Comportamento

Cresce a preocupação e o investimento no próprio bem-estar

Aumento de gastos com psicoterapia, turismo e com pets indica que o autocuidado está no radar da população


Publicado em 03 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
normal

“A preocupação com o bem-estar já vinha, cada vez mais, tornando-se uma prioridade e conquistando espaço significativo no mercado. Esta é uma tendência que já aparecia de maneira consistente pelo menos desde 2016 e que, agora, depois da pandemia da Covid-19, torna-se ainda mais acentuada”. Esta é a principal conclusão de Suzana Cohen, consultora e doutora em tendências, diante de um levantamento, divulgado recentemente, que revelou que os brasileiros gastaram mais com serviços relacionados a veículos, psicólogos, veterinários e pet-shops em 2021. O balanço considera despesas pagas com cartões Itaú Unibanco e vendas realizadas pela Rede, empresa de meios de pagamento do banco. 

Suzana ainda destaca que o documento põe em evidência uma mudança de comportamento facilmente perceptível: a virtualização das relações. No caso das transações comerciais, a participação das compras online foi de 18%, antes da crise sanitária, para 21,1%. 

“O que acontece a partir do segundo bimestre de 2020 – quando os primeiros casos de coronavírus são identificados no Brasil e quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara que a emergência sanitária evoluiu para uma pandemia – é que essa questão da saúde mental ficou muito em evidência. Então, se a pessoa já tinha o desejo de fazer terapia, até porque o tema já aparecia fortemente nas redes, mas ainda não havia iniciado, tudo mudou de figura a partir de experiências como o medo do adoecimento, as perdas sociais, o lockdown, a crise financeira, a pressão de uma convivência familiar mais estreita ou mesmo a sensação de insegurança em relação ao futuro”, diz. 

“Diante dessa nova realidade, o que era uma necessidade contingenciada se torna mais urgente, já que muitos passaram a se perceber mais esgotados e estressados e, portanto, passaram a buscar por auxílio psicoterapêutico”, prossegue a estudiosa. 

O cenário descrito por ela havia sido rastreado já em 2020 por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo estudo realizado pela instituição, mais da metade (54%) dos brasileiros já admitiam se sentir ansiosos diante da crise sanitária. Como resposta, a busca por ajuda se tornou recorrente, como apontam os dados do balanço feito pelo Itaú. O relatório revela que o valor e a quantidade de gastos com psicólogos avançaram cerca de 40% em relação ao período anterior, sendo que, em um recorte de gênero, as mulheres realizaram mais vezes esse tipo de transação. 

Aplicação em autocuidado não deve arrefecer 

“Acredito que os gastos com os serviços associados a esse cuidar de si não devem encolher nos próximos anos. Mais do que isso, acredito que as despesas com bem-estar cresceram mais do que o que é apontado pelo relatório do Itaú”, sugere Suzana Cohen, assinalando que outras formas de autocuidado, que não aparecem no balanço, têm sido mais buscadas nos últimos dois anos. Como exemplo, cita a maior adesão a serviços de meditação guiada oferecidos por plataformas digitais. 

De fato, conforme apuração da consultoria Sensor Tower, o número de downloads de aplicativos ligados à saúde e ao bem-estar saltou em mais de 2 milhões entre janeiro e abril de 2020. 

“Há uma grande profusão de cursos mirando o bem-estar que também não entram na conta, inclusive em relação à alimentação. Nesse quesito, podemos falar também do veganismo, que é uma tendência que vai se consolidando ano a ano e que também tem a ver com uma ideia de autocuidado, trazendo conforto psicológico em um contexto de ansiedade ecológica, que já é um efeito perceptível das mudanças climáticas”, sinaliza. Ela acrescenta que a opção por uma alimentação que dispensa produtos de origem animal também se associa à crescente preocupação com o bem-estar de espécies não humanas. “E, por esse aspecto, podemos analisar também os gastos maiores com os pets”, diz. 

Para Suzana, os animais domésticos apareceram como opção para aqueles que, em contexto de isolamento, se sentiram sozinhos. Estimativas de organizações de protetores de animais sugerem que houve um aumento aproximadamente 50% nos índices de adoção de cães e gatos já nos primeiros meses de 2020. Contudo, essas mesmas entidades especulam que o abandono cresceu cerca de 60% entre o segundo semestre daquele ano e março de 2021, acendendo um alerta sobre a importância de se encarar os pets não como um produto descartável, mas como um ser vivo que necessita de cuidado. 

Portanto, a ampliação do volume de adoções, por si, não explica o aumento de gastos verificado pelo levantamento do Itaú. Segundo o documento, os setores de pet-shop e de serviços veterinários cresceram 25,5%. “Ao analisar esses dados, precisamos também considerar que as pessoas passaram a conviver mais com seus bichos de estimação, observando o comportamento animal e percebendo que podem fazer mais por esses seres”, avalia a doutora em tendências. 

Turismo 

Por fim, além de ser sintomático da retomada de certa normalidade da vida urbana, o aumento das despesas com automóveis também pode ser lido sob a ótica do bem-estar. Evidência disso, não só os gastos com postos de combustíveis aumentaram 50% em 2021, depois de terem encolhido no ano anterior, como também o setor de turismo faturou 50% mais no ano passado. 

O desejo de viajar, depois de um longo período em que programas turísticos ficaram suspensos, já havia sido revelado por uma pesquisa realizada pela plataforma de reserva de acomodações Booking.com. Ouvindo quase 30 mil pessoas, de 28 nacionalidades, que pretendiam viajar nos 12 meses seguintes, o estudo realizado em 2021 indicou que, naquele momento, 74% dos brasileiros preferiam pôr o pé na estrada a encontrar o verdadeiro amor.  

Os dados apurados pelo site não surpreenderam o psicólogo Tiago Henrique. “Acho que a pandemia trouxe, para muita gente, uma sensação de gaiola, de forma que a viagem aparece como saída para superar – ou pelo menos expandir – essas grades”, pontuou o profissional em entrevista a O TEMPO em agosto do último ano. À época, ele acrescentou que mesmo o simples planejamento de uma rota, a ser feita no futuro, pode trazer benefícios, como o conforto em se pensar que as limitações impostas pelo coronavírus estão sendo superadas. 

Suzana concorda. “À luz dos dados que estão sendo apresentados nesse balanço, podemos verificar que, além da retomada dos fluxos de trânsito nas cidades, como para trajetos para o trabalho e para a escola, há um aumento de gastos com pequenas viagens de fim de semana, que também podem ser lidas da perspectiva da busca por mais bem-estar”, conclui.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!