DRAMA ''NO TRECHO''

Diesel: ''Nunca esteve tão ruim'', diz caminhoneiro com 24 anos de estrada

Motoristas convivem com receio de gastos com manutenção das carretas e até de furto de combustível enquanto dormem nas paradas

Por Gabriel Ronan
Publicado em 24 de junho de 2022 | 15:44
 
 
 
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Orçamento apertado, receio dos gastos com manutenção e até medo de furto de combustível enquanto descansa. Essa é a realidade dos caminhoneiros autônomos, uma das categorias mais afetadas pelo alto preço do óleo diesel nas bombas Brasil afora. Quem trabalha “no trecho” não esconde o desalento com o atual momento: “nunca esteve tão ruim”, diz Gilberto Derossi, que trabalha no setor há 24 anos. 

Natural de Cristalina (GO), Derossi amarrava a carga de insumos para proteína animal quando se deparou com a reportagem de O TEMPO. Com as mãos ágeis e o rosto sem esconder o cansaço, o caminhoneiro diz que trabalha nas estradas para sustentar dois filhos, que vivem com a ex-mulher. 

“A menina já é de maior e o piá (garoto) tem 8 anos. É uma luta diária para garantir o sustento deles. Não penso em parar de mexer com a carreta porque é o que sei fazer. Se sair, vou fazer o que?”, diz o homem, que presta serviço para um parente com o veículo bitrem. 

Para Derossi, as condições para o trabalho nunca estiveram tão aquém do ideal. “Certamente nunca esteve tão ruim. Quando a gente consegue um bom frete, ganhamos 20% do valor ao final do trabalho. Mas, nossa profissão exige muita atenção. Ainda mais agora, com tudo caro. Meu medo é precisar de uma manutenção”, afirma. 

O motorista profissional não tem paz durante o trabalho nem na hora do descanso. “As primeiras horas do sono são as mais pesadas, que me preocupam mais. Meu medo é alguém furtar meu óleo. O gasto com diesel chega a R$ 8 mil entre Minas e Goiás”, diz. 

Na rua paralela ao bitrem de Gilberto estava parada a carreta de Janide Guimarães, de 70 anos. Ele trabalha na estrada há mais de 40 anos e tem experiência de sobra para falar sobre o atual momento da profissão.

“Nunca esteve tão ruim. Sem dúvidas quanto a isso. Muito, muito difícil. Tem frete que sobra pra mim 10% do preço. Meus filhos estão criados, dois também trabalham com caminhão. Mas, dentro de casa, minha família depende 100% da minha renda”, diz Janide, morador de Pará de Minas, no Centro-Oeste de Minas Gerais. 

O idoso descansava dentro do seu veículo quando a reportagem chegou ao local. Ele aguardava o chamamento do demandante para descarregar. Vinha de Anápolis (GO), um trecho de aproximadamente 830 quilômetros. 

“Muito amigo meu saiu da profissão para trabalhar com outra coisa, ou até mesmo para as empresas (como motorista). Hoje, não consigo assumir uma prestação de R$ 1 mil. Não dá para investir. Tenho essa carreta há seis anos. Não tenho a menor condição de trocá-la.O que como trago sempre de casa. Não dá para comer na estrada”, afirma o caminhoneiro de Pará de Minas. 

Motivos da alta

Os consequentes aumentos do óleo diesel dispararam a partir de 2016, quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) instituiu a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) na Petrobras, hoje mantida por Jair Bolsonaro (PL). 

Essa medida faz o preço do diesel brasileiro variar de acordo com a cotação do barril de petróleo no mercado internacional. Na prática, o pago pelo motorista na bomba é de acordo com o preço do diesel importado, apesar de o Brasil comprar de fora só cerca de 25% desse combustível. 

Esse diesel importado vem, principalmente, do Golfo do México e é comprado junto aos Estados Unidos. Apesar de representar só um quarto da oferta interna, é esse combustível, no qual incidem a diferença cambial e os custos de logística, que define o preço final na bomba. 

Diante dessa política de preços, o consumidor fica ainda mais vulnerável em períodos de crise na oferta do petróleo no mercado externo, como acontece atualmente por conta da invasão da Ucrânia pela Rússia. 

O País presidido por Vladimir Putin produz parte considerável da oferta do produto no mercado. Com as sanções contra a Rússia, esse petróleo sai da mesa de negociações. Como a demanda continua a mesma, o preço evidentemente dispara.

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