Dançar a vida, os afetos, deixar o corpo fluido, livre, sem amarras. Valorizar o olhar, o toque. Assim é a biodança ou biodanza, sistema de integração humana criado pelo psicólogo e antropólogo Rolando Toro na década de 60, no Chile. “É considerado um sistema transdisciplinar, pois utiliza fundamentos da psicologia, da biologia, da antropologia, da sociologia, da filosofia e da mitologia”, comenta Adriana Pirola, psicóloga, facilitadora e diretora da Escola Biodanza Viva.
Toro parte do pressuposto de que todo indivíduo tem potenciais inatos e que, se estiver em um ambiente propício, eles podem se manifestar, fortalecendo a identidade. “Em suas pesquisas, ele descobriu que esses potenciais têm relação com as aspirações humanas a uma vida de plenitude, ou seja, todos nós, humanos, desejamos uma vida saudável, feliz e com autorrealização”, diz Adriana.
Enfim, emenda a professora: “A biodanza nos convida a resgatar nossa humanidade, a vivenciar processos, a cuidar de vínculos nutritivos, a promover a saúde, crescer pelo amor, reconectar-se com a sacralidade da vida e a favorecer o desenvolvimento de valores e potenciais humanos”.
O chileno Toro considera que a expressão desses potenciais se dá por meio de cinco linhas de vivência: vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência.
“A vitalidade tem relação com a saúde, o ímpeto vital, a alegria de viver, a capacidade de nos recuperarmos de um estresse e com a capacidade de renovação e autorregulação”, diz Adriana.
A sexualidade, comenta ela, “tem a ver com prazer, reprodução, desejo, vínculo sexual com nossa capacidade de se orientar pelo prazer, não só erótico, mas de se permitir prazeres em geral, desde comer uma comida que se gosta até desfrutar de um pôr-do-sol. A função é a perpetuação da espécie, despertar o desejo e buscar o prazer. O instinto é o sexual”.
A criatividade nos conecta com a inovação, construção, imaginação, ousadia e espontaneidade. “Ela nos leva a ser cocriadores de nossa existência, a expressar nossa singularidade, ter liberdade de trazer nossa autenticidade. Sua função é de adaptação e integração. O instinto é exploratório, o impulso para inovar”, ensina a professora.
Já a afetividade está relacionada ao amor, à amizade, ao altruísmo, à solidariedade, à empatia. “Nossa capacidade de afetar e ser afetado, de ter amigos, construir relações autênticas e significativas com a família e com os pais. Isto é vital para o ser humano. Sua função é estimular e desenvolver a cooperação e a solidariedade. E o instinto é o gregário”, observa Adriana.
E, por último, a transcendência. “Ela nos faz estabelecer uma conexão com a natureza e ter sentimentos de pertencer ao universo. Nossa transcendência pode ser vista quando indagamos qual significado da nossa existência, de onde vem tanta beleza, de onde vem tanta vida, qual a origem das coisas, deve existir algo maior que nossa simples identidade, deve existir algo maior que os cinco sentidos. Sua função é a busca de harmonia, e o instinto é o de fusão e dissolução”, observa.
Dançar é a forma proposta para se acessarem esses potenciais, que podem estar adormecidos. “Por seus conteúdos emocionais e arquetípicos, a dança, na visão de Rolando Toro, pode levar o dançarino a entrar em contato com seus potenciais adormecidos, e assim, despertá-los”, propõe Adriana.
SERVIÇO: A Escola Biodanza Viva oferece a formação para facilitadores de biodanza e grupos semanais. Para saber mais: Instagram: @escolabiodanzaviva
Prática propõe reeducação afetiva
Desde 2017, a biodanza é reconhecida pelo Ministério da Saúde como prática integrativa complementar em saúde e é oferecida pelo Sistema Único de Saúde. “Além de promover a saúde, a prática é um caminho em que o ser reaprende a olhar, a tocar e a ter uma reeducação afetiva, um percurso, por vezes, pouco valorizado em uma sociedade que privilegia o pensamento, o intelecto e a racionalidade”, reflete a facilitadora Adriana Pirola.
A biodanza privilegia a afetividade. “Realizamos o ritual do encontro, fisicamente representado pelo abraço e seu processo terapêutico pressupõe o contato físico, a carícia, aspecto raro de se ver em terapias corporais. E como é importante essa conquista diante de uma sociedade repressiva de corpos, de afetos e de prazer”, ressalta Adriana.
A sessão semanal de biodanza dura normalmente duas horas e é superindicada também para a saúde do idoso. “A prática possibilita dar um novo sentido às suas vidas e melhora a qualidade de vida daqueles com a saúde mais debilitada”, finaliza a Adriana. (AED)
Depoimento
Vínculos formados são muito potentes
Após vivenciar a biodanza algumas vezes, Helena de Ligório Villas Bôas, analista do judiciário do Tribunal do Trabalho e doula, resolveu frequentar um grupo regular. “Fiquei encantada com a potência do trabalho. Eu me senti mais viva e alegre ao experienciar o encontro com outras pessoas e o movimento do meu corpo. Despertei em mim emoções cristalizadas”, comenta.
Helena revela que a prática criou um espaço de humanização interna. Resgatei minhas características e potencialidades. Meu desejo era uma conexão mais profunda com o meu sentir e com meu próprio corpo. Também desejava muito ser mais espontânea, segura de mim e encarar com mais naturalidade o contato físico com outras pessoas”.
Dançando há aproximadamente seis anos, Helena considera: “A biodanza despertou o prazer de viver, de habitar meu corpo, de ser eu mesma. Ela me traz respeito, carinho e compaixão pelo ser humano e tudo que é vivo. Transformou meu modo de olhar para mim e para o outro, de forma mais amorosa e compassiva. É um espaço de nutrição emocional, de não julgamento, de suporte e apoio em momentos difíceis”.
No ano passado, Helena esteve gravemente doente, mas não deixou de entrar nas aulas online. “Tive o conforto de saber que eu era bem-vinda como se estivesse lá, mesmo não podendo oferecer nada. Aliás, ganhei amigos especiais para a vida toda, pois os vínculos formados são muito fortes. Sou apaixonada pela mágica da biodanza”, finaliza. (AED)
Benefícios
* Aumenta a autoestima, desenvolvendo a empatia, a cooperação e a fluidez na vida;
* Estimula a vitalidade e a alegria de viver;
* Permite a expressão das emoções;
* Propicia relacionamentos nutritivos e melhora a comunicação pessoal;
* Resgata o equilíbrio orgânico, diminuindo o estresse;
* Aumenta a percepção da sacralidade da vida.