A brancura da espuma desliza macia sobre o violão, que resiste a afogar-se junto à maré, amparado pelas mãos decididas da intérprete, cujo vestido roxo balouça com o vento. Tudo na imagem parece em movimento. Mas é pura ilusão. A fotografia resguarda algo do acontecimento, embora, agora, seja apenas a sua representação, sombra do que se viveu.
O retrato de Adriana Calcanhotto foi parar na capa do livro “Álbum” – de título alusivo tanto ao que guarda imagens quanto sons – por um motivo trivial, quase preguiçoso. “Era muito difícil definir critérios, ia ser uma confusão, e aí optei pelo básico e segui uma ordem alfabética”, conta Leo Aversa, o sujeito por trás das lentes que captaram as 100 fotografias incluídas na publicação. Adriana está lá na capa simplesmente porque seu nome começa em “A”. Mas, também, devido à beleza.
“Escolhi as fotos de que mais gosto, por um viés basicamente estético, até porque não caberia outro, ficaria injusto. Às vezes eu tinha personagens ótimos, mas a foto não era tão boa. O que justifica essas fotos estarem em um livro é a estética de cada uma”, afiança Aversa. Ele, no entanto, estabeleceu algumas diretrizes, como a variedade de personagens, abrindo raras exceções.
Caetano Veloso, por exemplo, aparece duas vezes. Numa sozinho, noutra com Milton Nascimento. Chico Buarque, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Marisa Monte e Arnaldo Antunes são outros astros da música brasileira retratados. “Passei 35 anos fotografando muitos artistas, principalmente da música, e resolvi que parte desse material daria um livro”, destaca Aversa. O lucro obtido com a venda do livro será totalmente revertido para o Retiro dos Artistas, no Rio.
Historietas
Aversa fotografou Tom Jobim em novembro de 1994. No mesmo dia, o maestro viajou para Nova York, onde morreria em dezembro daquele mesmo ano, após sofrer uma parada cardíaca enquanto se recuperava de uma cirurgia. “Às vezes uma situação que parece corriqueira se torna memorável por motivos alheios”, reflete Aversa, convocado para retratar o reencontro da dupla João Bosco e Aldir Blanc após anos de rompimento.
“Aquele entrevero nunca foi muito bem explicado, eles estavam há muito tempo sem se falar e eu tinha a exata noção de que aquele encontro era muito importante”, recorda. Com Jards Macalé tudo poderia acontecer. “É sempre uma surpresa!”. Já Chico Buarque, “não fica tão à vontade em frente à câmera”. “Ele é mais tímido mesmo. O desafio é descontrair o Chico, e, claro, contrair o Macalé!”, diverte-se.
Fato é que Aversa teve a oportunidade de fotografar todos os seus ídolos de infância e se tornar amigo de alguns deles. “No começo eu ficava um pouco intimidado, mas hoje em dia já tenho certa prática. O segredo é a conexão e a sintonia que você estabelece com o retratado. O retrato é um presente que o retratado te dá, e para isso ele precisa confiar em você. É como toda relação, no começo a coisa fica meio tensa, mas, com o tempo, a pessoa vai se soltando, e, à medida que ela se solta mais, melhor é o resultado. É como um círculo virtuoso”, resume Aversa.
Para ele, o essencial é “conseguir concretizar a imagem que você tem na cabeça”. “Às vezes você pensa uma coisa e não tem os meios técnicos ou a habilidade para realizar aquilo que imaginou, ou o contrário, você tem todo suporte, todos os aparatos, mas não tem a ideia”, analisa.
Tempo
Admirando principalmente a fotógrafa norte-americana Annie Leibovitz, “a transcendência de congelar o instante e transformá-lo numa memória viva” sempre fascinou Aversa. Realizado, ele admite ter fotografado todo mundo com que sonhou. “Todo dia surge gente nova e talentosa e a gente vai renovando esse desejo, pode ser que daqui a pouco surja alguém que me desperte interesse”, afirma.
Aversa começou fotografando com filme analógico e vivenciou toda a mudança para a tecnologia digital. “Não acho que as fotos tenham ficado melhores ou piores, mas a possibilidade de ver o resultado na hora ajuda muito no retrato, porque você pode dividir com o retratado e ele já fica mais seguro. A cumplicidade entre um e outro acaba se acentuando”, sublinha.
Na véspera do lançamento de “Álbum”, Aversa assinou uma divertida crônica em que confessava seu medo de que ninguém comparecesse à sua primeira noite de autógrafos, ou, no máximo, a mãe com seu incorrigível mantra de que ele deveria ter feito concurso. Suas piores expectativas não se confirmaram. “Vendi tudo, por sorte minhas paranóias não se realizaram, vou ter que arrumar outras, tranquilo eu nunca fico”, declara.
Todavia, nem toda neurose do mundo impede Aversa de continuar na estrada, como um autêntico Woody Allen das imagens congeladas que insinuam um movimento irreprimível. “Tenho planos de continuar fotografando e de produzir alguma coisa dedicada aos compositores, porque eles são uma categoria que têm perdido bastante protagonismo com o streaming, ficando ainda mais na sombra. Mas ao longo do tempo também fotografei tantos escritores, artistas plásticos, é muita coisa”, finaliza.
Serviço
O quê. Livro “Álbum”, de Leo Aversa
Editora. Afluente, com 212 páginas
Quanto. R$290
Onde. À venda pelo site www.afluente.art