No elenco da 16ª edição do reality “A Fazenda”, da RecordTV, a influenciadora Raquel Brito, 23, chocou outros participantes e espectadores da atração ao dizer que nunca usou preservativo durante as relações sexuais. Na ocasião, a peoa relatou que pediria um teste de gravidez, temendo ter entrado gestante no programa após alguns episódios de mal-estar. A desconfiança desencadeou uma conversa sobre sexo, métodos contraceptivos e uso de preservativos.

“‘Tacar’ dentro não engravida nada. Sempre ‘taquei’ dentro. Desde que perdi minha virgindade, nunca tomei remédio, nunca tive nada”, disse ela. “Nunca usei uma camisinha na vida. Não gosto, não. Parece um saco”, completou. Questionada como fazia para se proteger, ela respondeu: “Eu oro e acredito. É porque é mais gostoso”. Sobre o risco de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), Raquel disse: “Eu investigo a pessoa. Não é qualquer tipo de homem, não. Deus me deu muito livramento de lá para cá”.

Classificadas como desastrosas e apontadas como um desserviço, as falas de Raquel Brito fizeram soar o alerta do médico infectologista Unaí Tupinambás, professor titular do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM/UFMG).

“Foi uma fala muito infeliz. Esta autopercepção de baixo risco para IST é uma das grandes barreiras para implementação da prevenção e mudança de atitude. A gente vê muito isto na nossa prática com garotos e garotas jovens de 14 a 18 anos, que ainda não tiveram muito acesso a informações de qualidade”, critica. “Esta manifestação da participante do programa é assustadora. Pode ser que ela quisesse ‘lacrar’, o que também é inaceitável, uma vez que ela esta falando para milhares de pessoas jovens, que carecem de informações adequadas”, aponta.

“Espero que ela seja orientada pela equipe de saúde da família da unidade de saúde perto de sua casa assim que ela sair do programa”, prossegue o especialista, lembrando que a maioria dos contágios por ISTs acontecem com a transmissão do vírus ou bactéria por pessoas assintomáticas ou cujos sinais daquela infecção ainda não foram percebidos. Ou seja, julgar pelas aparências não é um método preventivo eficaz. Tampouco é garantia de segurança a ideia de não transar “com qualquer tipo”. É o que evidenciam os casos de contração de ISTs mesmo em casais que estão em relações monogâmicas duradouras.

“Esta forma de ‘prevenção’ (defendida pela participante) tem muitas falhas. Acontece que a parceria pode ter uma infecção assintomática – principalmente gonorreia, clamídia, tricômonas”, alerta, citando que, no Brasil, em ter em torno de 100 mil pessoas devem viver com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), mas desconhecem seu diagnóstico.

Falas refletem realidade de menor adesão

As falas de Raquel Brito sobre nunca ter usado preservativo nas suas relações sexuais são especialmente preocupantes por representarem, mais que uma decisão individual, uma realidade de retração na adesão do método preventivo. “O que estamos vendo é realmente uma baixa adesão ao uso de preservativos, seja o masculino ou o feminino”, reconhece Unaí Tupinambás. 

Uma realidade que pôde ser observada em uma rodada de entrevistas realizada pela reportagem de O TEMPO na região Centro-Sul de Belo Horizonte, quando foi perceptível que, sobretudo a população mais jovem, reconhece não fazer uso do método – apesar de ter conhecimento sobre a efetividade do uso da camisinha para a prevenção da gravidez não planejada e do contágio por ISTs, e de saber que o preservativo é distribuído gratuitamente nas unidades básicas de saúde do município.

“Sei que a camisinha serve para prevenir de doenças e coisas desse tipo. Não uso, por falta de vergonha na cara mesmo”, admitiu o motoboy Arthur de Paula, 20. Já a auxiliar de veterinária Vitória Soares, 23, reconheceu achar importante o uso do item. “Principalmente se você não conhecer bem com quem está se relacionando”, comenta, inteirando que nem sempre teve essa consciência. Mãe de dois filhos não planejados, ela indica que, quando mais nova, tinha “a cabeça fraca” para essas questões.

As respostas são um tanto diferentes quando os entrevistados de são outro grupo etário. O empresário Gustavo Correia, 46, por exemplo, disse que considera a camisinha fundamental. “Sempre foi importante, seja por questão de saúde, seja por questão de prevenção em relação à gravidez”, avalia, inteirando não ver motivo para se deixar de usar o preservativo. “A não ser quando você tenha uma parceira, (no contexto de) uma relação longa, e use outros métodos contraceptivos”, aponta. Já a auxiliar de serviços gerais Marinalva Batista, 49, reconhece: “Se eu falar que sempre usei, estarei mentindo. Mas, quando deixei de usar, era com uma pessoa que eu já estava me relacionando (exclusivamente) há um bom tempo”.

Mandala de prevenção combinada

Diante do cenário de menor adesão do uso de camisinha, o médico infectologista Unaí Tupinambás pondera que, hoje, muito além de um único método preventivo, fala-se em um “mandala de prevenção combinada”, uma ferramenta que associa diferentes ações. 

“Essas ações devem estar combinadas, sendo adaptadas às características individuais e o momento de vida de cada pessoa, e incluem medidas como: a testagem regular para as ISTs, chamada de rastreio; a prevenção da transmissão vertical, da mãe para o bebê durante a gestação e puerpério; o uso de dispositivos como preservativos e lubrificantes; a imunização para as hepatites A e B, bem como para HPV; a redução de danos para usuários de álcool e outras drogas; a profilaxia pré-exposição (PrEP); a profilaxia pós-exposição (PEP); e o tratamento para todas as pessoas com IST e suas parcerias sexuais, o qual reduz a transmissão dessas infecções”, explica, indicando que os métodos podem ser utilizados pela pessoa isoladamente ou combinados e seu uso tem impacto individual e coletivo.

“É importante ressaltar que o melhor método de prevenção é aquele que se adapta ao estilo de vida e às práticas sexuais da pessoa, levando à maior adesão. Para isso, cada pessoa deve ser abordada de maneira individualizada e integral também nas ações de prevenção. Então, hoje, felizmente temos outras formas de prevenção, e cada um e cada uma pode escolher a que melhor se adpata”, situa.

(Com Raquel Penaforte)