“Querer é poder”, sugere a máxima popular que exalta como a força de vontade é determinante para que objetivos sejam alcançados. Trata-se de uma crença vastamente divulgada e reforçada por uma cultura que, pautada pelo vago conceito de meritocracia, supervaloriza a performance individual e cobra por resultados, ignorando, muitas das vezes, contextos e singularidades de cada vivência e situação. Segundo essa lógica, a resiliência, a capacidade de autocontrole e a força de vontade – virtudes que estão umbilicalmente relacionadas – seriam, por si, ferramentas essenciais para a obtenção do sucesso e para a realização pessoal – contribuindo, portanto, para a felicidade e o bem-estar. Em resumo, é como dizer que tudo depende de você, do seu próprio esforço e perseverança. 

Contudo, essa crença tantas vezes reproduzida está cada vez mais posta em xeque. À luz da ciência, a verdade é que essa mentalidade do merecimento – que alimenta imperativos conselhos, como o famigerado “trabalhe enquanto eles se divertem” – não parece fazer sentido. É o que sugere um estudo publicado em 2017 no periódico científico “Social Psychological and Personality Science”. 

Monitorando 159 alunos da McGill University, no Canadá, os estudiosos constataram que, diferentemente do que se poderia imaginar, aqueles que tiveram que exercer mais vezes o autocontrole não obtiveram maior êxito em atingir seus objetivos. Pelo contrário: ao final do experimento, as pessoas que precisavam mais vezes recorrer à força de vontade para continuar a perseguir suas metas, além de não serem bem-sucedidas nessa empreitada, relataram se sentir mais esgotadas. Por outro lado, os alunos que vivenciaram menos obstáculos e tiveram menos tentações ao longo do estudo tiveram também mais sucesso em alcançar seus objetivos quando durante o semestre observado. 

Michael Inzlicht, psicólogo da Universidade de Toronto e responsável pela pesquisa, e Marina Milyavskaya, sua colaboradora, concluíram que a melhor maneira de alcançar uma meta não é resistir às tentações, mas evitá-las antes que elas cheguem. A investigação também sugere que a força de vontade é frágil e pouco confiável, observações que estão alinhadas ao que outros estudiosos já haviam sinalizado anteriormente – caso de uma apuração de 2011, publicada no “Journal of Personality and Social Psychology”.  

Acompanhando 205 indivíduos por uma semana na Alemanha, o experimento constatou um paradoxo: as pessoas que se diziam boas em resistir a tentações foram as que menos se sentiram tentadas durante o estudo. Ou seja, os participantes se declararam excelentes em autocontrole quase não precisaram recorrer a essa qualidade. 

Importância. Especialistas ouvidos pela revista “Vox”, dos Estados Unidos (EUA), argumentam que as descobertas são especialmente importantes em uma sociedade que, muitas vezes, classifica como falha moral a dificuldade de resistir a tentações.  

“Como qualquer um que tenha lutado com uma dieta sabe, a força de vontade não funcionará no longo prazo. Culpamos as falhas de força de vontade pelo ganho de peso, mesmo que seja a genética e nossos ambientes carregados de calorias conspirando contra nossas cinturas. Culpamos os viciados por não conterem seus impulsos, mesmo que seu vício tenha um controle biológico em seu cérebro”, lê-se na publicação, que completa argumentando que, em uma situação específica, o sujeito pode reunir força de vontade para superar um mau hábito. 

Supervalorização da força de vontade e da resiliência é criticada por pensadores 

A supervalorização do desempenho individual é um dos temas dissecados pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han no livro “Sociedade do Cansaço”. No best-seller, ele argumenta que os sujeitos têm sido estimulados a pensar que o sucesso depende apenas dos esforços deles próprios, como se fatores externos não fossem relevantes. Han sustenta que os cidadãos têm sido lidos como empresários de si mesmos, motivo pelo qual “vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito”. O escritor ainda aponta que uma série de problemas – como transtornos de ansiedade e de humor – decorrem desse pensamento. 

Já o filósofo brasileiro Antoine Abed, no livro “Ensaio sobre a Crise da Felicidade”, desconstrói a ideia da resiliência como qualidade-chave para a realização pessoal. “O conceito de saber perder é algo que estou propondo no livro-ensaio. Não é algo que tenha visto outras pessoas falarem... A questão é que a resiliência é importante, é uma virtude fundamental. Mas, hoje, vejo que precisamos desenvolver uma capacidade que é anterior à resiliência – e que exige de nós algum preparo”, diz.  

“Podemos, por exemplo, quando possível, a partir do nosso conhecimento próprio, das nossas relações no trabalho, das nossas relações em casa, tentar antever algo que pode se tornar um problema. Com essa previsibilidade, podemos parar e tentar negociar uma saída em que aceite perder um pouco, mas evitando danos maiores. Então, veja, a resiliência é um período em que você não é mais livre, em que só resta aguentar firme. Logo, o que proponho é que se tente perder menos, mesmo que perdendo um pouco, sem entrar no modo resiliência – que é quando vamos para o tudo ou nada. Dessa maneira, você pode escolher as causas que não vai abrir mão, enquanto em outras pode ceder um pouco a troco de conseguir voltar para seus objetivos de primeira ordem, que devem ser seu foco”, opina, muito em consonância com a conclusão dos estudos que sugerem que, para alcançar um objetivo, evitar tentações é mais efetivo que resistir a elas. 

Hipóteses 

Em entrevista à revista “Vox”, pesquisadores que têm se dedicado a investigar se, de fato, a força de vontade está diretamente associada ao sucesso ou se essa virtude é superestimada traçaram hipóteses que podem ajudar a melhor compreender a correlação entre uma coisa e outra. 

Fator rotina. Uma característica que justificaria a capacidade de realização desses sujeitos seria a construção de hábitos. “Em 2015, os psicólogos Brian Galla e Angela Duckworth publicaram um artigo no “Journal of Personality and Social Psychology”, apontando, por meio de seis estudos que contaram com a participação de mais de 2.000 voluntários, que pessoas que são boas em autocontrole também tendem a ter bons hábitos – como se exercitar regularmente, alimentação saudável, dormir bem e estudar”, anota a “Vox”. 

Fator prazer. Os especialistas citam, por exemplo, que as pessoas que se dizem melhores em autocontrole na verdade gostam das atividades que alguns de nós preferiria evitar – como comer de forma saudável, estudar ou se exercitar. Então, engajar-se nessas atividades não seria, para esses indivíduos, uma tarefa árdua, mas divertida – e, portanto, se tornaria mais fácil executá-las. 

Fator genético. O aspecto genético também é citado pelos estudiosos, que defendem que pessoas com alta consciência – um traço de personalidade amplamente definido pela genética – tendem a ser estudantes mais saudáveis e vigilantes. “Quando se trata de autocontrole, elas ganharam na loteria genética”, sugere a revista. 

Fator socioeconômico. Por fim, é aventada a hipótese de ser mais fácil exercitar a força de vontade quando se é rico. Uma evidência disso é examinada no teste de marshmallow de Walter Mischel. Realizado nas décadas de 60 e 70, esse experimento avaliou a capacidade de crianças de resistir a tentações colocando-as em frente a um marshmallow e informando-as que poderiam comê-lo imediatamente ou comer dois depois. 

Quando os participantes do teste eram pobres, a tendência observada é que eles tinham desempenho pior, sendo menos capazes de resistir à guloseima. “Mas há uma boa razão para isso. Como argumenta o neurocientista Elliot Berkman, da Universidade de Oregon, as pessoas que crescem na pobreza são mais propensas a se concentrar em recompensas imediatas do que em recompensas de longo prazo, porque, quando você é pobre, o futuro é menos certo”, expõe a publicação norte-americana.