Eles estavam no último ano do ensino médio naquele marcante 2004. Na confusão entre o desejo de aproveitar cada momento e pensar em sua carreira, por conta própria, Thiago Fagundes, à época com 16 anos, decidiu se transferir para outra sala de aula. Assim, por meses, até que a direção da instituição se desse conta da troca irregular, o rapaz tornou-se colega de classe de Tassiana Pacífico, que tinha 15 anos. A novidade da convivência inesperada veio acompanhada de flertes que logo evoluíram para alguns encontros, e, rapidamente, a história deles deu em um efêmero namoro. “Ficamos juntos um mês, mais ou menos. Depois, cada um seguiu seu rumo”, lembra ela.
O término, no entanto, não esgotou o carinho que um nutria pelo outro, e as redes sociais permitiram que, esporadicamente, voltassem a conversar. Passados 13 anos, voltaram a se esbarrar. Dessa vez, no estádio Mineirão, em um jogo do time do coração deles, o Cruzeiro. Naquele dia, alguma coisa – que não havia sido muito bem apagada em todo esse tempo – foi reacesa. Nos últimos anos, noivaram e planejavam se casar neste ano, mas precisaram adiar os planos por conta da pandemia da Covid-19.
Que a história deles pareça a breve resenha de uma comédia romântica, Tassiana e Fagundes acham graça. Contudo, concordam que, sim, a trajetória mexe com imaginários ao trazer à tona uma ideia de amor que sobrevive ao tempo – comumente celebrado nas mais diversas formas de manifestações culturais. E ela admite: “Para mim, e acho que para ele também, o que vivemos lá atrás foi muito importante. Só que, de verdade, não tenho certeza se estaríamos juntos se tivéssemos continuado com aquele namoro ainda muito imaturo”.
Essa memória afetiva que, aos 31 anos, a bancária traz da primeira vez que se relacionou com o analista financeiro é o elemento fundamental também em tantas outras histórias parecidas. “Quando a gente ama alguém, independentemente da época, a gente investe naquela pessoa desejo, carinho e afeição, por exemplo. Um investimento que não vai desaparecer se, naquele momento, não podemos vivenciar esse amor. Pelo contrário, ele vai permanecer. E, assim, ao se ter a possibilidade de reviver essa relação, os sentimentos investidos podem retornar”, analisa Leni Oliveira, psicóloga clínica e coordenadora do núcleo de relacionamento e casal do Núcleo de Psicologia Seu Lugar.
Mas, se há uma idealização do outro, algo comum nessas histórias, a tendência é que o relacionamento não prospere nem sequer ultrapasse a marca de alguns poucos reencontros – o que, no jargão dos ex-amores, atende por “recaída” ou “remember”. Isso porque, ao se perceber que as expectativas criadas não correspondem à realidade, que o outro é diferente daquilo que se imaginou, esses sentimentos investidos se dissipam, como explica a mentora de relacionamentos Waldete Japiassu. E, afinal, a história pregressa e as boas memórias não sustentam uma relação, completa Leni. “Relações só se sustentam se houver troca entre as partes”, garante ela, que em seu cotidiano de atendimentos já conheceu casos parecidos.
Ao saber sobre o tema da reportagem, a psicóloga lembra de pronto de um deles: viúvos, já com seus filhos e netos, um casal que namorou na adolescência se reencontrou décadas depois, quando voltaram a se relacionar. “Fica muito evidente como o componente maturidade é importante”, diz. O ponto é levantado também por Fagundes. “Acredito que a gente se reencontrou na hora certa. Hoje, estamos mais certos do que queremos do que naquela época”, comenta. Daria para dizer até que o reencontro aconteceu também no “lugar certo”: no jogo válido pela Primeira Liga, eles saíram do Mineirão celebrando a vitória, por 2 a 1, no clássico contra o Atlético.
Separação precisa é fonte de sofrimento que precisa ser elaborada
É fácil encontrar pelas ruas da capital mineira cartazes que prometem, em poucos dias, “trazer o amor de volta”. A farta oferta pelos serviços espirituais como a “amarração amorosa” – que promete unir novamente “pessoas que se amam verdadeiramente, mas que, infelizmente, estão separadas” – é indício de como parece comum o desejo de reviver uma relação já datada. Um apelo que explicita como términos podem ser difíceis a ponto de parecerem insuportáveis.
“Estamos falando de duas coisas: um atravessamento cultural e seus impactos psicológicos”, avalia Leni de Oliveira. “Na cultura ocidental, entendemos o amor por um viés romântico. E não estou falando de mandar bombons e flores. Quero dizer que esse sentimento tem componentes específicos: no amor romântico aprendemos que somos incompletos e que o outro ideal vai nos completar”, explica, comparando a situação a um comportamento infantilizado, em que se abre mão da autonomia, estabelecendo uma relação de dependência, “como se sempre precisasse do outro para ser feliz, para ser cuidado”, pontua.
Em última instância, ao imaginar que o outro nos completa, a separação pode ser interpretada como a perda de uma parte de nós. É esperado, portanto, que términos causem sofrimento – que, somatizado, pode levar à manifestação de dores físicas, como no caso da síndrome do coração partido, em que, por razões emocionais, a pessoa sente sintomas do infarto, embora, fisiologicamente, esteja bem.
A dor da separação costuma ser maior naquele que se sentiu abandonado, observa Waldete Japiassu. “Embora uma das partes tenha dado sinais, a outra, que sente que foi deixada, não os percebe. Então é muito comum que relatem surpresa, dizendo que acabou do nada, que os problemas poderiam ser contornados”, indica. Um outro comportamento comum é a vitimização: “A tendência é transferir a culpa do nosso sofrimento para o outro. Vamos dizer, por exemplo, que ele deixou de lutar e de acreditar naquele amor”.
A consultora de relacionamentos ainda lembra que o desejo de reatar costuma ser mais comum naqueles que se sentiram abandonados. “Quem termina um relacionamento tem na lembrança os motivos do término, já quem é ‘deixado’ tem na lembrança o lado positivo daquela experiência”, diz, citando que a baixa autoestima aparece como um componente recorrente nessas histórias.
Por fim, por haver ainda uma confusão de sentimentos: “A pessoa pode nutrir carinho e admiração pelo ex, o que não significa que ama aquela pessoa no contexto de um namoro ou casamento. E pode ter consciência de ter vivido uma boa experiência, que pode ser preservada como memória, mas que, talvez, seja de um momento muito específico, que não vai mais se repetir”.
Quando o amor perdido se converte em obsessão
“O processo de separação se torna problemático quando há dificuldades em elaborar essa perda, que é um luto”, situa Leni de Oliveira, lembrando que o tempo de elaboração vai variar de pessoa para pessoa. O fundamental é que, apesar do sofrimento, as partes daquela relação entendam que a vida continua. O problema é que essa construção cultural do amor romântico faz com que os términos ganhem ares ainda mais dramáticos. “O sujeito vai pensar que perdeu o grande amor da vida dele, que só havia uma alma gêmea… Ideias que, mais uma vez, dialogam muito com um universo infantil”, avalia.
Essa lógica favorece a romantização de entendimentos distorcidos do que é o amor. “Existem comportamentos que são abusivos e demonstram uma inclinação para a obsessão. Pessoas que vão perseguir, que vão stalkear e que vão se recusar a aceitar o não do outro. E essas ações ainda são vistas como fruto de um amor muito intenso”, critica. Para Leni, este é um posicionamento com características narcísicas, em que se olha para aquele indivíduo e se vê nele um objeto, como se fosse uma posse.
“Uma pessoa com um comportamento obsessivo não consegue movimentar, fazer com que essa energia da vida circule. Ela fica fixa e presa. Começa a desenvolver rituais e criar teorias mirabolantes para reviver aquele passado. E a gente vai usar o termo ‘amor’ para falar disso. Acho inadequado. O amor erótico é algo que deveria ser maduro, ter característica de maturidade, e seria justamente o oposto disso”, complementa. Há vários desfechos para esse comportamento, “algo que pode gerar um grande sofrimento individual, levando até à depressão, e que pode implicar em episódios de violência e até feminicídio”, alerta.
Construção. Um bom passo para construir relações mais saudáveis é não personificar o amor. “Esses cartazes que dizem trazer o amor de volta deveriam, na verdade, falar em trazer o objeto de amor de volta. Porque o sentimento não é a pessoa, mas sim o que construímos com ela”, comenta Leni de Oliveira. Para ela, o amor é o oposto da obsessão e deve estar pautado pelo respeito a individualidade. “Não é sobre ser desapegado e deixar partir. É sobre entender que o outro não é minha posse, que sou responsável por mim e o outro é responsável por si. E isso não quer dizer que, em uma eventual separação, eu não vá sofrer. Mas é necessário entender também que até esse sofrimento é problema meu”, conclui.