Faltavam cerca de duas horas para começar a aula do chef confeiteiro Lucas Corazza, e as senhas estavam esgotadas. Havia gente em pé dentro e fora do espaço montado no Jockey Clube de São Paulo – local onde recebeu o festival Fartura em sua primeira edição na capital paulista, que aconteceu nos dias 25 e 26 do mês passado. Disputada, a atividade acolhia apenas oito duplas para assistir e colocar a mão na massa para fazer cookies de baunilha (veja receita ao lado), ensinado na ocasião. A exigência, após colocar os biscoitos no tabuleiro para assar, era compartilhá-lhos com as pessoas próximas – inclusive as que não conseguiram participar ou assistir a aula.

Compartilhar é uma das premissas obrigatórias para as criações do chef confeiteiro, mas também faz parte da essência de Lucas Corazza, paulistano, canceriano de 33 anos recém-completados e que tem bom gosto para se vestir – e deixa isso bem claro ao combinar sobreposições, gravata de tricô e gorro para ensinar o cookie.

Percorrendo o Brasil, Lucas leva a ideia de compartilhar também quando está à frente do projeto Chocolátras Solidários, em que transforma o lucro da venda de suas criações confeiteiras – à base de chocolate, é claro – em renda para ajudar instituições de caridade por onde passa. “Comecei há seis anos, quando percebi que era só aproveitar a rede de influências e fornecedores e encontrar um espaço para vender e colocar o projeto em prática. Estava tudo ali, era só questão de alguém comprar a ideia”, contou.

Lucas começou na cozinha aos 16 anos, quando fez seu primeiro curso de confeitaria. Com 12 anos de profissão, é especializado em pâtisserie pela École National Superiére de la Pâtisserie, na França, e soma ao seu currículo experiências nas cozinhas de grandes chefs, como Bel Coelho, Mara Mello, Alex Atala e Henri Schaeffer.

Atualmente, está na televisão como um dos três jurados do programa “Que Seja Doce”, da GNT, no qual os competidores torcem para ouvi-lo dizer que ele “pagaria pela sua sobremesa”.

Mas bem antes do estrelato, no início de sua trajetória, ele procurava se informar sobre os principais nomes dos jornalistas especializados em gastronomia e lhes entregava pessoalmente um bolo como o bom e velho “press kit”. O primeiro foi um de fubá com goiabada, que não precisou de esforço para ser noticiado. “As pessoas viram que eu tinha um olhar diferente. Apesar da minha especialização na técnica francesa, consegui olhar de outra forma para o doce brasileiro”, disse.

Especialista em esculturas de chocolate, Lucas faz questão de ser um dos maiores paladinos do cacau brasileiro. Suas receitas só utilizam chocolate nacional como ingrediente e ele preza o uso de produtos locais, como o do João Tavares, da Bahia. “A plantação dele passou pela praga da vassoura-de-bruxa, mas ele se reergueu e ganhou como uma das melhores sementes de cacau do mundo”, lembra.

Minientrevista

O Fartura é um festival que valoriza os pequenos produtores do Brasil e provoca o acesso à gastronomia. O que você acha desse formato de evento, principalmente em São Paulo?

Acredito que seja uma forma de trazer a cultura com o entretenimento, valorizando o que é regional. Esse é o único evento gastronômico que traz a vivência, a experiência de se comer sem ter que ir aos lugares. É o bom e velho ditado de “trazer a montanha até Maomé”, então isso é muito importante.

Você comentou que vai a Minas Gerais pelo menos duas vezes ao ano. O que acha da gastronomia mineira e o que já experimentou que conquistou seu estômago?

Comida mineira, pra mim, é como se fosse “Senhor, você existe” (risos). Sou suspeito pra falar. Minas Gerais tem uma característica importante na cozinha, que é de aproveitar os alimentos. Eu tenho raízes em Belo Horizonte, com o Felipe Rameh, com quem eu trabalhei no D.O.M., em São Paulo, e acabei estreitando os meus laços com o Léo Paixão, no Glouton. Quando eu viajo, eu planto coisas, gosto de estreitar laços.

Você se tornou especialista em confeitaria e em criações com o chocolate. Como chegou nesse caminho?

Você não percebe quando escolhe o seu caminho. Mas no último ano de faculdade, não consegui compactuar com o ensino acadêmico. Nessa época, 12 anos atrás, não existiam pessoas influentes em quem me inspirar. Eu decidi que não ia entregar o meu trabalho de conclusão de curso (TCC). Eu fui encontrar outras formas de estudar, que foi a pesquisa, ir aos lugares, comer, ter referência... Outro caminho. Automaticamente, isso transformou a minha vida por completo, me transformou em quem eu sou.

Por falar em sua especialidade, você utiliza só o chocolate brasileiro. O que acha da nossa matéria-prima?

O nosso chocolate não tem tanta baunilha, caramelo ou essência. Quando utiliza um chocolate desse tipo, você fica preocupado em equilibrar as notas para conseguir o sabor desejado na receita. No chocolate belga, fica mais fácil porque tudo tem sabor de baunilha. Já com o brasileiro, você tem nuances, notas e pode construir e equalizá-las, conforme você quer.

Como é ser jurado do programa “Que Seja Doce”?

A primeira temporada é sempre a mais surpreendente pra você e para o participante, ao mesmo tempo. Uma mulher estava lá, eu já não dava mais nada pela sua participação. Aí ela chegou com um bombocado de café e amêndoas, servido com um creme azedo e uma bala de ovo de limão caramelizada. Foi um dos melhores doces que eu já comi até hoje; eu limpei o prato. Ela levou o prêmio.

Qual é o segredo para a sobremesa perfeita?

Quando você faz qualquer prato, o importante é o equilíbrio. As combinações que você colocou e as texturas refletem em sabor. Para o confeiteiro, uma framboesa pode ser musse, pode ser sorvete, pode ser geleia, bala... Você pode ter uma gama de modos de preparo para se fazer com um mesmo produto. O segredo é esse equilíbrio para trazer o ingrediente ao momento mais feliz dele. É disso que se trata.

Além dos doces, quais os seus pratos preferidos?

Depois de viajar tanto, eu adoro mesmo é comer mandioca com manteiga de garrafa, carne de sol e peixe. Ah, e tenho tara por legumes e vegetais. É cor no prato!