Pessoas adultas que gostam de usar fraldas. Sim, isso existe e estas pessoas têm se reunido em grupos nas redes sociais. O Facebook abriga, por exemplo, a página "Eu uso fralda" e o grupo público "Amantes de fralda". A primeira olhada provoca estranheza, parece bizarro, incompreensível.
 
Porém, ao se aprofundar um pouco mais sobre o tema, é possível observar que existem mais adeptos desta prática do que poderíamos imaginar. O que não torna nada menos perturbador. Nestes grupos, as pessoas podem deixar a clandestinidade, trocar ideias, buscar apoio, informações e conhecer seus iguais.
 
A pergunta que emerge para quem está de fora é: o que provoca em pessoas adultas o desejo de usar fraldas? "O que fica evidente nestes casos é uma dificuldade significativa de discernimento entre fantasia e realidade. A fantasia parece ter tomado conta de todo o cenário", esclarece o psicanalista Thiago Sarkis.  E quais fantasias seriam estas? "Fantasias fixadas em experiências de satisfação dos primeiros anos de vida do sujeito. Há nestes casos uma busca radical de sustentação de um lugar de dependência, desamparo e apelo, solicitando um olhar de atenção irrestrita e diferenciada dos pais – e, posteriormente, de sujeitos que venham a ocupar o lugar dos pais na organização psíquica e libidinal do sujeito".
 
Para ilustrar melhor, Sarkis cita o caso de crianças de 7, 8 anos ou adolescentes que começam a fazer xixi na cama, quando, por exemplo, ganham um irmão. Pode ser um apelo inconsciente para reaver a atenção e amor dos pais, agora direcionados ao bebê. Contudo, em determinado momento, estas crianças ou adolescentes geralmente se estranham fazendo isso. 
 
No caso de pessoas que usam fraldas e participam destes grupos, ocorre o oposto: “elas se estranham em um primeiro momento, contudo, no contato com o grupo, ao invés de se estranharem pela manifestação inconsciente do apelo infantil e de suas demandas primevas – algo que, de formas diferentes, está em todos nós e pode retornar em situações específicas na vida de cada um -, elas se identificam e se afirmam ali, perpetuando um cenário de inibição, não se abrindo à vida adulta. O grupo se torna uma faca de dois gumes: extrai essas pessoas de um isolamento no qual se vêem absolutamente alijadas do resto do mundo, porém as enraíza em uma fantasia que não as deixa mover e dar passos adiante”.
 
Se estas manifestações inconscientes de alguma forma permanecem em todos nós, deveríamos então tratar estes casos como situações normais? Não seria adequado o encaminhamento para um profissional especializado? "Certamente que uma análise é extremamente indicada para estas pessoas. Quando se chega a um cenário desses, é preciso ter um olhar diferenciado, porque podemos evidentemente falar de uma patologia. A recusa radical ao ‘princípio de realidade’ e a extrema dificuldade em abdicar ao ‘princípio de prazer’ levam a um quadro com desdobramentos complicados para a vida do sujeito", observa o psicanalista. "Não obstante, o choque inicial que a prática pode causar não deve pautar o tratamento. Há de se escutar o sujeito e não se chocar com ele. Algo muito importante da história familiar, da maneira como ele se situou no desejo dos pais, entre outras coisas, está tendo vazão por meio desta fantasia. Fica ‘caricato’, talvez ‘bizarro’, mas o ‘bizarro’ está em todos nós e o infantil não cessa nunca; jamais deixamos totalmente o lugar de onde viemos".
 
A página "Eu uso fralda" tem 3782 curtidas e traz fotos de garotas usando fraldas com shorts, fotos de garotas de fralda na praia e postagens como "Casar com uma pessoa que usa fralda" acompanhado de um emoticon de coraçãozinho. Há casais que chegam até a trocar a fralda um do outro.
 
Muitas das pessoas destes grupos, aparentemente, não se preocupam em manter suas identidades em segredo. Um vídeo que mostra uma garota com apelo sexy, intitulado "Acordando de fralda... muito bom", registra 5547 visualizações e 67 compartilhamentos.
 
"Essa busca pelo grupo é uma forma de encontrar legitimidade para o que encontramos de esquisito em nós mesmos. E neste sentido, a contemporaneidade é primorosa: redes sociais, em especial, trazem um cardápio vasto de identificações. E a cada semelhante com o mesmo quadro sintomático – seja qual ele for, não só o das fraldas -, o sujeito pensa: ‘não estou sozinho’ ou ‘não sou anormal, uma ou mais pessoas vivem como eu’. Logo, tudo fica legítimo e a indagação acerca da estranheza é silenciada pela imagem do outro que supostamente reflete a minha. De fato, os sintomas são legítimos, porém, isso não quer dizer que não mereçam cuidados e tratamento analítico adequado”, enfatiza o psicanalista. 
 
O que estas pessoas fariam então em um tratamento analítico? “Não é o caso de se perpetuar a fantasia. É uma questão de se dispor a questioná-la, interpretá-la, compreendê-la. E isso passa pela pessoa se colocar em cheque, deixar as identificações em suspenso muito mais do que usá-las como sustentáculo para a própria existência, reconstruir sua história, entender como chegou ali e quais vias alternativas pode encontrar àquela defesa tão radical", afirma Sarkis. 
 
À medida que a prática individual fica coletiva, de acordo com o psicanalista, ela fica instituída, quase que glorificada e sacramentada, e o que antes poderia ser uma importante questão inaugural para a análise de um sujeito, passa a não ser mais uma indagação: o sujeito tende a se questionar menos, pois não se estranha mais naquilo em que antes se estranhava. "As pessoas associam a legitimidade de seus sentimentos e sintomas à ‘norma’. E esta norma, este padrão estabelecido é a régua com a qual o sujeito se mede e mede os demais para estabelecer o que o que é ou não ‘normal’. Esta referência surge em comparação com o outro, com a frequência de eventos similares nas vidas de outras pessoas”. 
 
O que nos faz acreditar então que, para estas pessoas, o comportamento, autorizado pelos grupos das redes sociais, deixou de ser algo estranho. “É supostamente ilegítimo sentir ou pensar o que ninguém pensa ou manifesta. E supostamente legítimo manifestar aquilo que temos de igual com os demais – mesmo que nisso esteja o mais prejudicial dos comportamentos para o próprio sujeito. Neste caso, a partir do momento em que passam a ser denominados como ‘infantilistas’, os membros do grupo se aliviam e se sentem assegurados de sua normalidade, não importa o quanto aquilo que vivem restrinja suas vidas. O importante é ser normal, ou melhor, ser igual – senão à maioria, ao menos a alguém", observa o analista.
 
Os participantes fazem pequenas enquetes como "Com qual idade você voltou a usar fralda e quanto tempo já faz que está usando". E a partir daí, podem falar com mais liberdade de sua prática que por muito tempo permaneceu secreta.
 
O grupo do Facebook "Amantes de Fralda" coleciona depoimentos. O grupo é público, qualquer pessoa pode ter acesso e mesmo assim os participantes não se intimidam em expor suas angústias com uma prática que acarreta preconceitos e é ridicularizada, inclusive por alguns no próprio grupo.
 
Uma garota que diz ter 22 anos relata que sempre gostou e teve atração por fraldas, "mas me achava louca", escreve. E recebe de volta mensagens de apoio: "Acho que todos os infantilistas passam por esses medos. Idas e vindas nesse mundo são bastante comuns também. Com o tempo você vai desenvolver sua estratégia para comprar e esconder as fraldas", responde um participante do grupo.
 
Para Thiago Sarkis, o infantilismo confirma uma teoria por muito tempo tomada como escandalosa e absurda. “Dentre muitas comprovações dos acertos freudianos, o infantilismo talvez seja o mais emblemático. Se em 1890, 1900, a ideia da criança como um ser sexualizado era um absurdo, parece-me não haver mais muito que questionar quanto à sexualidade na criança. As satisfações iniciais da vida sexual infantil estão expostas no infantilismo. E o sujeito não quer, de forma alguma, abdicar delas. Esteja este sujeito com ou sem fraldas”.