Sexualidade

Debate sobre tamanho mostra que pênis segue visto como definidor de identidades

A ideia sobre as dimensões ideais do tamanho do pênis mudou ao longo da história, porém, hoje, seria simplista resumir a questão a uma simples predileção individual


Publicado em 18 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
normal

Civilização que é considerada progenitora da cultura e dos valores estéticos ocidentais, na Grécia Antiga as representações artísticas de pênis pequenos simbolizavam, normalmente, qualidades como a elevação moral e a civilidade, sendo sinal de modéstia, inteligência e autocontrole. Já os maiores eram lidos como um traço de selvageria, de luxúria e de desequilíbrio. Sátiros, que são criaturas mitológicas meio humanas e meio bodes, ostentavam falos perigosamente grandes e eram vistos como chacota ou ameaça. Muitas vezes bêbados, esses seres eram reconhecidos por se guiarem, sem muita racionalidade, pelo próprio desejo sexual. Os antigos romanos, que muito beberam da cultura grega, mantiveram o culto a pênis mais modestos em suas produções artísticas, como em célebres telas e esculturas dos períodos do Renascentismo – movimento cultural, econômico e político europeu que prosperou entre os séculos XIV e XIX – e do Neoclassicismo – que, entre os séculos XVIII e XIX, influenciou a literatura, a pintura, a escultura e a arquitetura no Velho Continente.  

A adoração aos falos menores só foi interrompida a partir da Era Cristã, quando a nudez, sobretudo masculina, passou a ser evitada e até censurada, conforme aponta artigo da edição norte-americana da revista “Vice” sobre como o tamanho ideal do órgão cresceu e diminuiu ao longo da história. Para se ter uma ideia, em 1650, o papa Inocêncio X mandou cobrir as “vergonhas” de estátuas. Duzentos anos depois, foi a vez de o papa Pio IX iniciar uma cruzada pela “castração” de esculturas gregas e romanas. 

Contudo, a partir da era moderna, o ideal de pênis se inverteu. Atualmente, mesmo que, a depender do contexto, possam representar humor ou ameaça, os falos grandes normalmente são associados à virilidade e tendem a ser apontados como mais desejáveis e atraentes – como denuncia a lógica do “quanto maior, melhor” que domina a indústria da pornografia. Alguns estudos confirmam essa predileção. Caso de pesquisas que mostraram que mulheres cisgênero em relações heterossexuais parecem se interessar visualmente por genitais que pareçam estar acima da média. Há também investigações que demonstram como, embora suas parcerias estejam satisfeitas, a maioria dos homens cis gostaria de ter o órgão alguns centímetros maior (leia mais abaixo). 

Mestrando em estudos psicanalíticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Vinícius Moreira Lima, que estuda gênero, sexualidade e masculinidades, lembra que as pessoas não são apenas reflexo da sociedade em que vivem e, portanto, há sempre quem tenha predileções que escapem aos padrões vigentes de um determinado tempo. “O fato é que vão existir pessoas que têm preferência divergentes daquele ideal que está posto, mostrando que há uma margem de agência, uma margem subjetiva que nem sempre obedece ao que é padrão na sociedade”, diz.

De fato, é possível encontrar representações positivas de genitais maiores mesmo em civilizações que valorizam mais os menores, assim como é possível, hoje, encontrar depoimentos de pessoas que preferem os pequenos. 

Dono de uma conta que compartilha conteúdo adulto em uma rede social, o engenheiro Augusto*, 36, conta que tem recebido um número crescente de propostas desde que passou a falar abertamente sobre o tamanho do genital.

“O fato de eu ter um pênis pequeno foi virando um fetiche para mim. Então, o perfil serve para alimentar esse fetiche e, ao mesmo tempo, tem uma função catártica, no sentido que me permite colocar isso pra fora de maneira mais prazerosa”, diz. “(Desde então), o número de pessoas interessadas por mim aumentou absurdamente – tanto afetivamente como sexualmente”, completa. Ele ainda prossegue reproduzindo palavras de especialistas em urologia: “A menos que seja algo clínico, que impeça a utilização (geralmente, quando têm menos de 7 cm em rigidez), o tamanho do pênis não faz diferença alguma. O meu tem 10 cm ereto e ninguém vê problema, pelo contrário”. 

“Recebo propostas do tipo: ‘não curto muito ser passivo, mas com você eu animaria’, ‘tenho fetiche em caras como você’, ‘é bom que não machuca’ etc. E tem aqueles que tem o fetiche mesmo, tipo ‘curto cara com o pau menor que o meu’, ‘curto cara com o pau pequeno igual ao meu’. Essas frases vêm de passivos, ativos, casais heterossexuais, de pessoas bissexuais…”, enumera o engenheiro. 

Identidade 

É certo que a ideia que fazemos sobre as dimensões ideais do falo mudaram ao longo da história. Mas, hoje, seria simplista resumir a questão a uma simples predileção individual.

“O pênis não é sempre só um pênis. Há relações de poder, de erotização, o que causa o desejo para cada um”, pontua Vinícius Moreira Lima. Ele lembra que, principalmente a partir do século XIX, a cultura ocidental passa a atribuir ao genital um elemento definidor da identidade da pessoa.

A artista e pesquisadora de corpos Vina Amorim segue no mesmo sentido. “Vivemos em uma sociedade altamente biologizantes. Antes mesmo de nascer, se aquele feto tem vagina ou se tem pênis, vamos atribuir uma série de expectativas àquela pessoa a partir do órgão que ela tem e que visualizamos em um ultrassom”, observa. 

Essa definição da identidade passa também pelas dimensões do órgão, que exerce funções reprodutoras e excretoras. Se, para os gregos, os pênis pequenos eram sinal de civilidade, para a sociedade contemporânea, os grandes são, normalmente, vistos como símbolo de virilidade e potência. E esse senso de que o valor de um sujeito pode ser medido pelo comprimento e pela largura do seu genital leva muitos a se sentirem inadequados. Uma ansiedade que alimenta a indústria de cirurgias experimentais e de suspeitos suplementos que prometem milagres.

Augusto, que hoje lida bem com o corpo que ele tem, já se viu angustiado diante da própria imagem. “Irmãos 10 e 12 anos mais velhos que eu colocavam o peso e os tabus da sociedade sobre ter o pênis pequeno e a sua correlação negativa com o que era ser homem. Quando não tinha ninguém olhando, comparavam meu corpo com o deles e diziam palavras para me humilhar. A falta de adultos responsáveis tornava tudo pior e, algumas vezes, (a ofensa) partia de quem deveria me proteger. Com o tempo, reprimi e ‘esqueci’. O fato de ainda ser gay adiou mais ainda as minhas experiências. Eu sentia que nunca seria suficiente nesse sentido e, quando adulto, eu não sabia mais o porquê”, relata. Quando se iniciou sexualmente, porém, “nunca houve reclamação sobre isso vinda de parceiros”, comenta. 

Autoconfiança

O tamanho do órgão está associado também a determinados padrões de comportamento. Não por acaso são populares expressões como “small dick energy” e “big dick energy”, que podem ser traduzidos respectivamente como “energia de quem tem o pênis pequeno” e “energia de quem tem o pênis grande”. A primeira frase diz respeito a atitudes que denotam pouca autoconfiança, enquanto o último fala de posturas que indicam o oposto.

A socióloga Alicia Walker, da Universidade Estadual do Missouri (MSU), nos Estados Unidos, tentou pôr esse mito à prova. Em 2018, ela iniciou uma pesquisa em que buscou recolher dados para investigar se havia correlação entre as dimensões penianas e a autoestima. Contudo, ela foi obrigada a interromper o estudo por conta da reação do público.

A cientista havia solicitado fotografias íntimas através das redes sociais, que deveriam ser enviadas junto a respostas de uma entrevista. Porém, quando a história chegou à imprensa norte-americana, Alicia começou a receber uma avalanche de imagens. Então, a análise dos dados tornou-se impossível e ela precisou abrir mão da investigação.

Diversidade

Visto como definidor de identidades e comportamentos, o pênis é também um símbolo posto em disputa. Vinícius Moreira Lima lembra que, por algum tempo, o falo foi alçado ao posto de representando máximo do patriarcado. Hoje, com o avanço de pautas sobre identidades cisdivergentes, essa representação passou a ser questionada.

Algo que ficou em evidência quando, nas últimas semanas, uma tirinha repercutiu nas redes sociais e gerou críticas ao reunir, em um mesmo quadrinho, a reprodução de duas obras de arte: “L'Origine du monde” (“A origem do mundo”, em português), de 1866, do realista Gustave Courbet, e “L'Origine de la guerre” (“A origem da guerra”, em tradução), de 1989, da artista plástica Orlan. As duas telas mostram o torso de um corpo nu. No primeiro, ocupando lugar de destaque, há uma vagina e, no último, um pênis. 

“A comunidade trans reagiu a esse quadrinho apontando que havia, naquele trabalho, uma problemática redução genitalista das identidades. Isso porque, de uma perspectiva do feminismo cisgênero, o pênis é entendido como símbolo de uma estrutura social patriarcal. O questionamento da obra mostra que essa representação já não é mais apropriada, pois corpos de mulheres trans e travestis colocam essa ideia (do pênis como símbolo absoluto de um certo ideal de masculinidade) em xeque, deslocando nosso olhar e mostrando que não só homens cis têm o órgão – que, portanto, não pode ser, por si, o representante absoluto da masculinidade ou da potência viril”, pontua Vinícius Moreira Lima. 

Vina Amorim, que está em processo de transição de gênero, relata que, para as pessoas trans e travestis, o elemento pênis aparece, pelo olhar cisgênero, como algo exotificante. “Quando você sai com uma roupa mais justa ou fica de biquíni, o olhar das pessoas vai, automaticamente, do seu genital para o seu rosto ou do seu rosto para o seu genital. Nessas horas, fica clara a incongruência cis: há um olhar de reprovação, mas, por mais que pareça reprovar, esse olhar segue procurando algo ali. Resumindo, a pessoa faz cara de quem não gostou, mas não para de olhar”, diz. 

Ainda falando da percepção do outro sobre os corpos de mulheres que têm pênis, Vina lembra da comum fetichização desses corpos, comumente de um lugar de diminuição do feminino. 

“Fico pensando que essa discussão sobre o falo, se bom é o grande ou se é o pequeno, mostra como, no fundo, ignoramos que o prazer atravessa diversas outras questões, que o prazer erótico acontece independentemente de uma parte do corpo… (O pênis) é uma zona erógena, que gera um prazer específico. Mas talvez a gente possa pensar que existem outras zonas erógenas a serem exploradas no encontro sexual”, opina Vina, que critica a excessiva genitalização das relações e da compreensão das identidades. 

Ela ainda acrescenta que a atração é mutável. “Quando a gente encontra com alguém e se torna um encontro erótico, sinto que o corpo perde o seu limite entre o eu e o outro. E a gente se confunde. Às vezes, nos perguntamos: será que eu já gostava disso antes? Será que passei a gostar agora? Será que gosto porque é isso que essa pessoa está me oferecendo nessa experiência?”, conclui.

A vendedora Ana Paula, 28, concorda. Ela confirma que partia da premissa de que o tamanho da genitália de suas parcerias fosse fazer toda diferença para a qualidade do sexo. Todavia, um relacionamento recente derrubou suas crenças. “Eu sempre tive orgasmos quando transava com essa pessoa, que explorava meu corpo muito bem. O que me causava desconforto era a insegurança. Durante o tempo que nos relacionamos, sempre transamos com a luz apagada”, revela.

Estímulo visual. Uma pesquisa australiana divulgada em 2013 encontrou correlação entre as preferências femininas e as dimensões do pênis em relações entre pessoas heterossexuais e cisgêneras. O estudo relacionou o tamanho do órgão a outras duas características consideradas, de acordo com investigações anteriores, como fisicamente atraentes para corpos masculinos. A conclusão é que a altura e a proporção entre largura dos ombros e quadris foram preteridos em relação a genitálias maiores, mesmo em repouso. 

Outro levantamento feito em 2015 por estudiosos da Universidade da Califórnia indicou que as preferências teriam ligeira variação a depender do tipo de relacionamento estava sendo proposto: para relações de longo prazo, as entrevistadas escolhiam um órgão de 15 cm a 16 cm; para encontros casuais, o tamanho ideal seria de cerca de 16,3 cm. Não há levantamentos relevantes sobre o tema no contexto de relações e pessoas LGBTQIA+. Segundo o urologista Luiz Otávio Torres, o tamanho médio é de 14 cm, variando entre 10,5 cm e 17 cm. 

Autopercepção. A psicóloga e sexóloga Laís Ribeiro cita que estudos internacionais apontam que, em média, 85% das mulheres estão satisfeitas com o tamanho do pênis do parceiro. Em contrapartida, apenas 55% deles estão plenamente felizes com as medidas do próprio órgão. Mais uma vez, não há investigações que forneçam dados sobre essa dinâmica em relações hétero ou cisdivergentes. 

Fisiologia do prazer. Falando do sexo vaginal, Torres é categórico: “As medidas interferem minimamente. Basta perceber que, com a ponta do dedo, a mulher pode se masturbar e alcançar o orgasmo. Além disso, a vagina é um buraco virtual, que acomoda o pênis: suas paredes se amoldam ao seu formato”.

Ele lembra que, em média, a profundidade do órgão sexual é de 8 cm, alcançando até 15 cm quando estimulado. Mesmo assim, ressalta que, para a maioria das mulheres, a área de maior sensibilidade está localizada na parte anterior, nos primeiros 5 cm do canal vaginal. O mesmo vale para o sexo anal. O canal do reto tem profundidade média de 17 cm e pode sofrer lesões.

*Pseudônimo usado a pedido do entrevistado

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!