Zeca Pagodinho chegou a um ponto na sua carreira que até lança mão de uma retórica folclorizada por Pelé. “Tem os sucessos da minha carreira, sambas que não podem ficar de fora de um show de Zeca Pagodinho”, diz, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, ao abordar o repertório que ele apresenta neste sábado (28) no Sensacional!, festival que começa na sexta (27) com shows de Caetano Veloso e do projeto Jah-Van, e continua no dia seguinte com atrações do porte de Iza, BaianaSystem, Marina Sena, Evinha, Letrux e Boogarins, dentre outros. 

Ao subir ao palco, Zeca se apoia nas quatro décadas de trajetória que renderam o seu trabalho mais recente, “40 Anos ao Vivo”, que emenda um hit atrás do outro, casos de “Lama nas Ruas”, “Vai Vadiar”, “Deixa a Vida Me Levar”, “Brincadeira Tem Hora”, e etc. “Diziam que eu não ia chegar aos 30 anos de idade, estou com 40 de carreira , então eu só tenho a agradecer e seguir meu caminho. Não tenho nada do que reclamar, só agradeço”, pontua Zeca, resgatando seu início desacreditado e a posterior aclamação nacional. 

Em 1983, depois de ser descoberto no Cacique de Ramos, ele foi convencido pela insistência da madrinha Beth Carvalho (1946-2019) a participar do LP “Suor no Rosto”, em um dueto na faixa “Camarão Que Dorme a Onda Leva” que entrou para a história e abriu definitivamente as portas da fama para o então garoto de Xerém. Zeca conta que tem uma “relação muito boa com Belo Horizonte”.

“Sempre fui recebido com muita alegria pelo público mineiro. Os mineiros gostam de samba e fazem samba também. Um deles é, inclusive, responsável por alguns dos meus sucessos”, diz, em referência a Toninho Geraes, belo-horizontino que assina “Seu Balancê”, “Uma Prova de Amor” e “Mais Feliz”, além da incontornável “Mulheres”, eternizada por Martinho da Vila.

Zeca celebra as oportunidades que eventos como o Sensacional! propiciam para ele. “Encontro e converso com amigos que só vejo nos aeroportos da vida. E o público também costuma participar com uma energia bem bacana nesses shows”, enaltece. Agora, ele só quer saber de sossego, sem muita expectativa com o que o futuro reserva para Zeca Pagodinho, que assim já cantava no início dos anos 2000: “Deixa a vida me levar”. “Está tudo certo, os planos são os mesmos de sempre, fazer e cantar samba e curtir minha família, principalmente meus netos que agora já são sete”, orgulha-se, sem esconder o avô coruja que reside no coração do sambista.

Esperança

Evinha também tem “curtido muito a felicidade de ser vovó”, como os dois netinhos dados por sua única filha se referem a ela, casada há 40 anos com o pianista e arranjador francês Gérard Gambus, que a acompanha na atual edição do Sensacional!. Com uma longa trajetória que começou na década de 1960, quando tinha apenas 8 anos de idade e integrava, ao lado dos irmãos Mário e Regina, o Trio Esperança, Evinha vem sendo redescoberta por uma nova geração e gravou singles recentes com o DJ Alok e o rapper BK, disponíveis nas plataformas digitais. 

“Todos os momentos na minha vida pessoal e artística foram de surpresas guiadas pela emoção”, sustenta Evinha, que não esperava o sucesso obtido em 1969, quando, já em carreira solo, venceu o IV Festival Internacional da Canção com “Cantiga por Luciana”, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós. Depois de gravar LPs que trouxeram hits como “Teletema” e “Que Bandeira”, a cantora retornou ao Trio Esperança e viajou o mundo inteiro, conhecendo o atual marido na França, onde reside desde a década de 1970. 

“Como não amar tudo isso?”, questiona, empolgada com a possibilidade de se apresentar em Belo Horizonte, uma das cidades que visitou com o Trio Esperança quando era adolescente. “Minas costuma ter um público muito caloroso, é uma felicidade voltar aqui, ainda mais para participar de um festival com essa importância”, celebra.

No palco tudo estará em família, pois, além do marido, os demais músicos são “quase todos sobrinhos, incluindo um sobrinho emprestado”, diverte-se. Evinha conta que ela e Gérard escolheram “com facilidade o repertório”. “Ele conhece perfeitamente as minhas emoções e veio tudo espontaneamente”, diz, sem entregar o jogo. 

Acontece que tudo na vida de Evinha “sempre aconteceu serenamente”. Perfeito exemplo é o relançamento de agora do histórico álbum “Cartão Postal”, originalmente posto no mercado em 1971, que retorna às plataformas com faixas como “Feira Moderna”, de Beto Guedes, Fernando Brant e Lô Borges, e “De Tanto Amor”, de Erasmo e Roberto Carlos.

“É uma honra saber que o público respeita a minha carreira e tem interesse por ela. A música brasileira é muito rica. Eu também respeito as contribuições da nova geração, apesar de ser mais sensível às obras da minha, com belíssimas harmonias e cifras que vão direto ao coração das pessoas”, sublinha Evinha, do alto de seus 73 anos. 

Djavanear

Era um domingo qualquer com amigos em sua casa quando Eduardo Bidlovski, o popular BiD, compositor e produtor musical, teve uma ideia inesperada. “Jah-Van”, disse. Fernando Nunes, parceiro no futuro projeto, ficou sem entender. “Hã?”, retrucou. “Não, Jah-Van, as músicas de Djavan em ritmos jamaicanos”, explicou BiD, dando o pontapé inicial para o que seria o álbum lançado em 2018, com participações de Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, Ivete Sangalo, Fernanda Abreu, Criolo e Zélia Duncan, dentre outros.

Chico César, presente na coletânea, e Céu, que ali não estava mas agora estará, são as estrelas da apresentação com esse repertório na abertura do Sensacional!, assim como Assucena, ex-integrante do trio As Baías. Pela “riqueza dos ritmos jamaicanos, que incluem reggae, ska, rocksteady, lovers rock, roots”, BiD foi costurando as imbricações possíveis entre canções e intérpretes. Arnaldo Antunes foi o primeiro a escolher “Sina”, enquanto Chico César se incumbiu de “Nem um Dia”.

No espetáculo, novidades como “Oceano” e “Lambada de Serpente” prometem marcar presença. “O reggae tem poucos acordes, já as canções do Djavan têm uma harmonia complicada, são músicas difíceis, com letras complexas, então foi um trabalho profundo de encontrar essas sintonias”, observa BiD, que ressalta o mérito do compositor alagoano em alcançar sucesso popular sem dispensar a sofisticação. 

“As músicas dele tocaram muito nas novelas, que atingiam o país inteiro, entrava direto na casa das pessoas”, relembra BiD, que se encantou “pela forma de tocar violão, de cantar, pelas divisões que ele faz”, a partir de “Samurai”, gravada em 1982 com a luxuosa participação de Stevie Wonder, no álbum “Luz”.

“Tem todo um frescor, um trabalho muito individual do Djavan, que marcou a música brasileira”, analisa BiD, que já tem um novo projeto no horizonte. “Soul Jah, uma homenagem aos cantores de soul, gosto de falar as coisas porque já oficializa”, justifica ele, que pretende brincar com os nomes e repertórios de “Sandra de Jah, Carlos Jah Fé e Jorge Ben Jah”, enumera. 

Serviço

O quê. Festival Sensacional!, com Caetano Veloso e mais 

Quando. Nesta sexta (27), das 17h às 23h; e sábado (28), entre 13h e 23h

Onde. Parque Ecológico da Pampulha 

Quanto. A partir de R$170 (meia) pela plataforma www.shotgun.live