Mesmo que tenha ficado apenas duas semanas no “Big Brother Brasil” (“BBB”), seria injusto classificar como “passagem relâmpago” a participação do ator Lucas Penteado, 24, no reality da Rede Globo. A comparação mais correta, afinal, seria com um tsunami. Depois de, em uma festa, ter tido um comportamento considerado por outros participantes como inapropriado, o artista e ativista passou a ser alvo de ataques e sofrer com episódios de exclusão. Em fevereiro, ele abandonou o jogo, temendo que, também do lado de fora, encontrasse um ambiente hostil. Lucas não imaginava que suas dores haviam comovido a audiência e que, em vez do temido abandono, receberia acolhimento. A partir de então, pôde assistir, semana após semana, a cada um de seus algozes sendo eliminados - três deles com recordes de rejeição. E, agora, ao mesmo tempo em que aparece acompanhando e celebrando a derrota dos rivais em vídeos nas redes sociais, Lucas dá mostras de que aqueles fatos já estão superados, mas prefere não dizer abertamente se perdoa as ações dessas pessoas, se limitando a afirmar que não cabe a ele julgar ninguém.
A postura do ex-BBB soa como uma incógnita para parte do público. Ocorre que, enquanto Lucas parece ter uma atitude compassiva para com os ex-colegas de confinamento, parcela da audiência não esconde o desejo de vê-los condenados ao ostracismo, ou “cancelados” - para citar o fenômeno muito em voga em que uma pessoa é ejetada de uma posição de influência ou fama por conta de ações questionáveis. O dilema evidenciado pelo programa de televisão não está, de maneira nenhuma, descolado da realidade. “Percebo que o ‘BBB’ tem, em alguma medida, representado algumas questões da nossa sociedade, como a forma como lidamos com a diferença ou como manejamos nossos sentimentos”, sublinha a psicóloga e psicanalista Maraísa Abrahão, observando não apenas o que é transmitido pelas mais de 60 câmeras da casa, mas também a maneira como os telespectadores reagem ao que assistem.
No caso em questão, a psicanalista percebe a reação de Lucas à eliminação de seus rivais de jogo como algo absolutamente normal e esperado. “É querer demais que alguém que sofreu algum tipo de violência tenha apenas bons desejos para com o outro que lhe causou sofrimento. Então, é natural que ele vibre com a queda dessas pessoas. Mas isso é diferente de desejar o mal para elas permanentemente ou de contribuir para que algo ruim lhes aconteça”, argumenta.
Quando o rancor aprisiona
Maraísa Abrahão cita que há um limite que separa o alívio de se sentir vingado, alicerçado em um certo senso de justiça, do desejo tóxico de constante retaliação, estimulado pelo cultivar de emoções como o rancor e a mágoa. “Olhando para esse episódio, notamos que, quando o outro é eliminado, não concorre mais ao grande prêmio, isso é razão suficiente para que o Lucas fique satisfeito, se sinta bem, pois o outro já ‘pagou sua dívida’, digamos assim”, examina, acrescentando que essa mesma lógica deveria ser parte das dinâmicas das relações interpessoais, o que nem sempre acontece.
Reconhecendo que não ser incomum o relato daqueles que se percebem aprisionados pela raiva que passam a nutrir do outro, ela diz que, “quando o ressentimento se torna algo crônico e enraizado, é sinal de que o sujeito não conseguiu lidar adequadamente com um acontecimento e com o que aquele episódio gerou em si”. “O que estou dizendo é que esse ódio e essa incapacidade de perdoar dizem mais sobre a pessoa do que sobre o outro, que ela julga causadora de todo sofrimento”, sentencia.
A psicóloga Renata Livramento, fundadora e presidente do Instituto Brasileiro de Psicologia Positiva (IBrPP), concorda, sinalizando que, por uma série de fatores, algumas pessoas têm mais dificuldades para superar ressentimentos do que outras.
“Existem várias particularidades. Tem questões da personalidade, do perfil comportamental, da história de vida... Mas há elementos em comum. Um deles é a dificuldade desses indivíduos de lidarem com seus sentimentos, de identificar o que de fato estão sentindo, o que de fato lhes causou mágoa e até mesmo de entender o que deve ser feito naquele momento no sentido reparar essa situação”, avalia. Em outras situações, o sujeito pode não conseguir lidar com aquela dor e, então, transfere toda a culpa para o outro, sem perceber que ela também, eventualmente, pode ter falhado. “Nesse caso, a dificuldade de perdoar está relacionada à dificuldade de encarar nossas próprias sombras”, assinala.
Renata reflete ainda sobre o significado do perdão. “Perdoar não é tirar a culpa e não é esquecer. Se, de fato, houve agressão de qualquer ordem, aquele que cometeu esse ato deve ser responsabilizado. Não se trata, portanto, de tirar a culpa do outro. Estamos falando de outra coisa. Estamos falando de abrir mão do desejo de vingança, de não ficar remoendo esse ressentimento. O perdão é, no fim das contas, uma libertação da pessoa que sofreu a agressão, porque é ela que acaba se tornando refém de emoções que se tornam tóxicas”, analisa.
Função. Rancor e mágoa são sentimentos que causam desconforto, mas que possuem suas funções. “São importantes para nos mostrar que algo nos machuca, que algo não foi bom para nós e que precisamos resolver algumas questões”, diz Renata Livramento. Contudo, quando essas emoções deixam de ser apenas como um sinalizador de que algo precisa ser feito e vão se acumulando, é importante ligar o alerta.
Reação. A estudiosa adverte que esse comportamento pode afetar a saúde e o bem-estar, favorecendo a manifestação de quadros como a depressão e transtornos ansiosos, além de reverberar em outras disfunções, como enxaquecas e sintomas gastrointestinais de origem psicossomática. Em 2019, um estudo conduzido pela psicanalista Suzana Avezum também relacionou o ressentimento gerado por episódios do passado à ocorrência de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM).