COLHEITA E ESCOAMENTO

Produtores de grãos sobre possível falta de diesel: 'preocupa muito'

Diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) Glauber Silveira diz que ‘o interior do Brasil é uma máquina abastecida a diesel’

Por Gabriel Ronan
Publicado em 30 de maio de 2022 | 18:55
 
 
 
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Como se não bastasse o preço elevado do combustível nos últimos meses que faz o custo aumentar, os produtores de grãos se preocupam com uma potencial falta de óleo diesel no segundo semestre no Brasil. O alerta foi ligado na semana passada, após a Petrobras, por meio de um ofício, avisar a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre essa possibilidade. 

“É bastante preocupante. Principalmente, porque temos um momento importante da colheita do milho. São 60 dias de colheita não só de milho, mas de algodão, girassol e feijão. Somos 100% dependentes”, diz Glauber Silveira, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). 

De acordo com Glauber, a segunda safra de grãos no ano deve ir até agosto, a depender da localização do produtor. O problema é que o escoamento dessa produção se estende aos meses posteriores, inclusive em setembro, quando a Petrobras estima ser o momento de maior escassez do óleo derivado do petróleo. 

“Sem falar que nós temos que colher. Precisamos abastecer as máquinas: colheitadeiras, caminhonetes e pulverizadores. Tem ainda a vinda de insumos para a terceira safra, que se inicia após o dia 15 de setembro. O interior do Brasil é uma máquina que não pode parar, e o diesel é seu combustível”, afirma o diretor-executivo da Abramilho. 

Vale lembrar que um possível problema na produção dos grãos também se estenderia a outros setores, como as granjas, onde a alimentação das aves gira totalmente em torno desses produtos. 

Quem trabalha com o transporte autônomo de cargas também se preocupa. Além do lucro do frete se encolher com a inflação galopante, sobretudo contra o diesel, uma possível escassez tiraria qualquer possibilidade de trabalho nas rodovias. 

“É aquilo que temos alertado desde a implementação do Preço de Paridade de Importação (PPI, atual política de preços da Petrobras). Não necessitamos disso, porque somos superavitários em petróleo. Temos sobra de petróleo cru, mas não refinamos. Isso por si só já resolve o problema (da escassez)”, diz Carlos Alberto Litti Dahmer, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL). 

Em Minas Gerais, o Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg) analisa a situação com mais cautela. Para a entidade de classe, a situação só pode se agravar para quem não tem as contas em dia. 

“Tivemos um problema de falta de diesel há dois meses. Agora, eu serei sincero: conversei com algumas distribuidoras, que me disseram que já estão importando o produto. Estão trazendo do exterior. Sempre trouxeram, mas aumentou um pouco (por conta da possível falta do diesel). Aquele transportador que está com suas contas em dia e repassa (os custos) não terá problema algum”, diz o presidente do Setcemg, Gladstone Lobato.

Procurada, a ANP informou que “vem atuando diligentemente para se antecipar a riscos ao abastecimento nacional de óleo diesel que, neste momento, acontece com regularidade”.

Segundo a agência, há “contato permanente com os agentes do setor”, assim como com “especialistas e analistas”, para entender o “cenário mundial atual”. O objetivo é “garantir a oferta do produto” ao consumidor. 

Especialista alerta para reflexos de escassez

Conforme O TEMPO mostrou nessa sexta (27), o professor de logística da Fundação Dom Cabral (FDC), Paulo Resende, diz que 80% do transporte de cargas do País é sobre rodas. Para ele, a falta de alimentos numa possível crise no abastecimento aconteceria em 10 dias. 

“Nós teríamos uma falta de combustível nos postos em uma semana. Em 10 dias, nós teríamos o início de desabastecimento de gêneros alimentícios nos supermercados. Nas linhas de produção, o problema começaria em três dias. É um cenário parecido com o da greve dos caminhoneiros (em 2018), mas de uma gravidade maior”, diz o coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral.

Para o especialista, “a falta de estabilidade administrativa” da Petrobras, que teve seguidas trocas de comando, tem peso na possível falta de diesel no varejo no segundo semestre.

Outro fator que pesa é a guerra entre Rússia e Ucrânia. Por conta das sanções, o País de Putin sai da mesa de negociações, o que reduz a oferta de diesel no mercado internacional. 

Apesar de o Brasil produzir cerca de 75% do diesel ofertado ao varejo, a falta de produto substitutivo para o combustível faz com que qualquer desfalque faça muita diferença, como explica Paulo Resende. 

“A aritmética nos leva a pensar que ainda tem 75% disponível. Mas, o diesel tem contratos de longo prazo, que você acaba com a credibilidade da empresa (a Petrobras), se for quebrado. É como um brinquedo: você amassa de um lado, e ele deforma como um todo”, afirma o especialista em logística da Fundação Dom Cabral. 

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