Comportamento

Como viagens podem trazer benefícios para os relacionamentos

Estudos apuram qual seria o ponto de equilíbrio entre o momento em que férias deixam de ser prazerosas para serem tediosas


Publicado em 01 de fevereiro de 2023 | 06:30
 
 
 
normal

“Na psicologia conjugal, costuma-se utilizar o conceito de ‘curto-circuito’, fazendo analogia a um sistema elétrico, que entra em curto-circuito quando sobrecarregado. Assim, quando os casais se sobrecarregam, por exemplo, vivendo exclusivamente para os filhos, não se abrindo para se relacionar outras pessoas, como familiares e amigos, ou não saem da rotina, como se faz em viagens, eles podem se estressar, ou, em outras palavras, ‘entrar em curto-circuito’. Quando isso acontece, podem brigar por pequenos desentendimentos do dia a dia, como dois fios desencapados que não podem se encostar. Cuidar para que o casal não se estresse com a rotina diária, não se sobrecarregue e entre em curto-circuito é fundamental. E viajar é uma excelente saída para renovar o ambiente familiar rotineiro, para produzir sonhos e novas expectativas para o relacionamento, para reforçar a intimidade conjugal, para se desestressar e voltar para o dia a dia com mais energia e esperança”. 

A análise é do psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça, especializado no atendimento a casais e famílias, e encontra respaldo em pesquisas que relacionam vantagens das viagens de descanso e lazer à saúde e ao bem-estar – inclusive para os relacionamentos. Mas será que existe um período ideal para se tirar férias e viajar a dois? Quanto mais, melhor? Ou, para os casais, períodos de descanso fracionados são o ideal? 

Embora não existam muitas pesquisas sobre o tema, já conseguimos encontrar esparsas iniciativas científicas que tentam responder a essas questões. Para a neurociência, por exemplo, o prazer do turismo está relacionado à ação da dopamina, neurotransmissor liberado pelo cérebro em resposta a atividades recompensadoras e que gera bem-estar. Há indícios de que a expectativa em relação a novas experiências desejadas gera o aumento da produção da substância. O mesmo acontece quando estamos diante de algo que nos desperta sensação de familiaridade. O grande dilema é que, quando as experiências deixam de ser novas e há uma superfamiliaridade com o ambiente, o cérebro deixa de ser estimulado a liberar dopamina e, então, o prazer dá lugar ao tédio. 

Na tentativa de encontrar qual seria esse frágil ponto de equilíbrio, um estudo finlandês divulgado pelo jornal espanhol “El Mundo” assegurou que o período ideal de férias seria de apenas cerca de uma semana. “As provas reunidas até agora indicam que o efeito saudável das férias é idêntico quer durem oito ou 15 dias”, garantiu Jessica de Bloom, pesquisadora ligada à Universidade de Tampere que liderou o projeto. 

Contudo, outros estudos divergem desses achados, caso de uma pesquisa da Universidade de Ciências Aplicadas de Breda, na Holanda. Segundo o professor Jeroen Nawijn, em entrevista ao conglomerado de mídia britânico BBC, sua pesquisa sobre o estado de espírito de 481 turistas, a maioria em viagens de cerca de duas semanas, não encontrou evidências de ter encontrado esse ponto em que as férias deixariam de ser prazerosas para ser entediantes. Mas, para ele, “isso definitivamente poderia acontecer em viagens mais longas”. 

Cada um, cada qual 

Ecoando toda essa incerteza, Mendonça sustenta não existir uma forma ideal para se tirar férias. “Todavia, quando fracionadas, elas permitem mais viagens ao longo do ano, e viajar faz bem para os casais. E desestressar-se várias vezes ao longo do ano pode sobrecarregar menos o casal, evitar que a rotina diária o faça entrar em curto-circuito”, reconhece. “Contudo, existem pessoas que consideram que não descansam adequadamente em férias fracionadas, e a experiência pessoal vale mais que estudos ou reflexões sobre o que é melhor para a maioria das pessoas”, pondera. 

Já Caio Bittencourt, diretor de comunicação da plataforma de relacionamentos MeuPatrocínio, acredita que, de fato, as férias curtas tendem a ser mais proveitosas para o relacionamento. “Elas permitem que casais criem memórias únicas e muito marcantes, além de não permitir que enjoem ou se estressem com a companhia do outro logo de cara, por ser pouco tempo. Oito dias permitem que os casais encontrem um equilíbrio na relação, proporcionando tempo suficiente para recarregar as baterias, ao mesmo tempo que dão aos parceiros tempo de qualidade suficiente para se sentirem confortáveis com o outro e aprofundar sua conexão”, sustenta. 

“Outro benefício dessas viagens curtas é em caso de algo dar errado na química do casal; em caso de alguma incompatibilidade, estar do outro lado do mundo com a pessoa que não está te fazendo bem, tendo mais 20 dias de viagem pela frente, é complicado – além de economizar tempo em uma relação fadada ao fracasso, algo mais simples de se resolver em viagens mais curtas”, complementa. 

Mas, ainda que acredite que os passeios curtos sejam mais benéficos para a relação a dois, Bittencourt reconhece, nas viagens, sejam elas longas ou diminutas, uma ocasião ímpar para a construção de laços mais significativos. “Todo mundo precisa de um tempo longe da agitação da vida cotidiana, e as férias podem fazer maravilhas para sua conexão e felicidade geral no relacionamento. Uma viagem de férias em casal é a situação perfeita para que eles se conheçam um pouco mais e terem certeza se aquela é a companhia que querem para a vida. Longe dos afazeres do dia a dia, é possível ter outra percepção sobre o parceiro. O tempo juntos pode fazer com que a relação fique mais intensa e o casal tenha certeza do que quer”, sustenta. 

Para ele, entre os benefícios estão a aproximação, que leva a um vínculo mais forte no relacionamento, um conhecimento maior sobre o outro, suas opiniões e preferências, a reação a situações adversas e uma oportunidade perfeita para se aproximarem sexualmente também. 

Viagens ajudam casais com filhos a continuarem a ser casais 

O psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça explica que, em família, um casal exerce múltiplas funções, como cuidar dos filhos e deles mesmos; a satisfação da vida em família deve aparecer tanto no exercício da função paterna quanto na vivência conjugal. “Pais que são exclusivamente pais podem se estressar, entrar em curto-circuito. A vida conjugal insatisfatória pode levar os cônjuges ou apenas um deles a se envolver com mais intensidade com os filhos, deixando a relação de lado. Isso produz problemas, muitas vezes desencadeando um padrão rígido de envolvimento excessivo com os filhos e insuficiente com o cônjuge”, avalia, asseverando que os casais com filhos precisam continuar a ser casais, não se tornarem apenas pais.  

Nesse sentido, segundo o especialista, viajar a dois pode ser uma excelente forma de manter o relacionamento aceso e reforçar a intimidade frequentemente prejudicada pelo cuidado dos filhos. “O que deve manter uma família unida é o relacionamento conjugal. Quando os filhos exercem essa função, muitos conflitos costumam aparecer, e certamente uma vida insatisfatória estará presente”, diz.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!