Quando você busca o seu nome no Google, o que aparece? Se você não for uma pessoa famosa, o máximo que a plataforma vai mostrar são suas redes sociais ou as de homônimos. Mas, no caso do professor de educação física Hudson Nunes, 23, são pelo menos dez páginas no site de pesquisa que o relacionam a uma suspeita de estupro.

Passado um ano após ter sido acusado de ter abusado de pelo menos sete crianças enquanto era estagiário de um colégio particular em Belo Horizonte, o jovem ainda vive preso nos 15 dias entre a primeira acusação e a conclusão final da polícia de que a denúncia não procedia. “Eu vivi o inferno, mas hoje não é muito diferente. Não tem um dia que alguma pessoa não me pergunte sobre esse caso, de familiares a pessoas que eu nunca vi na vida. Eu vou a uma padaria e as pessoas me reconhecem e perguntam. Antes da pandemia, se eu fosse a algum bar e as pessoas percebiam quem eu era, elas tiravam foto escondido. Você quer apagar um passado, mas as pessoas vão lá e te lembram toda hora”, conta. 

Hoje, com a ajuda de alguns pais de alunos da época e outros conhecidos que nunca duvidaram de sua inocência, Hudson continua trabalhando com crianças e dá aulas de futebol. Mas o jovem pensa em desistir da carreira, que por muito tempo foi um sonho. “Você começa uma faculdade pensando que vai ter que desistir? Que pai vai me contratar se jogar o meu nome na internet e souber do que eu já fui acusado? Você me colocaria dentro da sua casa para dar aula ao seu filho? Que empresa vai me escolher se tiver como opção eu e outra pessoa que nunca teve um escândalo desse? Como eu vou explicar para um filho meu que já desconfiaram que eu abusei de outras crianças?”, questiona. “Ninguém nunca me pediu desculpas. Estão todos lá, vivendo suas vidas. Enquanto isso, eu mal tenho alunos para me sustentar financeiramente”, completa. 

Para o advogado do jovem, uma coisa é certa: “Conseguimos inocentar o Hudson, mas não os livramos dos julgamentos que vão acompanhá-lo pelo resto da vida. As pessoas podem acabar com a vida da outra em questão de minutos”, afirma Fabiano Lopes. 

Erros. No Brasil, não existem dados oficiais sobre a quantidade de acusados ou presos injustamente. Mas, segundo especialistas, os altos índices de prisões provisórias são um indicativo do grande número de pessoas punidas por crimes que não cometeram. Com mais de 881 mil presos no país, pelo menos 45% estão à espera de julgamento, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Minas Gerais é o terceiro Estado com o maior número de pessoas presas preventivamente, ficando atrás somente de São Paulo e Rio de Janeiro. No Estado, são 34.854 presos nessa situação, o que corresponde a 44% da população carcerária. 

“Existe uma crença de que é preciso achar um culpado. Depois que alguém assumiu essa culpa, as pessoas ficam satisfeitas. Por isso, muitas vezes existem provas induzidas, pessoas acusando as outras por vinganças. O que vemos hoje é que o Brasil se acostumou a condenar mesmo sem provas suficientes. Você tem a palavra da polícia, e só”, avalia a advogada criminalista e vice-presidente do Instituto de Ciências Penais (ICP), Carla Silene. 

De acordo com o advogado Rafael Tucherman, um dos diretores da ONG Innocence Project, no Brasil, a maior parte das condenações incorretas acontecem na fase do reconhecimento do suspeito. No mundo, a estimativa é que, em 70% dos casos em que a pessoa foi condenada injustamente, o erro judicial tenha acontecido na etapa do reconhecimento. “A prisão preventiva antecipa o dano da condenação. Até você provar, já se passaram quatro anos. Mas o erro judiciário é um fenômeno mundial, você tem polícias com estruturas precárias, investigações arcaicas e ultrapassadas baseadas em provas testemunhais e quase nada técnico. O que sabemos é que o reconhecimento é um método equivocado e acaba sendo a causa predominante dos erros. Para as investigações, ela é prova absoluta, e as polícias fecham os olhos para outras possibilidades”, explica.

"Quando você faz a identificação no boletim de ocorrência, por exemplo, a vítima só descreve o suspeito como pessoa morena ou negra, cabelo cacheado e com tatuagem. Esse é o perfil de pessoa mais comum que existe. As pessoas fazem o reconhecimento de forma equivocada, levando em conta traços semelhantes. O problema está aí. Exemplo disso é que orientais têm dificuldade de reconhecer ocidentais e vice-versa", completa a advogada criminalista, Carla Silene. 

Danos. Para o diretor da ONG Innocence Project, quando o erro acontece, não há como reparar. “A injustiça abala no financeiro, no psicológico, no emocional. Já é complicado pensar se é possível reparar esses danos de alguma forma e, no Brasil, raramente temos indenizações – e quando tem são valores irrisórios”, pontua o advogado. “É um ciclo, as pessoas que mais sofrem com essas injustiças na maioria das vezes já são as mais fragilizadas, é o pobre, é o negro, que já são marginalizados e não costumam ter recursos para se defenderem”, completa Rafael Tucherman.

Organização luta em defesa do direito dos condenados 

No Brasil, desde o fim de 2016, a ONG Innocence Project já recebeu 1.600 pedidos de ajuda de pessoas que alegam estarem injustamente presas. Atualmente, 20 casos estão sendo estudados pela iniciativa, que conta com a ajuda de três advogados. Quatro pessoas já conseguiram reconquistar a liberdade após a atuação do projeto. Um dos casos foi o borracheiro Antônio Cláudio Barbosa de Castro, 36, que foi condenado por estupro. Castro foi detido em 2014, confundido com um suspeito de crimes sexuais conhecido como “maníaco da moto” no Ceará. O borracheiro foi condenado a nove anos em regime fechado e na época chegou a ser identificado por quatro vítimas como o responsável pelas agressões. 

A ONG faz parte de uma rede de 57 organizações espalhadas pelos Estados Unidos e outras 14 ao redor do mundo que têm como objetivo provar a inocência de pessoas condenadas injustamente. Nos Estados Unidos, em 28 anos, a iniciativa já conseguiu devolver a liberdade a 364 pessoas – dessas, 20 estavam no corredor da morte. A ONG atua de forma independente e gratuita por todo o Brasil. Mais informações no site: innocencebrasil.org