Quando elaborou a teoria dos temperamentos, o pensador grego Hipócrates, considerado o pai da medicina, recorreu a elementos da natureza – no caso, água, ar, fogo e terra – e atribuiu a eles qualidades específicas – úmido, seco, quente e frio – para, então, alegoricamente, representar particularidades do humor e do comportamento humano com base nesse conjunto de representações. .
A teoria ainda viria a ser aperfeiçoada por Cláudio Galeno, proeminente médico e filósofo romano de origem grega, que recorreu aos estudos iniciais de Hipócrates para descrever os quatro temperamentos – sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático – que seriam marcadores da personalidade de cada indivíduo.
Em resumo, segundo a tese de Galeno, poderíamos ser divididos em grandes grupos, de forma que nossos comportamentos seriam predeterminados por esses marcadores de humor. Ele ainda descreve que quase todas as pessoas possuem temperamentos mistos, tendo um tipo humoral dominante e um outro secundário. Essas mesclas originaram 12 combinações de temperamentos. A metodologia desenvolvida pelo filósofo era compreendida como uma forma mais específica de classificar os comportamentos de cada sujeito.
Hoje, as teorias de Hipócrates e Galeno são consideradas obsoletas, não chegando a ser classificadas como científicas. “Quando essa tese foi elaborada, a sociedade ainda carecia de estudos sobre o comportamento humano, um cenário muito diferente do que vivemos atualmente, quando sabemos que o humano é complexo e não cabe em simplismos”, avalia o psicanalista Gregor Osipoff, pós-graduado em neurociência.
“Fazendo uma analogia, essa estrutura rígida de temperamentos imaginada na Antiguidade pode ser vista atualmente como algo próximo da astrologia. Isto é, são áreas que trazem definições estáticas do que seria o perfil comportamental de cada sujeito, desconsiderando que uma série de fatores vai influenciar a construção de cada identidade ou mesmo de cada personalidade”, indica.
O especialista reforça que, portanto, o conjunto de temperamentos descritos pelos filósofos da Grécia Antiga e do período romano não pode ser usado para diagnósticos – “até porque a estrutura emocional de uma pessoa não pode ser identificada por meio de um fragmento”. “Contudo, podemos ter esses princípios como um referencial simbólico que serve como ponto de partida para o autoconhecimento”, diz Osipoff, destacando que, mesmo nesse caso, é preciso cuidado para ir além.
“É fundamental compreender que não existe um temperamento dominante e que, ao se identificar com um desses padrões, o sujeito entenda que esses tipos de humor não são determinantes. Isto é, uma pessoa pode apresentar características desses quatro diferentes temperamentos ao longo da vida ou mesmo ao longo de um mesmo dia”, pontua.
Engessamento. Gregor Osipoff destaca que, muitas vezes, crianças são classificadas conforme o que se entende como um temperamento que seria natural delas. “Esse tipo de postura pode ser danoso, pois acaba reforçando um padrão de comportamento rígido”, opina.
“As crianças, nesse processo de construção da identidade, vão ter como referencial seus pais e outras figuras próximas. Se essa pessoa diz que o filho é muito acolhedor, talvez ele cresça pensando que, para ser aceito, precisa sempre ter uma postura mais passiva e reproduzindo esse estereótipo. Se dizem que o filho é agressivo, que é algo da personalidade dele, como se a característica fosse imutável e ignorando o que pode estar por trás disso, talvez ele cresça pensando que é aceitável agir assim”, comenta.
Fluidez. O psiquiatra lembra que diversos aspectos devem ser levados em consideração antes de tentar atribuir um tipo específico de temperamento a alguém. “Uma pessoa pode ser considerada melancólica no ambiente de trabalho e, fora dele, pode ser vista como sanguínea”, comenta, ressaltando que, além de fatores genéticos, a história de vida e o contexto social e ambiental interferem na maneira como nos comportamos.
Os tipos de temperamento, segundo Hipócrates e Galeano
O tipo sanguíneo – quente e úmido, que tem o ar como representante alegórico – seria mais alegre e comunicativo, além de um tanto despreocupado. Sujeitos com esse perfil, segundo descreve o filósofo, tendem a viver emoções de forma intensa, por mais que elas sejam momentâneas. Eles também vão reagir rápido, sendo proativos, e não costumam guardar rancores.
Já o sujeito colérico – quente e seco, tendo como símbolo o fogo –, também mais expansivo, sente-se mais confortável em posições de comando, sendo bons e impetuosos líderes. Emocionalmente, também são intensos, além de igualmente reagirem rápido às situações. Contudo, pessoas desse grupo tendem a guardar ressentimentos.
O melancólico – frio e seco, representado pela terra –, por sua vez, tem hábitos mais introspectivos, está atento aos próprios pensamentos e, portanto, costuma ser mais criativo, apesar de ser notadamente pessimista. Embora também sinta as emoções com intensidade, reage a elas de maneira lenta, portando-se de maneira mais calculista do que impulsiva. Pode se apegar ao passado e remoer mágoas.
Por fim, o tipo fleumático – frio e úmido, simbolizado pela água – tende a um comportamento equilibrado, buscando responder de maneira controlada aos estímulos externos e, normalmente, adotando uma postura passiva. Essas pessoas vivenciam as emoções de maneira fraca e branda e geralmente demoram a reagir às situações que se apresentam. Esse grupo teria mais facilidade para perdoar e superar episódios do passado.