“Sinto que minha vida está sempre em segundo plano. Estou ansiosa o tempo todo e tem dias em que não quero sequer levantar da cama. Conviver com um ente querido em sofrimento mental deixa a gente sobrecarregada. Muitas vezes acho que eu mesma já estou a alguns passos da ‘loucura’”. 

Esse é o drama de Ana (nome fictício), secretária executiva aposentada que, do alto de seus 78 anos, é a única responsável pelo filho José, 37, que tem deficiência intelectual e transtornos de desenvolvimento.  

E ela não é a única mãe, companheira ou parente de pessoas com doenças psiquiátricas sofrendo de desgaste físico e até mesmo mental. 

Um estudo realizado em 2017 com 40 cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental revelou que a maioria deles apresentava sintomas leves e moderados de ansiedade e depressão e que 47,5% desse grupo já fazia algum tipo de tratamento. O resultado da pesquisa foi publicado em 2018 pela revista de psicologia “Ecos”, editada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). 

Especialistas afirmam que a convivência constante com quem sofre de qualquer limitação na habilidade mental pode ter consequências impactantes. 

“A adaptação ao ambiente e às necessidades de uma pessoa com deficiência causa, sim, grandes impactos de sobrecarga física e emocional em seus familiares, cuidadores e parceiros”, explica a neuropsicóloga Adriana Cerqueira Cezar. 

Para ela, toda essa exposição pode gerar um esgotamento mental sem precedentes.  

“Por estarem sempre dedicados ao bem-estar do familiar com deficiência, é comum que muita gente deixe de cuidar da própria saúde. Isso, aliado ao desgaste físico e psicológico, pode ajudar no desenvolvimento de desordens psiquiátricas”, destaca. 

Não por coincidência, muitos familiares acabam desenvolvendo distúrbios como depressão, estresse, angústia e ansiedade, menciona a psicóloga clínica Letícia de Paulo Batista.

“O desenvolvimento de um transtorno mental tem característica biopsicossocial, ou seja, tem interferência do meio social e familiar de uma pessoa, assim como do seu emocional”, aponta Letícia. 

A psicóloga Érika Miranda diz que é fundamental estar atento e buscar auxílio profissional logo nos primeiros sinais de qualquer fragilidade mental. 

“Pelo fato da família estar dentro do processo do paciente, é primordial que tenha acesso a suporte e assistência social, processo terapêutico, e a momentos de lazer e bem-estar. Dessa forma, eles podem trabalhar suas demandas como indivíduos, e não somente como cuidadores”, aconselha Érika. 

Para a psicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental Bianka Carvalho Martins, é sempre importante compreender e tratar as fases e sintomas relacionados à uma rotina física e psicologicamente tão desgastante. 

“Isso pode ser feito através do acolhimento e do entendimento sobre o que essa doença mental pode causar nas vidas do paciente e de quem o ajuda. É aconselhável fazer uma pesquisa sobre os efeitos do problema e procurar o tratamento adequado, tanto para os familiares como para quem sofre do transtorno mental”, orienta a profissional. 

Cuidar de si para poder cuidar do outro 

Diante de tantos obstáculos é indispensável procurar ajuda psicológica sempre. 

“Vivendo num país como o nosso, as dificuldades enfrentadas por quem convive diariamente com pessoas com deficiência ou com uma condição incapacitante são muitas e variadas: falta de acesso a tratamento tanto para o paciente quanto para sua família, escassez de recursos, pouco apoio social, inclusão ou educação. Não tem como ficar imune diante de tudo isso”, avalia o psiquiatra e terapeuta cognitivo-comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira. 

Mas, exatamente, quais cuidados podem aliviar o fardo dos cuidadores nessas horas? 

"É comum que o cuidado desses doentes fique a cargo de uma só pessoa – muitas vezes as mulheres da família –, que acaba assumindo as tarefas mais pesadas. Então, o ideal é não centralizar as atividades, mas distribuí-las entre mais de um membro da família. Isso já é um bom começo”, prescreve o psicólogo.

“Usar toda ajuda disponível. Se todas as pessoas da família assumirem responsabilidades pelo cuidado do doente, isso torna a saúde mental de todos mais preservada”, completa Rodrigo. 

A neuropsicóloga Adriana Cerqueira Cezar concorda e vai além. 

“Existe uma metáfora muito usada para exemplificar a importância de cuidar de si, que é a da máscara de oxigênio. Antes de um voo, sempre ouvimos instruções de que em casos extremos essas máscaras vão cair e que devemos colocá-las primeiro em nós mesmos antes de ajudar ao próximo. Isso evidencia que é necessário primeiro cuidar de nós para depois termos condição de ajudar os outros”, ilustra Adriana, antes de deixar conselhos para garantir a saúde mental de quem lida diariamente com portadores de deficiência intelectual. 

“Não deixe de formar uma rede de apoio – tanto familiar quanto social. Delegue funções, tenha momentos de lazer e individualidade, organizando uma rotina de atividades para você, e faça terapia. Somente cuidando da sua saúde, você poderá cuidar mais e melhor de quem ama”, conclui.