Fazia poucos dias que um novo exame havia entrado na rotina do Hospital Israelita Albert Einstein quando os profissionais de análises clínicas receberam uma amostra de sangue de um paciente vindo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo. O homem, de 53 anos, apresentava febre, icterícia e olhos avermelhados, sintomas típicos da febre amarela.
Os médicos que o atenderam já haviam realizado exames para investigar, além da febre amarela, dengue, chikungunya e zika, e todos deram negativo. A equipe decidiu, então, recorrer ao Albert Einstein para que uma análise mais minuciosa fosse feita.
Infelizmente o homem não resistiu, mas o resultado, que saiu em 11 de janeiro, concluiu que a febre hemorrágica foi causada pelo arenavírus. “Foi uma surpresa para nós”, relata Deyvid Amgarten, aluno de doutorado do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Bioinformática da USP e um dos criadores do teste.
Análise. Viroma é o nome que a equipe do Albert Einstein – da qual Amgarten faz parte – deu ao teste genético. O exame é inédito e analisa o material genético de todos os patógenos presentes no organismo de um paciente, incluindo os vírus. Metagenômica é a técnica que permite obter dados de microorganismos de um determinado habitat sem a necessidade de isolar e cultivar cada um separadamente.
O viroma funciona assim: com a amostra de sangue em mãos, faz-se uma separação do material genético do paciente e dos patógenos presentes no material. Extrai-se o RNA e separa-se o que pertence ao vírus e o que é do hospedeiro humano. O RNA é sequenciado e comparado aos vírus catalogados em diferentes bancos de dados, até que seja identificado de qual se trata.
Para que um exame como esse entre em operação, são necessários vários estudos e diferentes testes. No caso do viroma, após um ano de trabalho, ele foi liberado. A validação do exame foi feita depois da realização de testes em 49 amostras. “Todas as etapas foram desenvolvidas aqui, no Brasil, e eu fui o responsável pela bioinformática do projeto”, comemora Amgarten.
Mortalidade em torno de 30%
O arenavírus é um tipo de febre hemorrágica rara, mas de alta letalidade. A transmissão acontece pela inalação de pequenas partículas de urina, fezes ou saliva de roedores silvestres suspensas no ar, além de mordidas de animais.
O período de incubação dura de sete a 21 dias, e os principais sintomas são febre, mal-estar, manchas vermelhas pelo corpo, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, além de sangramento de mucosas como boca e nariz. Depois de quatro ou cinco dias, os sintomas pioram, podendo evoluir para convulsões e coma.
O arenavírus brasileiro foi identificado pela primeira vez nos anos 90 e leva o nome de Sabiá, bairro da cidade de Cotia, em São Paulo, onde foi descoberto. O tipo que apareceu agora tem 88% de similaridade genética com o Sabiá. “É bem similar, mas, com apenas um paciente infectado, não há como saber ainda se é um vírus mais ou menos agressivo”, explica Camila Romano, virologista do Instituto de Medicina Tropical. “A mortalidade dos vírus desse mesmo grupo gira em torno de 30%, quando é tratado tardiamente”, diz.