“De repente, uma onda de preocupação e medo intenso toma conta de mim, e sinto como se estivesse preso em um turbilhão de pensamentos negativos, às vezes, desconexos. Nesses momentos, começo a imaginar o pior cenário possível em todas as áreas da minha vida, e é como se eu estivesse à beira de uma tragédia. Meu coração acelera, minha respiração fica superficial e rápida, e sinto uma pressão angustiante no peito, como se algo terrível estivesse prestes a acontecer. Tento controlar meus pensamentos, mas parece impossível. Minha mente está hiperativa, saltando de preocupação em preocupação, e a sensação de desespero e desamparo se intensifica. Minhas mãos suam, meu corpo fica tenso, e a sensação de inquietação me domina, e eu sinto como se tivesse perdido o controle dos meus pensamentos e do meu corpo enquanto sou esmagado por uma sensação de impotência, que consome minhas energias e me deixa exausto”. 

É assim que o estudante Miguel Machado descreve o turbilhão de emoções e pensamentos que, por vezes sem qualquer contexto aparente, ocupam a sua mente. Nesses momentos, ele relata se preocupar pelas mais diversas razões, mesmo que elas sejam irracionais. “Posso, por exemplo, ficar tenso pensando que não vou conseguir entrar em uma boa universidade. Mas não para por aí, porque esse pensamento me leva a outras questões, como o receio de que meu futuro seja péssimo, que eu vá morar na rua ou coisas assim”, conta. “Outras vezes, me pego apreensivo pensando na morte da minha mãe, sendo que ela está vivíssima e muito bem de saúde. Sem contar quando saio de casa e tenho que voltar porque não me lembro se tranquei a porta, se fechei as janelas, e daí já fico imaginando que alguém pode ter entrado, roubado a casa e ainda ter feito covardia com meus cachorros”, cita. 

Tanta energia e imaginação gastas com as mais improváveis preocupações levaram Machado a buscar ajuda com profissionais da saúde. Foi quando ele descobriu sofrer com um dos distúrbios de saúde mental mais comuns e prevalentes em todo o mundo: o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), que afeta globalmente cerca de 264 milhões de pessoas, aparecendo entre os dez motivos mais comuns de consultas médicas. 

Caracterização e sintomas. Lembrando que a ansiedade é uma reação normal em face de situações que provocam medo, dúvida ou expectativa, funcionando como um sinal que prepara a pessoa para enfrentar desafios e se adaptar às novas condições de vida, o psiquiatra Bruno Brandão pondera que, em pessoas com o distúrbio, a manifestação e a lida com essa emoção são disfuncionais. 

“O transtorno é caracterizado por uma preocupação excessiva, invasiva, persistente e de difícil controle. Nesses casos, a pessoa afetada pode preocupar-se intensamente com várias áreas da vida, como família, trabalho e situações cotidianas, o que pode levar a um estado de paralisia, impedindo a pessoa de agir. Além disso, muitas vezes há uma intolerância à incerteza, o que faz com que a pessoa se concentre nas coisas que não pode controlar”, comenta.  

Ele lista que o transtorno está associado a uma série de sintomas que podem variar de pessoa para pessoa, mas, geralmente, são sinais de alerta mais universais a intensa e incontrolável preocupação em diversas áreas da vida, a sensação de estar com os nervos à flor da pele. Ele lembra que, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), os principais sintomas do TAG incluem inquietação, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular, perturbação do sono e preocupação excessiva e desproporcional em relação a eventos cotidianos. 

Origem. Embora as causas exatas do distúrbio não sejam totalmente compreendidas, Bruno Brandão pontua que, assim como outros transtornos de ansiedade, o TAG tem causas multifatoriais, envolvendo aspectos ambientais, genéticos e biológicos.  

“Fatores como desregulação de neurotransmissores e circuitos cerebrais podem contribuir para o desenvolvimento do transtorno. Além disso, características pessoais, como intolerância à incerteza, crenças negativas sobre a preocupação e traços de personalidade, como perfeccionismo e sensibilidade à crítica, podem aumentar o risco”, situa ele, acrescentando que eventos traumáticos, estresse, problemas de saúde e o uso de substâncias também estão associados ao aparecimento do problema, assim como o ambiente familiar, que também pode desempenhar um papel importante nesse sentido. 

Impactos. O TAG afeta todas as áreas da vida de uma pessoa, uma vez que a preocupação constante e intensa dificulta o desempenho em atividades diárias, prejudica a concentração e pode levar ao isolamento social.  

“Os relacionamentos são prejudicados devido à irritabilidade e intolerância à incerteza, o que pode levar a conflitos e dificuldades de convivência. Além disso, a capacidade cognitiva é afetada, resultando em dificuldades de concentração e memória. Problemas de saúde, tanto físicos como mentais, podem surgir como consequência do estado de ansiedade constante”, detalha Bruno Brandão, reforçando que, portanto, o TAG tem impactos sociais, pessoais e físicos significativos, podendo afetar pessoas de todas as idades, sendo que as mulheres parecem ter ligeira tendência a serem mais vulneráveis ao problema do que os homens. 

Tratamento. Embora, nos momentos de crise, esse transtorno de preocupação crônica pareça invencível, o TAG, na verdade, pode ser tratado – exigindo, para tal, uma abordagem multidisciplinar e individualizada. Bruno Brandão explica que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é amplamente utilizada e se mostra eficaz no manejo do transtorno. “É importante ajudar o paciente a entender que a certeza não existe e que buscar controlar tudo aumenta o sofrimento. Para isso, podemos desenvolver estratégias a fim de se aprender a conviver melhor com a incerteza, a identificar as coisas que estão sob seu controle e a distinguir preocupações produtivas das improdutivas”, avalia. 

Aliado a essa abordagem, o uso de medicamentos, como antidepressivos e ansiolíticos, pode ser indicado. “Eles vão ser prescritos para amenizar alguns sintomas, reduzindo, por exemplo, os níveis de ansiedade”, detalha Brandão, sinalizando ainda que ter um sistema de apoio sólido, que inclui o suporte da família, amigos e profissionais de saúde mental, também é fundamental nessa jornada de recuperação.