Na década de 1970, exilado pela ditadura militar, Caetano Veloso reclamava da falta da família, do seu país, da sua cultura. Apesar disso, a experiência serviu para ele compor uma das canções mais conhecidas de seu repertório, “London London”. O cenário é diferente, no entanto, quando trata-se de um intercâmbio, em que parte da pessoa a decisão de conhecer uma localidade para além de seu horizonte.
A psicóloga Érika Miranda afirma que essa vontade de intercambiar – o que, no dicionário, significa trocar experiências – pode estar associada a diversos fatores, como, por exemplo, “enxergar a oportunidade de desenvolver habilidades como independência e autonomia fora do ambiente familiar, sair da zona de conforto e enfrentar os novos desafios”, enumera ela.
Tudo isso geraria um processo de autoconhecimento e redescoberta da própria identidade, a partir da exposição a um contexto educacional diferente, com outras metodologias. “Do ponto de vista acadêmico, pode ser uma experiência bastante enriquecedora, que, consequentemente, vai agregar uma melhora ao currículo, amplificando as oportunidades de emprego para o intercambista”, assinala Érika.
Aprender uma nova língua ou se aperfeiçoar em um idioma costumam ser uma das principais demandas de quem opta por realizar um intercâmbio. Segundo a especialista, a curiosidade é um dos mais recorrentes atributos de quem opta pelo intercâmbio. “Pessoas criativas, inquietas, receptivas à mudança, tendem a valorizar essa experiência de entrar em contato com outros lugares e tradições”, assegura Érika.
Essa determinação de “expandir a mente” estaria no cerne do perfil psicológico de quem se sente motivado diante de variadas e desafiadoras interações sociais. Ao mesmo tempo, Érika já recebeu, em seu consultório, “pessoas tímidas que viram no intercâmbio uma possibilidade de trabalhar as habilidades de socialização”.
Ela pontua que, numa situação de distanciamento geográfico da família e dos amigos, a pessoa “acaba tendo que se virar de alguma maneira”, forçando-se a enfrentar e superar dificuldades. “A pessoa pode desenvolver a resiliência, tornar-se mais aberta às mudanças, ficar mais adaptável às circunstâncias que surgem no meio do caminho, e todo esse contexto fortalece a autoestima, pois a pessoa percebe que ela é capaz”, diz.
Otimismo e medo
De acordo com a psicóloga, isso leva muitas pessoas a retornarem a seu país de origem após a experiência do intercâmbio “com um desejo maior de planejar o futuro, com novas perspectivas e possibilidades”. O otimismo estaria diretamente relacionado ao fortalecimento da autoestima, propiciado pelo fato de se saber capaz de superar desafios.
O que não impede que, nos últimos tempos, o intercâmbio tenha perdido força. Érika atribui parte da diminuição dessa busca à pandemia de Covid-19 que abalou o mundo. “O medo de sair do país por questões de saúde cresceu muito, as pessoas desenvolveram muita ansiedade”, avalia a psicóloga.
O temor de estar longe dos parentes quando alguma nova crise de saúde acontecer, ou, mesmo, o pavor ante questões cotidianas da vida, seria o principal responsável pela decaída do intercâmbio atualmente. Mas Érika sinaliza outra condição preponderante: a era digital. “Hoje em dia, pelo mundo virtual, podemos ter acesso a diferentes culturas”, sustenta.
É possível seguir alguém no Instagram que vive no exterior e saber tudo sobre aquele país, além de conhecer pessoas que moram fora por meio das redes sociais, conectando-se com elas. “Muitas empresas também adotaram essa tecnologia, oferecendo cursos de inglês online”, exemplifica a especialista. Essa sensação de proximidade teria amortecido a vontade pelo tradicional intercâmbio físico.
Redes sociais podem influenciar para o bem e para o mal
Em tempos de redes sociais, ninguém passa incólume à avalanche de informações contidas no mundo digital. Desde a tradicionalíssima viagem em que as pessoas faziam questão de levar o mapa, se informar sobre o local para onde ir sempre foi uma premissa da humanidade.
A psicóloga Érika Miranda alerta que, hoje em dia, é preciso ter um cuidado redobrado com o que se encontra na rede, especialmente para aquelas pessoas interessadas em realizar um intercâmbio. “As redes sociais podem influenciar para o bem e para o mal e se tornarem até um divisor de águas na decisão”, afirma ela.
Segundo a especialista, “a informação pode ser tão impactante” a ponto de desestimular ou de criar expectativas irreais com relação ao intercâmbio. “Tanto pode aumentar a ansiedade quanto fazer a pessoa desistir”, opina. Ao mesmo tempo, Érika exalta a gama de informações que o compartilhamento de vídeos pode propiciar.
“As pessoas podem seguir páginas ou influenciadores que disponibilizam dicas preciosas que vão ajudar o intercambista a se preparar ou tomar a melhor decisão, por exemplo, sobre qual o melhor país para ele ter essa experiência”, enaltece. Outra possibilidade é ter contato, mesmo à distância, com “pessoas que já estão no país onde ela deseja ir”.
“A exposição à felicidade do outro, em todos os âmbitos, pode gerar uma comparação negativa, se a pessoa for mais insegura”, pondera Érika. O fundamental é compreender que o intercâmbio, como qualquer experiência humana, possui vantagens e desvantagens. Paralelamente, é “importante pesquisar para não ir no escuro, mas também é preciso cautela para não se deixar impactar por tudo que aparece na rede”, sublinha a psicóloga.
“Os principais benefícios são o autoconhecimento, a maturidade, o aprendizado de uma nova língua, mas também há desafios, como ficar longe da família, dos amigos, muitas vezes ter que se desligar do trabalho, a solidão, a saudade, a adaptação a uma cultura onde, além das barreiras da língua, existem as culturais, que podem gerar choques, pelos diferentes entendimentos e significados”, finaliza Érika.