Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e de outras instituições brasileiras e internacionais vem repercutindo entre profissionais da área da saúde. Publicado na revista “Scientific Reports”, o artigo “Time trends and projected obesity epidemic in Brazilian adults between 2006 and 2030” (“Tendências temporais e epidemia de obesidade projetada em adultos brasileiros entre 2006 e 2030” numa tradução livre) revela que três em cada dez adultos no país serão obesos até 2030.  
 
O resultado do levantamento é baseado em um material da pesquisa Vigitel, coletado por entrevistas telefônicas com 730.309 participantes entre 2006 e 2019. E mais: o estudo mostrou que a prevalência de obesidade aumentou de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019 – nos dados mais recentes levantados pelo Ministério da Saúde, de 2020, a proporção de obesos era próxima de 22%. 
 
O diagnóstico do estudo não chega a ser uma surpresa para o médico cardiologista Rodrigo Lanna, do Hospital Semper. “Mas é uma preocupação, com certeza”, ele ressalta. Obesidade é uma condição clínica que pode ser considerada uma doença – e, pior, uma enfermidade com maior incidência a cada dia. Como é uma patologia multifatorial, quando falamos de causas, muitas questões estão envolvidas, como observa Rodrigo Lanna: “Estresse, fatores psicológicos e genéticos acabam influenciando, mas o sedentarismo e a alimentação rápida cheia de gordura saturada (os famosos fast-foods), crescentes nos últimos anos, são as principais causas”.  
 
A obesidade também traz riscos diversos à saúde e acaba desencadeando outras doenças. É comum que a pessoa com sobrepeso se torne diabética ou hipertensa e tenha problemas cardiovasculares e nas articulações por causa do excesso de peso, além de distúrbios de sono. A incidência de câncer também aumenta no grupo. Atividade física e reeducação alimentar são duas medidas fundamentais para combater a obesidade, mas há casos em que a cirurgia bariátrica – ou de redução de estômago – é indicada: pacientes com obesidade mórbida (ou grau III) e Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 40 já podem começar a pensar em uma cirurgia.  
 
“Normalmente, não partimos direto para a cirurgia bariátrica. A obesidade é uma doença que requer um tratamento multidisciplinar, e a cirurgia – hoje há vários tipos, algumas menos agressivas – tem uma indicação bem precisa. É preciso tratar os casos e os pacientes de forma individualizada”, destaca Rodrigo Lanna. O cardiologista do Hospital Semper reforça que, antes de procurar a cirurgia, a pessoa obesa pode recorrer a um trabalho psicológico, às mudanças de hábitos de vida, a uma alimentação saudável e a atividades físicas regulares. O especialista indica, para começar, 150 minutos de atividade aeróbica por semana – 30 minutos por cinco dias ou 50 minutos durante três dias.  
 

Cirurgia e bem-estar

A designer Karine Flávia, 43, viu a cirurgia bariátrica como a opção para melhorar sua saúde física e mental. Nos dois primeiros meses da pandemia, ela, afetada pelo isolamento e pelo desgaste emocional, perdeu 5 kg. Passados alguns meses, Karine já havia ganhado 18 kg. “Isso me assustou muito, então a pandemia me fez querer reencontrar comigo mesma. Eu fui obrigada a me ver mais no espelho e não gostei do que vi. Eu não estava mais me reconhecendo”, conta.  
 
Na pandemia, Karine refletiu muito sobre a finitude das coisas. “Essa questão me fez pensar que eu quero viver muito mais e ser mais saudável. Tenho uma vida sedentária, trabalho de madrugada, acordo tarde, não faço exercícios. Na frente do computador, eu esquecia até de comer, mas tomava dois litros de refrigerante por dia”, relembra. Em setembro do ano passado, ela tomou a decisão: iria recorrer à cirurgia bariátrica.  
 
Na época, Karine chegou a pesar 128 kg. Após um ano de muito falar sobre o assunto na terapia, processo que já a acompanha há nove anos, e saber de todos os detalhes sobre o procedimento, ela foi operada no início de outubro. Ao falar com o Interessa, a designer, que é belo-horizontina, mas mora em Pará de Minas, ainda não havia retirado os pontos da cirurgia – o procedimento realizado foi o sleeve gástrico, que retira uma parte do estômago. Recente, a técnica é um dos quatro métodos aprovados no país pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) quando o assunto é cirurgia bariátrica. 
 
O pós-operatório de Karine ocorre sem sofrimentos. A alimentação é extremamente restrita, composta de gelatina, iogurte, água de coco, purê e caldo de sopa. Em 20 dias, 12 kg já se foram. Ela está cada dia mais motivada. Em meados de novembro, Karine voltará ao médico e será liberada para atividades físicas.
 
Acompanhamento psicológico e nutricional também estão na agenda. No período de um ano, ela precisará retornar ao médico para consultas pontuais. “Estou bem, estou feliz. Não fiz a cirurgia para o outro, fiz para mim, para me adequar ao que eu sempre imaginei que eu fosse. Eu não me enxergava, o espelho não refletia quem eu era”, celebra a designer.  
 
A obesidade, do ponto de vista psicológico, pode ser encarada como um círculo vicioso. A pessoa está passando por algum desgaste emocional e busca na comida um refúgio para o sofrimento. Ao comer, ela se sente culpada e se sente mal por isso. Ao se sentir mal, ela busca o alívio com alguma fuga, que pode ser a comida, mas também bebida, jogos, compras. 
 
“Nós temos um sistema de regulação emocional, e a comida pode ser a estratégia utilizada para compensar a tristeza. Tudo é inconsciente, o sistema utiliza algo que ele reconhece como prazeroso, e a obesidade tem muito a ver com essa tentativa do nosso corpo de tentar fazer essa regulação”, afirma a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e mestre em relações interculturais Renata Borja.  
 
A especialista faz um alerta: obesidade e gordofobia andam juntas. Segundo Renata, há o julgamento externo e da própria pessoa, porque se criou a ideia de que a beleza é magra, mas ela refuta: “Não quero ter pacientes magérrimos, essa cultura da magreza. O importante é equilíbrio, vida saudável, bem-estar”.  
 
A psicóloga lançou um curso online chamado CogFit. O programa é indicado para pessoas obesas (a obesidade mórbida, diz Renata, precisa de um tratamento psicoterápico) e tem olhar multidisciplinar das áreas de educação física e nutrição, além da parte cognitiva. Renata Borja sabe que sair da condição de obesidade é uma tarefa complexa e se decidir pela cirurgia bariátrica, também. Ajuda de especialistas é fundamental nessa equação.  
 
Se o caso é realmente a cirurgia, a psicóloga aconselha que o controle e a supervisão psicológica devem estar no combo pré e pós-operação para o paciente entender que passará a viver uma nova realidade. É preciso cuidado: a cirurgia vai diminuir o estômago, mas o modelo compulsivo pode mudar de lugar – bebida, compras, drogas, jogo –, e outros problemas vão surgir.  
 
“Tenho muitos (pacientes) que vieram antes da cirurgia e estão ótimos, mas também tenho uma série de pessoas que deixaram para depois da bariátrica. Num primeiro momento, elas emagreceram, mas depois voltaram a engordar ou criaram outro tipo de compulsão. O que tem que ser tratado é a compulsão”, arremata Renata Borja.