“Sabe o tipo de amigo que não entende quando a gente diz ‘não, obrigada’ para aquele convite de última hora para uma balada, e que fica insistindo mesmo depois de várias negativas?”, indaga a bióloga Sara Cruz, 23, com um tom de incredulidade na voz.  

“Pois é esse tipo de gente que me deixa desesperada e me sentindo impotente”, diz ela sobre pessoas que têm dificuldade de aceitar uma recusa como resposta. 

Embora faça parte da vida, ouvir um “não” nem sempre é fácil. Mas por que será que há quem consiga aceitar as frustrações do dia a dia numa boa, enquanto outros simplesmente não sabem lidar com as respostas negativas? 

Segundo estudiosos, nossas reações diante dos desapontamentos que enfrentamos estão diretamente ligadas à forma que somos educados ainda na infância. 

“Nosso processo de desenvolvimento depende da educação que recebemos no período infantil. Quando nossos pais nos dizem ‘não’ nessa fase, eles estão contribuindo para o fortalecimento emocional que nos acompanhará pela vida inteira”, salienta a psicóloga clínica Márcia Moreira. 

Ela explica que essa imposição de limites serve principalmente para nos informar que existem outros interesses e vontades além dos nossos próprios. Dessa forma, aprender a ouvir “nãos” é necessário para o nosso desenvolvimento como seres sociais. 

“Um dos motivos que levam as pessoas a achar difícil ouvir ‘não’ é exatamente o fato de não terem sido reguladas na infância. Por exemplo, quando os pais negam um pedido exagerado ou limitam um comportamento inapropriado da criança, isso funciona como um treino para o cérebro. Quando isso não acontece durante o processo de desenvolvimento, a pessoa tende a sofrer muita dor emocional sempre que recebe uma rejeição”, acrescenta. 

Uma criação permissiva e protetora, então, pode gerar adultos incapazes de sentir empatia e donos de uma percepção distorcida tanto de si mesmos quanto dos outros, declara a psicóloga Juliana de Oliveira Rosa. 

“Pais superprotetores podem dificultar a capacidade dos filhos de desenvolver o sentimento de consideração pelo outro. Crianças precisam de limites para alcançar um desenvolvimento emocional saudável”, considera. “Uma educação muito permissiva quase sempre gera pessoas inseguras, com pouca autoestima e que não sabem como responder a determinadas situações sociais de forma empática”, completa. 

Dannielle Starling, psicóloga clínica, psicanalista e professora de psicologia do Centro Universitário Una, observa ainda que pessoas que receberam poucas negativas na infância costumam exibir alguns sinais comportamentais distintos na vida adulta. 

“Aqueles que só escutam ‘sim’ ao longo da vida muitas vezes se tornam pessoas inábeis socialmente, caprichosas e pouco solidárias aos outros. Muitos acabam deprimidos por se sentirem incapazes de encarar as imposições da realidade”, alerta ela. 

Nesse sentido, é possível dizer, então, que aqueles que carecem de habilidade para lidar com qualquer negativa correm grandes riscos de se tornarem arrogantes e autoritários? 

“O excesso do ‘sim’ no desenvolvimento infantil pode trazer prejuízos, tanto no âmbito emocional quanto no social. Porém, não podemos afirmar categoricamente que isso vá gerar adultos prepotentes e irresponsáveis”, aponta Márcia Moreira. 

“Há linhas da psicologia, como a behaviorista, que dizem ser possível condicionar uma criança para ser um homem bem-sucedido ou um delinquente. Mas, como estamos lidando com uma questão de fenômenos, e como a própria fenomenologia diz, todos nós experimentamos o mundo de forma diferente e única”, esclarece. 

Maturidade 

Uma coisa com a qual os especialistas concordam, no entanto, é que saber ouvir “não” pode ser uma prova de amadurecimento.  

“Escutar e acatar as negativas, encontrar novas formas de se satisfazer, desenvolver repertórios para lidar com as frustrações certamente são sinais de maturidade”, pontua Dannielle Starling. 

A psicóloga e psicanalista Andrea Chagas Libanio de Freitas concorda e vai além:  

“É interessante notar como a humanidade viveu um enorme ‘não’ por meio da pandemia – essa situação impensável que nos abateu enormemente como raça. Acho que esse momento foi importante para nos mostrar como precisamos aprender a aceitar as negativas neste mundo”, observa. 

“O maior desafio, portanto, é buscar compreender que muitas vezes falar ‘não’ para o outro pode significar dizer ‘sim’ para si mesmo, e assim crescermos enquanto indivíduos. Se conseguirmos isso, quem sabe não achamos nossa maior conquista nesta existência?”, arremata. 

Confira cinco dicas para aprender a lidar com o “não” em sua rotina 

*Aceite o “não” e desenvolva sua resiliência por meio dele  

*Só alimente expectativas realistas e esteja sempre atento para que suas perspectivas não fujam demais da realidade 

*Evite se autoacusar, julgar ou condenar. Lembre-se: somos seres em constante evolução 

*Reconheça que as recusas não devem ser um motivo para o sofrimento emocional. Use-as como algo positivo que vá ajudar você a se tornar um ser humano melhor 

*Procure respeitar as pessoas mesmo quando elas te disseram “não”. É importante entender que nem sempre as coisas serão “do seu jeito”