Dos cinco anos de relacionamento, na maior parte do tempo, Sara não teve problemas com a sua então sogra. “Era uma boa convivência”, lembra, ponderando que, “a partir do momento em que fomos morar próximo dela, a relação ficou estremecida e ela passou a dominar mais o filho e, comigo, passou a ser mais hostil”, afirma. A situação se tornou mais grave quando a advogada, de 36 anos, decidiu fazer melhorias na casa que dividia com o companheiro, adquirida por ele antes de os dois iniciarem o namoro. “Eu estava disposta a contribuir financeiramente para terminarmos a construção para que pudéssemos nos livrar do aluguel. No entanto, achava injusto que isso não fosse documentado, pois eu também estava investindo meu dinheiro e o meu trabalho lá. Chegamos a iniciar as obras, contudo a mãe dele não deixou que fizéssemos qualquer documento que me resguardasse e assegurasse os valores que eu estava investindo”, diz.
A incapacidade do filho de colocar limites às intervenções da mãe levou Sara a romper com o então namorado. “Decisões que precisavam ser tomadas por ele e que diziam respeito a nós, nossa vida, nossos objetivos, na maioria das vezes eram conduzidas pela opinião e decisão materna. Então, sua extrema submissão à mãe foi prejudicial, sim, ao nosso relacionamento”, garante. Curiosamente, a exemplo do relato da advogada, nos arranjos familiares é justamente entre nora e sogra que as relações costumam ser mais conflituosas. Uma pesquisa realizada pelo Instituto do Casal, em 2018, por exemplo, mostrou que essa era uma realidade para 26% dos participantes. Em segundo lugar, quando feito o recorte sobre a família de origem, a convivência com cunhados era apontada como problema para 17%. Já o sogro foi citado apenas por 8% dos entrevistados.
Por serem mais comuns, esses conflitos já foram alvo de estudos, caso da publicação “Sogra-nora: Como É a Relação entre Estas Duas Mulheres?”, conduzida por pesquisadores ligados à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). O artigo lembra que, quando duas pessoas se relacionam, trazem consigo não só um sistema de valores e uma cultura, como também sua própria família. “Sendo assim, o irmão passa a ser cunhado, o pai passa a ser sogro, e a mãe, sogra. Nessa multiplicidade de papéis e funções, a sogra é um personagem que carrega um estereótipo de múltiplas conotações, que, geralmente, suscita piadas, brincadeiras, gozações e comentários jocosos”, situam os autores, complementando que, em geral, quando pessoas estabelecem uma relação estável, a convivência entre as partes se torna obrigatória e necessária. Eles lembram que “sogra e nora são oriundas de famílias diferentes, possuindo hábitos, valores e crenças, muitas vezes, incompatíveis” e que, a princípio, “elas só possuem uma coisa em comum, que é o marido/filho”. Com o tempo, porém, “passam a estabelecer algum tipo de relação que pode ser prazerosa, gratificante ou hostil e competitiva”. E a maneira preconceituosa como é vista essa relação pode, por si, dificultar o estabelecimento de vínculos.
Sobretudo, é componente que faz azedar a relação entre sogra e nora a inação dos filhos e maridos, respectivamente. “São eles que devem estabelecer uma fronteira clara com sua família de origem. Isto é, devem construir as possibilidades de interação e impor limites entre uma interação aceitável e uma invasão. Se isso não for feito, sua companheira pode tentar fazer isso por ele, porém certamente suas tentativas serão vistas pela família de origem, especialmente a mãe, como uma tentativa de dominação do filho ou de afastamento dele da convivência familiar. A reação pode gerar uma batalha de influência sem fim”, situa o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça, especialista em psicoterapia de família e de casais. “A reflexão sobre o papel de cada membro na dinâmica familiar é um caminho essencial para a paz quando os conflitos começarem a aparecer”, complementa.
A psicoterapeuta familiar sistêmica Mara Camargo acrescenta que o casal não deve ignorar esses conflitos. “É importante que haja conscientização do que está acontecendo na relação e, juntos, estabeleçam limites”, diz. Ela relata que pessoas em relações estáveis até então harmoniosas chegam ao consultório sem ter clareza do que vem gerando conflito entre eles. “Muitos casamentos acabam sem que o casal entenda as razões das brigas”, assegura.
Cultura machista ajuda a compreender disputa entre nora e sogra
Por trás da recorrente competição entre sogra e nora opera um sistema sociocultural demarcado pelo machismo estrutural. É o que expõe o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça, apontando como homens costumam ser educados para receber cuidados, enquanto mulheres, para serem cuidadoras. “Assim, as mães costumam acreditar que precisam proteger os filhos homens por todo o sempre. Uma nora, especialmente uma com a mentalidade mais contemporânea, que não se preocupa em ser a esposa perfeita que agrada sempre ao marido, pode parecer para a sogra uma ameaça ao filho, uma falta de cuidado. Essa percepção pode levar a mãe a monitorar o bem-estar do filho e responsabilizar a nora por toda a sorte de afetos negativos que ele possa ter”, avalia.
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Essa ideia do cuidado como um atributo feminino também costuma levar as mães a perceber os filhos homens como menos responsáveis por cuidarem de si mesmos, da sua casa, das pessoas ao seu redor, dos seus filhos. “Essa responsabilidade, então, cai sobre as mulheres, no caso as noras”, sinaliza Mendonça. “Contudo, uma expectativa exagerada por parte da nora também acontece frequentemente. Elas podem esperar que o marido se desvincule demais da família de origem, que ele não escute os pais, normalmente as mães, ou não cuide deles”, pondera.
Exemplo desse comportamento, a psicoterapeuta Mara Camargo lembra um episódio narrado por uma amiga: “A sogra, por telefone, disse que tinha reparado que ela não estava cuidando muito bem das roupas do filho”. A especialista sublinha que esse tipo de comportamento é mais comum em sistemas familiares fechados, em que genros e noras são tratados quase como invasores. “Em algumas famílias, assuntos considerados delicados sequer são tratados na frente dessas pessoas”, observa. Sistemas mais abertos, todavia, tendem a ser mais harmoniosos. “São espaços mais acolhedores, em que os genitores vão incluir o marido ou mulher de seus filhos e filhas nas dinâmicas familiares”, afirma.
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Disputa agravada. A chegada de filhos pode acentuar os conflitos entre sogra e nora. Nesse caso, “a batalha de influência pode se estender aos netos e filhos e, quando a nova família depende dos avós para cuidar dos netos, o conflito ganha um novo elemento, pois o poder dos avós sobre a família do filho e nora cresce, podendo intensificar o conflito”, considera Rodrigo Tavares Mendonça.
Mara Camargo concorda. Para ela, a chegada de um novo membro à família pode tornar mais explícita a discordância entre as partes. “A sogra tem na cabeça dela o que é certo para a educação do neto, mas a mãe pode pensar diferente. Elas são de gerações diferentes, possuem visões distintas também sobre como criar uma criança. Óbvio que isso pode gerar um conflito, mas é algo que faz parte das relações humanas e que deve ser tratado com maturidade”, salienta. Para a psicoterapeuta, por um lado, a avó não deve querer se sobrepor à autoridade materna, mas, por outro lado, se os pais precisam que a sogra fique com a criança para que, por exemplo, possam trabalhar, então devem ter tolerância e entender que ela terá seus métodos.
A centralidade da relação com a materna. A relação entre nora e sogra é influenciada, também, pela qualidade dos vínculos que os cônjuges estabeleceram com suas respectivas mães, aponta o citado estudo desenvolvido por pesquisadores da PUC-RS. Os autores indicam que, “se a nora teve um relacionamento desagradável com a mãe, pode repudiar a sogra, assim como pode vê-la como amiga ou a mãe que nunca teve”. No mesmo sentido, quanto à relação que a sogra estabeleceu com seu filho, se esta elaborou seu vínculo maternal, saberá deixá-lo livre para que mantenha outros vínculos, respeitando sua escolha. Por fim, “se o filho desvincular-se de sua mãe, poderá casar-se, separando o amor materno do conjugal”, escrevem.
Aceitação é palavra-chave. “É preciso aceitar que todos são responsáveis por si mesmos, que se sofremos influência de uma pessoa nós somos os responsáveis por aceitar essa influência, não o outro por exercê-la. Essa compreensão pode desestimular a entrada em uma batalha de influência, pois cada um é responsável por si. Aceitar as diferenças, especialmente na educação dos filhos e netos, é mais um caminho essencial para a paz. Aceitar que se pode estar errado, em vez de apenas responsabilizar os outros, estar aberto para uma autorreflexão individual ou com ajuda profissional, é fundamental para encontrar uma solução quando se vive um conflito”, aconselha o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça.