A cantora Lexa vive hoje o luto pela perda da sua filha, Sofia, três dias após a bebê ter nascido. Ela enfrentou complicações na gestação, que culminaram em uma internação, no dia 20 de janeiro, com quadro de pré-eclâmpsia, problema associado ao aumento da pressão arterial depois da 20ª semana de gravidez, relacionado também à presença de proteínas na urina, causando sintomas, como dor de cabeça ou no abdômen, tontura ou inchaço. As intercorrências podem ter ocorrido devido a outro diagnóstico da artista: a Tireoidite de Hashimoto, condição autoimune que afeta a função da tireoide e, quando não tratada, pode levar a disfunções gestacionais, como abortos espontâneos e pré-eclâmpsia.

Antes da perda neonatal, Lexa havia mencionado, em setembro do ano passado, durante uma entrevista, só ter recebido o diagnóstico recentemente, após realizar exames solicitados por sua ginecologista.

Em todo o mundo, cerca de 750 milhões de pessoas sofrem com algum problema da tireoide, glândula localizada na região anterior do pescoço responsável pela produção de hormônios fundamentais para a regulação e o bom funcionamento do organismo. A estimativa é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que vai além, alertando que aproximadamente 60% desses indivíduos desconhecem o próprio diagnóstico. Um desconhecimento que, para a entidade, evidencia a necessidade de ampliação da divulgação de informações sobre o tema.

Pensando nisso, O TEMPO consultou a endocrinologista Flávia Coimbra Pontes Maia, coordenadora da unidade de tireoide da clínica de endocrinologia da Santa Casa BH, que, começando pelo básico, explica que a glândula em questão, localizada na região anterior do pescoço, é responsável pela produção do T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina), hormônios que auxiliam o funcionamento de vários órgãos, afetando o metabolismo, a temperatura corporal, os batimentos cardíacos, o funcionamento intestinal, a memória e o raciocínio. “Costumo dizer que precisamos de uma pitada de T3 e T4 para quase tudo que vai acontecer no nosso corpo”, resume.

Essa necessidade, aliás, surge desde bem cedo. “Vamos precisar dessas substâncias ao longo da vida toda, desde a fase infrafetal até a idade adulta e no envelhecimento”, informa, detalhando que, no início, o feto não produz seus próprios hormônios, dependendo da produção materna. “Só por volta da 12ª semana é que o feto inicia essa produção, mas ainda dependendo da suplementação da mãe durante toda a gestação. Por isso é tão importante, na gravidez, a avaliação da função tireoidiana”, situa.

A diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) prossegue ressaltando que, à luz do que ocorre no período gestacional, o funcionamento da glândula varia ao longo da vida, se alinhando às necessidades do organismo naquele momento. “Portanto, em momentos como a gravidez, a produção hormonal será maior, pois é preciso suprir também as demandas do feto”, indica, acrescentando que essas oscilações ocorrem ao longo do ano, com uma atividade mais intensa da glândula no inverno e mais branda no verão, por exemplo. 

Outros fatores, como a recuperação de doenças graves ou mesmo o estresse, também podem demandar mais da tireoide. “É um funcionamento muito fino e ajustado à necessidade de cada um e de cada momento”, assinala.

Defeitos

A médica endocrinologista Flávia Coimbra Pontes Maia lembra que existem basicamente três defeitos da tireoide: o hipotiroidismo, o hipertiroidismo e os nódulos formados na glândula. Ela detalha cada um dos problemas, que geralmente vão desencadear múltiplos problemas, incluindo a infertilidade em mulheres por redução dos ciclos ovulatórios.

“Quando a glândula produz uma quantia de hormônio inferior à nossa necessidade, estamos falando do hipotiroidismo. Nesse caso, é como se estivéssemos com a bateria fraca”, resume, lembrando que os sintomas mais comuns são a fraqueza, o desânimo, a falta de energia. Também podem ocorrer a desaceleração dos batimentos cardíacos, a síndrome do intestino preso, e a ocorrência de edemas – isto é, inchaços no corpo –, além da dificuldade de raciocínio e de concentração.

“O outro problema, o hipertiroidismo, apresenta características opostas, sendo causado pelo excesso de produção hormonal”, informa. “Nessas situações, teremos uma aceleração dos processos corporais, que vai ser percebida na sudorese excessiva, no tremor de extremidades e na aceleração dos batimentos cardíacos. Esses pacientes podem apresentar também quadros de diarreia e agitação, incluindo dificuldade para dormir e ficar quieto. Outro sinal é o emagrecimento rápido”, destaca.

Por fim, a terceira situação é a presença de nódulos, como são chamados os caroços formados na glândula. “A grande maioria dos casos são de nódulos benignos, que não vão causar maior problema para a pessoa e nem sequer afetam o funcionamento da tireoide. Mas, em uma minoria, esses nódulos podem ser malignos, exigindo tratamento”, situa.

A qualquer momento

Estima-se que cerca de 5% da população apresente alteração na produção hormonal, mais comumente o hipotireoidismo, e cerca de 10% da população adulta apresenta nódulos tireoidianos palpáveis. Alterações que podem ocorrer em qualquer momento da vida, se manifestando, inclusive, desde o nascimento.

“A gente tem, por exemplo, o hipotiroidismo congênito, quando o bebê já nasce com disfunções na tireoide”, menciona. Ela lembra que esse tipo de alteração é detectada no teste do pezinho, feito entre o terceiro e quinto dia de vida do recém-nascido a partir da coleta do sangue do seu calcanhar.

“Mas mesmo quem não nasceu com esta condição pode desenvolvê-la em qualquer outro momento da vida, sendo que algumas fases aumentam a predisposição para o distúrbio, como a gestação, o pós-parto e a menopausa”, adverte, sinalizando que, na maior parte dos casos, a alteração está associada a uma doença autoimune, em que o próprio organismo produz um anticorpo que ataca a própria glândula – caso da Tireoidite de Hashimoto, condição com a qual a cantora Lexa foi diagnosticada, que leva ao hipotiroidismo, não possui cura, mas pode ser tratada.

“Além disso, podem ocorrer também situações como tireoidites, que são inflamações da glândula causadas por vírus ou bactérias”, acrescenta.

Para a detecção, quando o problema é adquirido e não congênito, um exame de sangue pode apontar se a glândula está produzindo o T3 e T4 para mais ou para menos. “Nele, vamos dosar o T3 e o T4, e o TSH, produzido pela hipófise, que vai comandar outras glândulas do organismo e que também vai ser afetado no caso de alteração no funcionamento da tireoide”, situa. 

No caso dos nódulos, benignos ou malignos, a detecção ocorre por meio de exame físico, com o médico apalpando a glândula. “Geralmente, o paciente já vai ter percebido os caroços ao se olhar no espelho ou ao se tocar. Ele também pode apresentar dificuldade para engolir”, comenta. A partir da detecção pelo exame físico, é recomendável a realização de ultrassonografia para avaliação das características desses caroços. “Também pode ser necessária a realização de uma punção, com agulha fina, aspirando o conteúdo do nódulo para checar se ele é benigno ou maligno”, informa.

A especialista ainda detalha que todos esses exames são considerados simples e alguns deles, como o de sangue, entram no hall dos exames de rotina em algumas circunstâncias, como para mulheres gestantes.

Tratamento

O tratamento das alterações da tireoide vão variar conforme cada tipo de problema, exigindo atenção também às causas da disfunção. É o que detalha a endocrinologista Flávia Maia.

“O hipotiroidismo, por exemplo, envolve a suplementação do hormônio cuja produção está sendo insuficiente”, indica, reforçando que a dosagem vai variar conforme a necessidade de cada paciente.

“Já no hipertiroidismo, o tratamento precisa considerar os motivos por trás do problema”, situa, apontando que, na maioria das vezes, a orientação vai ser o uso de medicamentos bloqueadores da produção de hormônios pela glândula. “Mas, em alguns casos, pode ser necessário o tratamento cirúrgico ou com iodo radioativo”, complementa.