A engenheira de alimentos Juliane*, de 32 anos, passava por um momento delicado em sua vida quando estreitou os laços com uma amiga de longa data. Nos momentos difíceis, Juliane se sentia acolhida e confiava na amiga, pensando que ela era a única pessoa que a entendia e poderia lhe fazer bem.

“Estive em muitos momentos acreditando que era uma pessoa que poderia construir algo bonito”, conta. No entanto, com o passar do tempo, a relação começou a mudar. “Percebi que estava sendo mais tratada de forma vertical do que horizontal. Me sentia muito usada e desconfortável perto dela”, relembra.

Juliane começou a perceber atitudes da amiga que a deixavam mal. “Ela sempre me colocava para baixo em situações em que outras pessoas me admiravam e também me expunha na frente dos outros com informações pessoais”, recorda.

A situação chegou a um ponto em que a amiga fez com que Juliane organizasse sua festa de aniversário, sob a acusação de que ela “não fazia nada pela amizade”. “Com essa pessoa perto de mim, acabei me isolando muito dos meus demais amigos e também do meu relacionamento amoroso à época”, lembra.

O caso da engenheira ilustra as chamadas amizades de alta manutenção, que se estabelece quando uma das partes exige do outro constante atenção e presença, mesmo não retribuindo afeto em igual medida. O psicólogo Jailton de Souza aponta alguns indícios de que uma amizade se tornou desgastante.

“Quando você se sente drenado emocionalmente após o encontro com uma pessoa, em vez de revigorado, é um sinal de alerta. O desequilíbrio pode ser percebido também quando alguém tenta se sentir superior em relação ao amigo ou quer controlar os outros relacionamentos dele”, pontua ele, que também é professor de psicologia da Estácio.

O especialista chama a atenção para o fato de que, embora a dependência emocional seja frequentemente associada a relacionamentos amorosos, o apego excessivo pode estar presente também em relações de amizades. “Se você precisa, por exemplo, consultar um amigo para resolver assuntos cotidianos, desde os mais simples até os mais complexos, pode ser que esteja ocorrendo uma dependência emocional”, exemplifica.

Manter esse tipo de relação pode acarretar uma série de problemas de saúde mental, explica a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, Érika Miranda Ferreira Xavier. “Amizades desequilibradas podem gerar ansiedade, estresse, sentimento de invalidação, insegurança e baixa autoestima. Além disso, há uma sensação constante de que estou doando, mas não estou recebendo”, assinala Érika.


Como lidar com amizades de alta manutenção

Quando perceber que uma amizade está provocando mais mal do que bem, é importante seguir alguns caminhos. O primeiro passo é reconhecer os nossos próprios limites e demonstrar para o outro o que é aceitável ou não. “É importante também se atentar às necessidades do outro, mas sem que necessariamente isso envolva seus próprios sentimentos. Isso pode incluir uma comunicação de maneira gentil, mas firme. Deve-se mostrar quando não é possível atender as necessidades dele e também incentivá-lo a procurar outras pessoas para diversificar as suas relações. Isso mostra maturidade e independência do outro”, comenta o psicólogo Jailton de Souza.

A psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, Érika Miranda Ferreira Xavier também acredita que uma boa conversa é uma forma saudável de lidar com uma amizade que demanda muito. “É essencial dar feedback para o outro de que a amizade tem momentos tóxicos. Para isso, é importante pensar bem no timing e escolher um momento mais tranquilo para ter essa conversa de maneira empática”, avalia.

Mas há casos em que uma conversa já não resolve mais. Juliane*, por exemplo, até tentou falar para a amiga de que a relação não estava legal, mas a colega sempre conseguia manipular o bate-papo. “Ela se irritava nos momentos em que eu a confrontava sobre alguma questão que não gostava e jogava a culpa em mim”, conta. Nesses casos, a melhor alternativa é colocar um fim na amizade, algo que a engenheira precisou fazer. “Chegou um momento em que finalmente consegui dar um basta nisso e rompi a amizade”, conta Juliane.

“Pode ser que a amizade sobreviva por um tempo, mas se os ajustes não foram feitos e se observar que não vai dar certo, o ideal é manter uma distância segura. A depender do caso, nem vale a pena conversar para encerrar a amizade, porque o outro pode manipular e gerar novo desgaste. Então, é melhor sair de fininho e tentar se desvincular mentalmente do outro”, orienta Érika. “O respeito e a admiração precisam estar presentes. Se eles não existirem mais, dificilmente damos conta de continuar uma amizade”, complementa o psicólogo Jailton de Souza.

E o que pode levar alguém a “pesar” o outro com a amizade? “Muitas coisas. Uma delas é a crença de que a pessoa tem de que pode ser abandonada a qualquer momento. Também pode existir insegurança e necessidade de controle, que leva o indivíduo a tirar vantagem da relação e a desvalorizar os sentimentos do amigo”, lista a psicóloga.

*Nome fictício