próximo com lesões, fluidos corporais, gotículas respiratórias e materiais contaminados, como roupas de cama. A transmissão de humano para humano ocorre entre pessoas com contato físico próximo com casos sintomáticos. O contato próximo com pessoas infectadas ou materiais contaminados deve ser evitado. Luvas e outras roupas e equipamentos de proteção individual devem ser usados ao cuidar dos doentes, seja em uma unidade de saúde ou em casa.
*Nomes fictícios