Os Estados Unidos pagaram no ano passado a segunda menor tarifa efetiva entre os 10 países que mais exportam a compradores brasileiros, atrás apenas da Rússia. É o que mostram dados da OMC (Organização Mundial do Comércio) levantados pela reportagem no monitor de tarifas da plataforma WTO Tariff & Trade Data. Os números da instituição levam em conta no cálculo o volume de importações de diferentes produtos adquiridos de cada país, chegando à taxa média efetivamente cobrada.
Essa tarifa, no caso dos bens americanos que entraram no Brasil em 2024, foi de 5,5%, abaixo da média mundial, de 9,3%. Na outra ponta, os Estados Unidos cobraram no ano passado uma tarifa efetiva de 2,8% do Brasil.
No ranking dos 10 maiores exportadores ao Brasil, as maiores taxas foram cobradas da Argentina (20,4%), México (15,3%) e China (12,5%). A Rússia pagou uma tarifa média de 1,8% no ano passado. Essas diferenças têm a ver com o tipo de produto e os volumes importados de cada país: grande parte do que é importado dos EUA são produtos com tarifas reduzidas ou isentos.
"Quando olhamos para a pauta dos principais produtos importados dos EUA, vemos que, em sua maioria, ou não são produtos manufaturados ou são produtos que contam com alíquotas zeradas pela TEC [Tarifa Externa Comum, do Mercosul]", aponta o analista Pedro Oliveira, do BTG Pactual.
Ele lembra que os motores e máquinas não elétricos, por exemplo, que respondem por 15% das importações dos EUA, possuem tarifa zerada, assim como óleos combustíveis de petróleo (11,8% das importações) e aeronaves (7,5% do total importado).
Somando-se outros produtos isentos, chega-se a um total de 48% de produtos importados pelos Estados Unidos com taxa zerada, segundo estimativa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que aponta ainda que outros 15% em produtos importados dos EUA possuem alíquotas de no máximo 2%.
Já no caso da China, por exemplo, as importações são formadas principalmente por veículos (15,6% das importações), que segundo o BTG Pactual têm tarifas de 35%, alguns tipos de compostos químicos (5,7%), com taxa de 5,45%, e válvulas e tubos (3,9%), com taxa de 1,35%.
Cálculo da CNI aponta que, se forem levadas em conta outras isenções, como regimes especiais e descontos em impostos, a tarifa efetiva cobrada de produtos americanos é ainda menor, de 2,7%, percentual bem mais próximo do cobrado pelos Estados Unidos.
"Há diversos regimes tarifários no Brasil, que acabam beneficiando as importações de determinados produtos, como o Ex-tarifário [incentivo fiscal que concede redução temporária do imposto de importação para bens de capital e de informática e telecomunicações]", afirma Frederico Lamego, superintendente de Relações Internacionais da CNI.
Na manifestação em que abriu investigação comercial contra o Brasil, o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA) afirma que a apuração vai se debruçar, entre outros fatores, sobre taxas supostamente menores cobradas pelo Brasil de países que competem com os EUA.
De acordo com o órgão, o Brasil reduziu suas tarifas "de forma injusta e preferencial" a alguns de seus grandes parceiros comerciais. "Isso coloca os Estados Unidos em desvantagem, já que o Brasil aplica tarifas mais altas às importações provenientes dos EUA", afirma o USTR.
No texto, o órgão americano diz que o Brasil concede tratamento tarifário preferencial "apenas a certos grandes parceiros comerciais", e aponta que no ano passado, a tarifa média simples (sem ponderação pelo volume de importações) foi de 12,2%, ante a tarifa média simples de 3,3% dos Estados Unidos.
"Em particular, o Brasil concede à Índia e ao México tratamento tarifário preferencial que não concede aos Estados Unidos", diz o texto. As tarifas médias efetivas informadas pela OMC para Índia e México são de 9% e 15,3%, respectivamente, acima da taxa cobrada dos EUA.
Apesar da tarifa efetiva menor para produtos americanos, especialistas acreditam ser pouco provável que isso seja levado em conta nas negociações entre Brasil e Estados Unidos. Lamego, superintendente de Relações Internacionais da CNI, avalia que as tarifas são um argumento nas negociações, mas que os principais pontos que devem ser levados em conta são o déficit comercial do Brasil com os EUA, de mais de R$ 90 bilhões de 2009 para cá, e o crescimento dos investimentos brasileiros na maior economia do mundo.
"Temos uma relação que vai além de exportações e importações", diz. "Os investimentos brasileiros nos EUA cresceram mais de 50% nos últimos 10 anos."
Para Oliveira, do BTG Pactual, a experiência indica que o governo Trump tem empregado sobretaxas independentemente do grau de abertura de cada parceiro. "O Canadá, mesmo aplicando uma ampla isenção tarifária, passou a sofrer tarifas setoriais de 50% sobre aço e alumínio", afirma o especialista.
A avaliação do BTG é que as barreiras não tarifárias devem ter um peso negativo maior nas negociações do que um eventual efeito positivo de tarifas efetivas menores dos EUA. Como mostrou um estudo do banco, 86,4% das importações pelo Brasil estão sujeitas a barreiras não tarifárias.
É um percentual acima da média mundial, de 72%, cenário que pode tornar o país vulnerável em um momento de abertura de investigação comercial pelos Estados Unidos.
Entre essas restrições, que acabam protegendo os produtores nacionais da concorrência internacional, estão a necessidade de cumprir especificações técnicas, como exigências de certificação e rotulagem, licenças prévias requeridas, barreiras sanitárias e cotas. "A tarifa brasileira relativamente baixa sobre produtos americanos dificilmente servirá como moeda de troca decisiva", pondera Oliveira.