A Justiça Federal suspendeu o licenciamento do Projeto Anitta, da Atlas Lithium, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. O juiz Antônio Lúcio Túlio de Oliveira Barbosa, responsável pela suspensão, diz que não houve consulta prévia às comunidades quilombolas que poderão ser impactadas pelo empreendimento, cita que há suspeita de vícios e informações falsas no processo, além do risco de danos irreparáveis.
A decisão foi publicada na última quinta-feira, 28 de agosto, e o processo seria analisado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) no dia 29 de agosto. A suspensão atende a um pedido da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’golo).
A Atlas, que tem sede nos Estados Unidos, pretende operar na Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, que abrange territórios de Araçuaí, Caraí, Itinga e outros municípios da região, conforme noticiado por O TEMPO em caderno especial sobre a mineração de lítio no Jequitinhonha. A empresa mira uma reserva de mais de 100 milhões de toneladas do mineral e prevê a extração de 150 mil toneladas por ano em uma lavra a céu aberto.
O processo é polêmico porque ocorre em meio a um processo para reduzir o perímetro da Chapada do Lagoão. De acordo com a denúncia da Federação e acatada pela Justiça, durante o processo não houve uma consulta prévia às comunidades quilombolas de São Benedito do Girau, Malhada Preta, Àgua Branca e Santa Rita do Piauí.
O procedimento está previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, conforme o magistrado, deveria ter sido realizado tendo em vista que as comunidades estão a 5,5 km daá da Área Diretamente Afetada (ADA). “Tal distância atrai a presunção legal de afetação, conforme a Portaria Interministerial nº 60/2015, tornando a consulta um ato obrigatório e prévio a qualquer deliberação”, argumenta o juiz ao lembrar que a norma garante um impacto a até 8 km da ADA.
Outro ponto de contestação judicial diz respeito à informação, citada pela Atlas no processo de licenciamento, que as comunidades quilombolas estariam a mais de 8 km da ADA. “Ademais, a aparente contradição no Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela empresa ré, que afirma textualmente uma distância superior a 8km mas apresenta um mapa indicando o contrário, lança sérias dúvidas sobre a boa-fé e a lisura das informações que subsidiam a análise do órgão ambiental, fortalecendo o fumus boni iuris”, descreve na decisão.
O juiz também cita a ausência de um Estudo de Componente Quilombola (ECQ). O documento, de acordo com a decisão, é indispensável para avaliar os “reais impactos sobre o modo de vida da comunidade”. Na decisão, o juiz critica a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) por dispensar a consulta às comunidades quilombolas. “A justificativa apresentada pela Feam para dispensar a consulta, baseada na existência de uma "barreira natural, a Chapada do Lagoão", parece, à primeira vista, insuficiente para afastar uma presunção estabelecida em norma federal e o dever imposto por um tratado internacional de direitos humanos”, ressalta o magistrado.
“Tal conclusão carece de embasamento em estudo técnico específico, como o Estudo do Componente Quilombola (ECQ), que, segundo a Instrução Normativa INCRA nº 111/2021, é o instrumento apropriado para ‘indica[r] os impactos socioambientais sobre terras quilombolas’. A ausência de tal estudo e da manifestação do Incra, órgão federal competente, reforça a verossimilhança das alegações de vício no procedimento”, diz o magistrado.
A reportagem questionou a Atlas Lithium sobre a decisão judicial e aguarda retorno. A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) disse que a Advocacia Geral do Estado (AGE) irá se posicionar nos autos do processo. Em nota, a N'Golo celebra a decisão da Justiça e diz que trata-se de uma importante vitória para as comunidades quilombolas.
A Federação ainda diz que há uma uma "resistência à expansão da mineração predatória no Vale do Jequitinhonha, vergonhosamente denominado pelo governador do Estado de Minas Gerais como 'Vale do Lítio', na tentativa de invisibilizar e, com isso, promover o extermínio dos povos indígenas e das comunidades quilombolas que habitam a região há centenas de anos".