Sexo e comportamento

Cuckold: fetiche não deve ser visto como algo bizarro e doentio

Prática em que homens sentem prazer ao ver a parceira tendo relação sexual com outro homem é mais comum e natural do que você pode pensar


Publicado em 10 de junho de 2022 | 05:00
 
 
 
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Num quarto à meia-luz, o homem, sentado confortavelmente em uma poltrona, assiste a sua companheira tendo relações sexuais com outro homem. Estimulado pelo que vê e ouve, o espectador sente prazer naquela situação. A essa prática, do homem que se excita ao ver sua parceira fazendo sexo com outro, se dá o nome de “cuckold”.

Para muitos, isso é bizarro, mas não deve ser tratado como tal. Inclusive, é um fetiche mais comum do que se pensa e vem despertando a curiosidade e a busca de muitos casais. Nos últimos 15 anos, a procura pelo termo cresceu cerca de 800% no Google. No XVideos, popular site de pornografia, uma pesquisa por “cuckold” resulta em mais de 32 mil vídeos sobre a prática.

O termo foi inspirado na ave cuco, que busca outros ninhos para colocar os ovos e viver um tempo longe do macho, que sabe disso e não se importa. Quando se fala em cuckold, a primeira reação de muitas pessoas é de espanto, repulsa e deboche.

Para a psicóloga e psicoterapeuta sexual Théa Murta, a prática coloca em debate questões do papel do homem nos relacionamentos, na posição de poder, masculinidade e virilidade: “Pensar no homem como ‘corno’ é perceber um lugar de vulnerabilidade, fragilidade e fraqueza. O que vai na contramão desse lugar de machão”. 

Théa ressalta que é fundamental não tratar fetiches e temas relacionados à sexualidade, por mais fora dos padrões que sejam, como algo nojento e doentio “para não trazer sofrimento para as pessoas que têm práticas como essas”. O debate, segundo ela, nos faz pensar em como nossa sociedade ainda vê a vivência da sexualidade como tabu e com olhares carregados de julgamento, cobrança e controle sobre o corpo do outro.

“A gente não tem uma boa educação sexual, a gente não fala sobre isso, então, quando sai um pouco da curva do que estamos acostumados, espanta. Não podemos patologizar algo que não é doença. Além do sofrimento causado, reforçamos padrões de gênero, padrões sexuais e regras sobre a sexualidade do outro e impomos regras que foram construídas em lógicas machistas, conservadoras e retrógradas”, comenta a sexóloga.

O cuckold envolve uma série de aspectos sexuais e psicológicos, é algo complexo. Entender e respeitar os próprios limites e os do outro é um dos cuidados a serem tomados. “Consentimento é fundamental. Nem sempre a parceria vai estar disposta a ir exatamente aonde a pessoa quer. Estabelecer regras e formas de funcionamento é muito importante e sempre manter o diálogo para escutar o outro e escutar a si mesmo”, recomenda Théa Murta.

O cuckold deve ser prazeroso, agradável. É preciso não tratar a experiência como uma brincadeira –ou os envolvidos podem sair desta com traumas e dores, como a psicóloga alerta: “A gente entende como um problema quando passa a causar sofrimento para a pessoa, para terceiros, quando infringe consentimentos e passa a atrapalhar diretamente a vida pessoal, profissional e social da pessoa. Podemos pensar em certo e errado quando há desrespeito e sofrimento. Fora isso, fetiches podem ser um mundo de possibilidades saudáveis, gostosas e prazerosas”.

Segundo a psicóloga sistêmica, sexóloga e educadora Sueli da Paz, os fetiches não podem ser definidos como algo sendo feminino ou masculino, mas como “uma necessidade que uma pessoa tem de relacionar o ato e o prazer sexual a alguma prática diferente das que temos na maior parte das relações”.

Sueli diz que o cuckold é, sobretudo, visual e está muito associado a uma questão de poder e retenção de prazer, mas também pode estar ligado a estímulos auditivos: “Temos de entender que a sexualidade é muito mais ampla do que só o contato físico. Ela começa, principalmente, nos nossos pensamentos, sentimentos e leituras de ambiente”.

Sueli da Paz diz que o fato de as pessoas associarem o cuckold à traição traz à tona uma questão de posse: “As pessoas não são objetos, estão para ter trocas, para dividir. A traição só acontece se no contrato verbal de monogamia não cabe a relação ou o contato íntimo com outra pessoa”. Sueli vê com naturalidade o aumento da procura pela prática na internet, que abriu novas portas para a nossa sexualidade. “Saímos das revistas e dos vídeos eróticos nas locadoras para um universo muito mais amplo”, pontua.

Sobre a representação do cuckold na pornografia, a educadora faz algumas ressalvas e alerta sobre a coisificação dos corpos e a reprodução do que não é real: “O excesso de vídeos onde há uma humilhação faz com que as pessoas que assistem vão normalizando, achando que isso é uma regra, o que não é real. É negativo se a pornografia é a única fonte de instrução e troca”.

Cuckold não envolve necessariamente a busca por humilhação

Um dos aspectos que envolvem o cuckold é certa busca por ser humilhado e sentir prazer e excitação com essa experiência. Há quem busque isso e sinta desejo em se ver numa situação degradante, mas não é uma condição sine qua non entre os adeptos desse fetiche. Primeiro, é importante entender que os fetiches são parafilias, mas não necessariamente transtornos parafílicos.

Parafilia é o comportamento sexual tido como fora do comum, que se desvia do padrão, como o golden shower e o próprio cuckold. O transtorno acontece quando o comportamento é a única forma de a pessoa se excitar ou quando há sofrimento para os envolvidos. “O que os estudos mostram é que a maioria dos seres humanos possui alguma parafilia. Todos nós temos algum desejo sexual fora do comum”, afirma Rodrigo Torres, psicólogo e especialista em terapia sexual.

Sobre o desejo por humilhação e submissão, Torres pondera que é preciso compreender a motivação pelo fetiche antes de qualquer coisa. Há pessoas que se excitam na posição de submissão ou de dominação; outras querem apenas abrir o relacionamento porque não acreditam ou não se realizam plenamente na monogamia.

“Sentir prazer e ficar excitado ao ver a parceira transando com outras pessoas não quer dizer que a pessoa quer ser humilhada, significa que é uma pessoa não monogâmica e que sente prazer na multiplicidade. Já vi casos que o cuckold era um alívio para o homem porque ele não queria transar no nível que a parceira demandava”, conta o terapeuta sexual.

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