A participação de Virginia Fonseca na CPI das Bets na última semana acendeu um debate sobre a postura da influenciadora. Convocada a depor para esclarecer dúvidas acerca de seus contratos milionários com empresas de apostas no país – dentre elas uma suposta “cláusula da desgraça”, em que os ganhos de Virginia seriam inversamente proporcionais às perdas dos apostadores, algo que ela nega –, a esposa de Zé Felipe chamou atenção tanto pelo visual quanto pelo tom das respostas. 

Trajando um moletom com a foto de uma de suas filhas, óculos, sem maquiagem, e chegando a confundir o canudinho de seu copo d’água com o microfone da sessão, a imagem pouco lembrava as poses sensuais em modelos ousados que abarrotam suas contas nas redes sociais. Luana Piovani chegou a compartilhar uma crítica do DJ Zé Pedro que comparava Virginia a Suzane von Richthofen, condenada pelo assassinato dos pais. “Por que essas meninas, quando são acusadas de alguma ilegalidade, o figurino sempre remete a algo pueril? Moletons com motivos infantis farão elas parecerem honestas, decentes e boa gente? A verdade não rima”, escreveu o DJ no Instagram. 

O dado mais concreto da repercussão foi a perda de cerca de 600 mil seguidores no Instagram, onde Virginia é acompanhada diariamente por mais de 50 milhões de pessoas. Desde então, a influenciadora não saiu mais do noticiário, e, depois de ser anunciada como substituta de Paolla Oliveira no posto de Rainha de Bateria da Grande Rio, apareceu ao lado do marido cantando o funk  “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim”, associado ao popular “Jogo do Tigrinho”, também investigado pela CPI das Bets, mantendo o nome de Virginia em evidência. 

Professora de Comunicação Social da UFMG e estudiosa do tema, Camila Mantovani aponta para a chamada “estética da inocência, muito utilizada no âmbito da comunicação política”, na polêmica participação de Virginia na CPI. “Essa estética se manifesta através de gestos e estratégias visuais que buscam passar a imagem para o público de que aquela pessoa que está ali em um julgamento é alguém comum, um cidadão como todos os outros”, explica a professora. A ideia, segundo ela, seria “evitar um embate mais racional, técnico, e partir para o campo da empatia, tentando gerar uma compaixão pela pessoa que está sendo julgada”. 

Celebridade

Camila acredita que Virginia “trabalhou todos esses elementos para gerar uma conexão afetiva com o público, explorando a dimensão do apego tratada nos estudos sobre celebridades e que investiga como os seguidores mobilizam apoio em relação à imagem de alguém”. No caso, Virginia era “uma celebridade diante de um contexto de acusação”. “Em tese, ela estava ali para prestar esclarecimentos, mas investiu na dimensão afetiva, simbólica, atualizando o que denominamos de ‘marcadores do valor afetivo’, que sustentam a imagem dela como celebridade”, afirma. 

Na opinião da especialista, a influenciadora levou para a CPI “a lógica das redes sociais”, em que “a emoção vale mais do que a argumentação lógica”. “Ela trouxe um pouco dessa linguagem da influência digital, que são as pausas, uma certa ironia, um certo humor que fica ali meio contido, ao invés de seguir um rito esperado nesses processos e apresentar um conteúdo baseado em informações”, analisa Camila. Essa estratégia visaria, inclusive, render os famosos “cortes” para serem compartilhados nas redes sociais e até virar meme. 

Todavia, a entrevistada pontua que essa estratégia, embora bem-sucedida na forma, foi percebida em larga escala pelos seguidores. “As pessoas estão muito acostumadas, elas já entendem como isso funciona e que as influenciadoras performam para gerar esse tipo de conteúdo”, destaca. Para Camila, a grande questão atual é “compreender como contextos como o de uma Comissão Parlamentar de Inquérito se tornaram permeáveis a atitudes típicas das redes sociais”. “A CPI estava muito aberta para receber esse tipo de encenação, de espetacularização de uma questão jurídica”, diz. 

Senador por Minas Gerais, Cleitinho, do Republicanos, preferiu não direcionar questionamentos a Virginia, e, ao invés disso, colocou a esposa em chamada de vídeo com a influenciadora e pediu uma selfie. Tais episódios servem, na visão de Camila, para “refletir como a política se tornou midiática e como a celebridade se torna política”. “A CPI deixou de ser um rito institucional para se tornar um palco de afetos e disputas simbólicas. Temos um acontecimento que surge dessas interações”, o que gera um ambiente “de grande complexidade e desafiador”, salienta a estudiosa, para quem a comunicação vai analisar esse dilema “a partir das transformações nos modos de produção e circulação de sentidos”. Hoje, o campo das redes sociais e da internet. 

Responsabilidade

Professora de Comunicação Social da UFMG, Camila Mantovani reflete sobre o que leva uma pessoa a alcançar o status de celebridade. “Significa que ela tem um tipo de valorização que é validado por um grupo de pessoas. Quanto mais unânime a pessoa for em alguma coisa, maior será a sua reputação, sua fama, aquilo que será lido como relevante”, analisa. Ao se tornar uma figura de evidência pública, Camila defende que essa pessoa não terá como se esconder “de uma responsabilidade sobre como ela influencia determinadas práticas, sejam de consumo ou relacionadas a valores sociais”. 

Ao adotar “a postura de que não sabia o que promovia, adotando a estética da inocência”, a intenção da influenciadora Virginia seria justamente não ser responsabilizada pelos próprios atos. “A gente percebe que esse compromisso coletivo nem sempre é utilizado de forma ética ou crítica”, lamenta Camila, que enxerga uma prevalência do comportamento contrário. “Se essa desregulamentação das redes não é capaz de barrar esse descompromisso com o outro, essas interdições vão acontecer no âmbito da Justiça, desde que seja entendido como valor para a sociedade”, observa. 

Para Camila, a lição mais importante da participação de Virginia na CPI das Bets está em compreender “que as nossas ações, seja no mundo real ou virtual, têm consequências”. “As celebridades são um termômetro social. Quando essas pessoas ganham destaque, isso diz do que a sociedade entende como valor. E hoje a gente assiste muito a uma lógica que é a seguinte: ‘eu tenho o direito de não saber, eu tenho o direito de não me posicionar, desde que eu pareça sincera’”, salienta Camila, expondo a predominância da autenticidade em detrimento da responsabilidade nos dias atuais. “Ainda que haja esse lugar para uma performance emocional, ao mesmo tempo existe o risco de essa narrativa ser percebida como cínica, irônica, dissimulada”, finaliza a especialista.