Desperdício

Da colheita à mesa, brasileiro joga 60 kg de comida fora por ano

“Perda engloba tudo o que para no lixo, inclusive por falhas de logística e de conhecimento técnico

Por Gabriel Ronan
Publicado em 02 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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Aos 32 anos, Heron Gonçalves tem sua rotina dividida entre a venda dos brigadeiros caseiros que produz e o cuidado com a filha, de apenas 2. Desempregado há quatro anos, o homem vive o desafio diário de levar o sustento para casa, mas nem sempre é possível. Ele é um dos 19 milhões de brasileiros que passam fome, número que cresceu 84% entre 2018 e 2020, conforme o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Quando conversou com a reportagem, Heron só tinha arroz para comer em casa. O cenário de insegurança alimentar grave enfrentado por ele se mistura com uma realidade de desperdício de alimentos: cada brasileiro joga fora, em média, 60 kg de comida todos os anos – considerando toda a cadeia alimentar, da colheita até a mesa. Um desequilíbrio que cobra um preço ainda mais caro em um panorama de total instabilidade econômica do país, com inflação de dois dígitos, salários estagnados e inadimplência e endividamento das famílias em alta.

Relatório feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que cada família brasileira desperdiça cerca de 350 g de comida a cada dia. 
Responsável pelo estudo, o pesquisador Gustavo Porpino, da Embrapa, defende uma reformulação da governança da cadeia alimentar para evitar perdas e garantir uma maior oferta de comida. 

Primeiramente, ele difere, conceitualmente, as perdas e os desperdícios. Segundo ele, se entende como “perda” tudo aquilo que acaba no lixo por problemas de logística, falta de conhecimento técnico ou outros fatores desde a colheita até o varejo. Um exemplo disso são as frutas que sofrem danos dentro dos caminhões por mau acondicionamento ou por estradas ruins. Já o desperdício é o que, efetivamente, uma família joga fora por não comer todo o almoço cozinhado, por exemplo.

“No Brasil, nós temos problemas ao longo de toda a cadeia produtiva, do campo à mesa. É um grande desafio, mas, ao mesmo tempo, entendo que o Brasil tem grande capacidade técnica. Se a gente organizar melhor, o Brasil pode enfrentar esse problema global mais rapidamente. É preciso ter um visão sistêmica”, explica Porpino.

“Essas relações comerciais também implicam a falta de ações de alguns órgãos da cadeia produtiva. A gente fala muito de inovação para prolongar a vida útil dos alimentos, mas, às vezes, intervenções bem simples são tão eficazes quanto. Isso passa pela organização das frutas e das verduras também nos sacolões”, aponta Gustavo Porpino, da Embrapa.

Dependência de rodovias e barganha do varejo

O pesquisador Gustavo Porpino, da Embrapa, aponta ainda outro problema: o escoamento da safra quase que só dependente da malha rodoviária, o que também atrapalha, até porque casos como o das rodovias mineiras do Norte do Estado são comuns Brasil afora. O uso de embalagens inapropriadas e a falta de preparo da cadeia de frios, que exige grandes investimentos, são outros problemas apontados. 

Segundo Porpino, outra falha passa pelo poder de barganha do setor varejista. Segundo ele, os hipermercados, por exemplo, repassam aos médios e pequenos produtores os custos daqueles itens não vendidos ao consumidor. No fim das contas, o setor primário só recebe por aquilo que é comercializado.

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