Simples coincidência, mera fatalidade ou a morte de centenas de pessoas em desastres aéreos, tsunamis e terremotos seria algo já planejado antes mesmo de o espírito reencarnar?
Divaldo Franco, um dos maiores líderes espíritas do Brasil cita o “Livros dos Espíritos”, de Allan Kardec, para explicar o porquê dessas mortes em massa. “Os benfeitores da humanidade explicam que o propósito da divindade é fazer a sociedade progredir e que dentro das soberanas leis, somente nos acontece aquilo de que temos necessidade para evoluir. A lei de causa e efeito estabelece os parâmetros não somente dos resgates coletivos, mas também das técnicas que induzem os indivíduos a essa provação”.
Ainda de acordo com o livro de Kardec, o objetivo é fazer com que o indivíduo avance mais depressa. “As calamidades são frequentemente necessárias para que as coisas cheguem mais prontamente a uma ordem melhor, realizando-se em alguns anos o que necessitaria de muitos séculos. São provas que proporcionam ao homem a ocasião de exercitar a inteligência, de mostrar sua paciência e sua resignação ante a vontade de Deus, ao mesmo tempo em que lhe permite desenvolver os sentimentos de abnegação, desinteresse próprio e amor ao próximo”.
Marcelo Gardini, segundo vice-presidente da União Espírita Mineira, diz que o médium Chico Xavier sempre falava que os resgates em massa acontecem em momentos de transição. “Geralmente eles acontecem quando um grupo de pessoas precisa passar por determinada prova de “desencarne” ou desencarnação. Por meio da misericórdia divina, essas pessoas são encaminhadas para experienciar juntas uma tragédia, a fim de sanar débitos coletivamente. No acidente com a Chapecoense, por exemplo, um dirigente não embarcou, e sobreviveram quatro pessoas. Eles não tinham que vivenciar aquele desencarne”.
O dirigente explica que cada espírito recebe um planejamento reencarnatório antes de retornar ao corpo de carne. “É quando o plano espiritual decide quais experiências serão vividas por aquele ser para seu aprimoramento. No entanto, cada pessoa tem o livre-arbítrio e pode fazer escolhas que podem suavizar ou piorar suas dívidas. Nossas ações podem amenizar ou não nosso saldo pretérito”, comenta.
Quando reencarna, o indivíduo esquece suas vivências no plano espiritual e também os compromissos assumidos. “O espírito não traz essas lembranças, pois passa pela nuvem do esquecimento. Ao longo de nossa trajetória pode acontecer, mediante nossa maturidade espiritual e nossas necessidades, de algo desse compromisso ser revelado. Mesmo nos desencarnes coletivos, quando o contexto é o mesmo, cada pessoa vivencia uma experiência individual. Nenhum desencarne é igual ao outro, e é preciso que busquemos compreender a razão da dor”, pondera Marcelo.
Márcio Veloso de Castilho, instrutor da Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e Culturais, diz que os resgates coletivos são a soma do que os indivíduos fazem. “São, na verdade, uma questão de causa e consequência. O que a gente faz no mundo gera consequências. As pessoas atuam conjuntamente sobre o mundo, gerando consequências coletivas. Por exemplo: em uma cidade grande como Belo Horizonte, todas as pessoas que andam de carro afetam o meio ambiente com os gases do escapamento, causando desequilíbrio da atmosfera, chuvas ácidas, aquecimento e poluição do ar. Cada indivíduo faz sua parte, mas todos vão sofrer as consequências”.
Márcio comenta que nem tudo na vida é automático. “Temos nossa parcela de responsabilidade também pelas ações de vidas passadas, pois elas geram consequências, que podem ser imediatas ou demorar um pouco mais. Nada é rígido, uma vez que todo indivíduo pode mudar suas ações e, consequentemente, as consequências”, diz Márcio.
Pessoas se ligam pelas necessidades cármicas geradas em outras vidas
Para João Carvalho Neto, psicanalista e autor dos livros “Psicanálise da Alma” e “Casos de um Divã Transpessoal”, a lei do carma é uma tese mais do que confirmada “em nossos consultórios quando lidamos, no dia a dia, com os sintomas atuais de nossos pacientes sendo explicados, por meio da regressão, por comportamentos de outras vidas que geraram consequências para o presente”.
Segundo ele, esse princípio está de acordo com a lei de sincronicidade proposta por Carl Gustav Jung. “Ele percebeu que o inconsciente humano está ligado a uma macroestrutura, o inconsciente coletivo, de onde é influenciado com base nas suas necessidades de harmonização. Nós nos ligamos pelas necessidades cármicas geradas em outras vidas, não pelos fatos em si mesmos, mas por seus significados, a outras pessoas e ao inconsciente coletivo, vivenciando experiências comuns a que somos conduzidos inconscientemente”, diz o psicanalista.
Depoimento
Monja Isshin Havens, missionária zen budista
“Para o zen budismo, que é uma religião bastante pragmática, um acontecimento que leva a mortes em massa como, por exemplo, o tsunami de 2011 no norte do Japão, nos causa um grande choque e nos leva a buscar explicações que possam dar significado para o acontecido, pois a vida, nesse tipo de situação, perde sentido e acaba parecendo terrivelmente impessoal e indiferente.
No zen, focamos muito mais naquilo que está efetivamente acontecendo no momento presente em vez de ficar querendo saber por que algo aconteceu e de onde veio, pois consideramos a morte como nada mais que uma parte natural do ciclo da vida.
Nosso foco está mais voltado para cuidar dos vivos e o desenvolvimento de meios para evitar a repetição de outro desastre semelhante do que ficar buscando explicações metafísicas.
De qualquer forma, acreditamos que o fluxo de consciência de cada um continua após a morte. Não elaboramos conceitos como o de carma coletivo, para tentar explicar tragédias que ceifam milhares de vidas”.