Mãe do pequeno Arthur, de 5 anos, a advogada Marina*, 30, confessa que costuma ter problemas com os pais no trato com o filho. “Eles acabam atrapalhando na criação porque acham que sabem mais e querem impor o jeito deles de cuidar”, conta. A situação de Marina acaba sendo comum a muitas outras mães. Não por acaso, é quase um costume dizer que os avós “estragam” os netos. O argumento principal é que os patriarcas e as matriarcas da família acabam não impondo tantos limites aos pequenos. Doces, televisão e eletrônicos sem limites e uma rotina mais liberal costumam ser questões pontuadas pelos pais. 

A psicóloga Renata Borja, especialista em terapia cognitivo-comportamental, pontua que, antes de qualquer julgamento, é importante destacar que as responsabilidades de pais e avós são distintas – isso, claro, em situações em que os filhos não são criados apenas pelos mais velhos. “O avô e a avó podem ajudar (na criação), mas eles possuem papéis diferentes. Aos pais, cabe uma atitude mais impositiva nos limites e na educação, porque as crianças precisam disso para crescer de forma saudável – assim como elas precisam também do afeto, e esses dois devem ser dados na mesma medida. É necessário saber ouvir ‘não’, mas também é preciso ter afeto e acolhimento”, diz.  

Esse acolhimento pode vir, muitas vezes, dos avós. “Eles podem acabar sendo mais afetivos e mais pacientes nas intervenções porque já criaram os filhos, já viram onde erraram e, por isso, acabam tendo a capacidade de serem mais acolhedores, e isso é muito importante para o desenvolvimento de uma criança”, explica.  

A especialista ressalta, porém, que é preciso ter cuidado com excessos. “Vamos pensar em uma criança que acaba ficando muito com a avó, por exemplo, e ela é uma pessoa extremamente superprotetora. O prejuízo não é por ela ser a avó, mas sim pela forma como a criança é tratada. A superproteção faz com que a criança perca a capacidade de ter recursos de enfrentamento para os problemas, e isso pode elevar a ansiedade”, exemplifica.  

Vilã da história 

Diante dos desafios da criação de uma criança, o equilíbrio entre a rigidez e o afeto são fundamentais. É justamente para equilibrar a forma como os pais dela lidam com o filho que a advogada Marina acaba tendo que ser mais dura com o pequeno. “Isso acaba sendo muito difícil, porque eles são muito ‘moles’, e eu acabo sendo rígida, já que, na comparação, eu sou a única que tem o pulso firme. Por eles, o Arthur faz tudo o que quer, e não é assim”, diz ela, confessando que acaba se sentindo como a “malvada” da história. 

Para evitar que situações como essa aconteçam, o diálogo entre pais e avós é fundamental. “É preciso existir respeito, boa vontade, capacidade de ouvir uns aos outros e uma busca pelo mesmo objetivo. Não tem que ser uma disputa sobre quem está certo ou errado, é preciso existir uma parceria em prol da criança”, explica a psicóloga.  

De acordo com Renata Borja, também é importante que algumas atitudes sejam evitadas. “Os avós não podem interferir na educação dada pelos pais, e isso não tem nada a ver com poder ou não cuidar do neto. O que não deve existir é uma desautorização dos limites já impostos”, destaca. Ela explica que, em caso de discordância com alguma postura ou conduta, a conversa deve acontecer longe das crianças, e não no momento de chamada de atenção, por exemplo.  

A estimulação de maus hábitos é outro ponto a ser evitado. “Alguns avós acabam incentivando costumes que não são saudáveis, e isso não acontece necessariamente por maldade, mas sim como uma forma de agrado”, pondera. “Às vezes o neto vai à casa do avô todos os dias e ganha um monte de chocolate, então isso precisa ser observado”, completa, exemplificando a situação com o caso de uma criança que, pré-diabética e com pressão alta, ganha muitos doces dos avós. “Eles também têm que compreender e fazer parte do processo de criação da criança, saber o que elas podem comer e o que não podem. É tudo uma questão de equilíbrio e bom senso”, afirma. 

Conflito de gerações pode dificultar a relação 

O pediatra Tomaso Zanato Francia conta que é recorrente que pais e avós se envolvam em situações conflitantes durante a criação das crianças, principalmente pelas diferenças de crenças entre as gerações. “Existem ideias que lá no passado eram bem aceitas, mas que hoje mudaram e ainda são replicadas pelos avós, e isso pode fazer com que a relação com os pais da criança não seja tão boa assim”, conta o médico.  

Ele exemplifica a situação com coisas comuns como as crenças de que “pegar friagem” ou “andar descalço” podem ser prejudiciais. “A gente sabe hoje que esses são mitos e por isso gosto de orientar os pais. Às vezes peço até para que eles tragam os avós aqui para que eu possa explicar tudo ou então digo que podem colocar a culpa em mim, que foi um pedido do pediatra”, conta.  

Mesmo que existam divergências por conta das diferenças geracionais, o contato das crianças com gerações diferentes é importante para que haja um desenvolvimento saudável. Além disso, os avós também constituem uma parte fundamental da rede de apoio tão necessária para pais e mães. “Eles são indispensáveis. Poder contar com alguém da família, uma pessoa de confiança para cuidar dos filhos, é tranquilizador”, ressalta o pediatra.   

A psicóloga Renata Borja reforça o coro, pontuando a importância não só de que os pais tenham uma rede de apoio, mas que ela seja de qualidade. Como ela explica, o contato com pessoas da família reforça que os valores compartilhados naquele núcleo sejam repassados às crianças. “O ideal, claro, é que seja tudo combinado e conversado, para que as pessoas cumpram os seus papéis”, conclui.