Com harmonia em baixa e turbulência à vista, dominar a fúria dos mares parece o menor dos problemas para o surfista Gabriel Medina. Desde que engatou um namoro com a modelo Yasmin Brunet, o atleta tem visto suas relações familiares se deteriorarem. Recentemente, a mãe dele, Simone Medina, foi às redes sociais lançar indiretas sobre o romance, que ela, aparentemente, não aprova. No Instagram, ela publicou uma imagem que trazia os seguintes dizeres: “O amor é para te trazer paz e felicidade, e não uma guerra, onde você tem que lutar sempre para ser feliz”. Posteriormente, ironizou o fato de ter sido bloqueada pelo casal. As notícias que chegam são que os laços foram rompidos. Tanto que Gabriel chegou a dispensar seu antigo técnico – a se saber, era o padrasto dele, Charles Saldanha, quem cumpria esse papel.
Por se tratar de um casal de famosos, o entrevero tornou-se motivo de fofoca e de especulações. E esta não será nem a primeira, nem a última vez em que relações familiares, que se tornam tumultuadas após a chegada de um agregado, despertam o interesse popular. Histórias assim já foram enredos de peças no teatro, na literatura, na música, no cinema e na televisão.
Difícil não lembrar aqui dos versos em que Chico Buarque provoca: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Com apelo um tanto mais trágico, a obra “Romeu e Julieta”, escrita por William Shakespeare entre 1591 e 1595, se tornou um clássico dos amores impossíveis em que as famílias tornam-se um entrave para um casal. Trama assim foi vivida recentemente pela realeza britânica, que viu implodir sua imagem de unidade e harmonia, cuidadosamente construída ao longo de décadas, após Meghan Markle e o príncipe Harry, que já haviam abdicado de seus títulos de nobreza, tornarem pública a resistência de membros da família real ao casamento deles. A crise institucional escalou quando um caso de flagrante racismo foi relatado pela atriz em entrevista à apresentadora de televisão norte-americana Oprah Winfrey.
Mais do que na ficção e longe de ser uma exclusividade de celebridades, são fartos os relatos de tormenta que famílias enfrentam por conta da oposição à nova relação de um filho ou filha. E essa resistência pode ter diversos componentes, entre eles os preconceitos sociais. A reportagem de O TEMPO já relatou, por exemplo, os desafios particulares dos casais inter-raciais, em que o agregado, por conta de sua cor de pele, é hostilizado por parentes de sua parceria. Há ainda os episódios em que, sem aceitar a orientação sexual dos filhos, os pais punem e rejeitam as pessoas com quem eles se relacionam. Também comuns são as situações em que mulheres, por serem mais velhas ou por já possuírem filhos frutos de outras uniões, se percebem mal vistas pelo núcleo familiar de seus parceiros.
Hipnoterapeuta e especialista em programação neurolinguística, Thiago Porto avalia que, em geral, uma relação conflitiva, em que não se aceita o relacionamento iniciado por um membro da família, denota a falta de maturidade dos vínculos entre pais e filhos. Segundo ele, quanto mais imaturo é o arranjo doméstico, mais codependentes essas pessoas vão ser. “Nesse caso, o pai pode temer que o genro roube seu papel, a sogra pode temer que a nora tome o seu lugar”, pontua, sublinhando que, a partir daí, pode-se dar início a uma disputa territorial-afetiva.
Isso ocorre porque, estimulados culturalmente por uma ideia de parentalidade superdimensionada, muitos pais acabam acreditando que os filhos são propriedade suas. E, por isso, eles tendem a querer intervir em tudo na vida deles. Porto lembra que, de fato, até certa idade, as crianças não têm condições cognitivas de tomar decisões sozinhas e devem ser tuteladas. Uma atribuição que gera sentimentos de culpa e também envaidece os responsáveis – eles se sentem pressionados a garantir que a vida de sua prole será bem-sucedida e se orgulham se as coisas caminham conforme haviam programado.
Entretanto, a partir da adolescência, a vontade própria dos filhos começa a aparecer de forma mais evidente. “Nessa fase, embora (os pais) sigam responsáveis por eles, é importante começar o exercício do desapego, amadurecendo a lida com os filhos e buscando respeitar a individualidade deles”, situa. Se esse movimento não é feito, pode se tornar mais difícil que, posteriormente, os pais entendam que os critérios que norteiam as escolhas deles não serão os mesmos critérios que vão nortear as opções, inclusive amorosas, de seus rebentos.
Família deveria ser lugar de acolhimento
“A gente cria os filhos para o mundo”. É a partir dessa máxima que o coach Thiago Porto defende que o ato de priorizar o desejo de felicidade individual é um lastro da maturidade das relações familiares. Nesse sentido, ainda que o rebento decida namorar alguém que talvez não seja aquela pessoa que os pais escolheriam, “eles precisam sopesar que estamos falando de outro contexto, de outro tempo, e, sobretudo, devem respeitar o espaço, os critérios e o desejo de cada um”, assinala.
Para Porto, a família deveria ser um lugar de compreensão, acolhimento e respeito. Contudo, se esses componentes estão em falta e se sobram atritos, ainda há esperança. O hipnólogo defende que, nesses casos, o esforço coletivo e até a ajuda externa, por meio da psicoterapia, por exemplo, podem vir a transformar essa dinâmica em algo mais funcional. “É possível reverter a situação a partir do diálogo e da convivência e também da paciência e compreensão”, garante, dizendo que, ao ouvir pais se queixando de que seus filhos precisam de terapia por estarem namorando aquela “persona non grata” à família, devolve: “Quem precisa de terapia são os próprios pais”.
O papel dos filhos. Um elemento que faz azedar a relação entre família e agregado é a inação dos filhos ou filhas, que são o elo entre esses dois núcleos. “São eles que devem estabelecer uma fronteira clara com sua família de origem. Isto é, devem construir as possibilidades de interação e impor limites entre uma interação aceitável e uma invasão. Se isso não for feito, sua parceria pode tentar fazê-lo, porém certamente isso será visto pela família de origem como uma tentativa de dominação do filho ou de afastamento dele da convivência familiar. A reação pode gerar uma batalha de influência sem fim”, situa o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça, especialista em psicoterapia de família e de casais. “A reflexão sobre o papel de cada membro na dinâmica familiar é um caminho essencial para a paz quando os conflitos começarem a aparecer”, complementa.
Também pode ser um fator que traz prejuízo às relações familiares o hábito dos filhos de levar para seus pais quaisquer conflitos domésticos. “Se isso acontece, é preciso que os pais tenham muita maturidade para auxiliar e acolher os filhos, mas sem interferir na relação. Mas, quando não há tanta maturidade, o ideal é ter uma camada intermediária entre a relação e os pais, como um terapeuta. Então, se a pessoa está abafada, ela pode recorrer a essa figura, sem comprometer a harmonia familiar”, sinaliza Thiago Porto. Ele salienta, todavia, que, havendo sinais de que aquele filho ou filha está vivendo uma relação abusiva ou tóxica, os pais podem e devem tentar se aproximar, abrindo espaço de escuta e se mostrando prontos a acolher sua prole nesse momento.
A centralidade da relação materna
Na publicação “Sogra-nora: Como É a Relação entre Estas Duas Mulheres?”, conduzida por pesquisadores ligados à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), a relação entre as pessoas que exercem esses dois papéis sociais – ou seja, o de sogra e o de nora – é apontada como a mais comumente conturbada.
Segundo os estudiosos, exerce influência sobre essas dinâmicas de sociabilidade a qualidade dos vínculos que das partes estabeleceram com suas respectivas mães. Os autores indicam que, “se a nora teve um relacionamento desagradável com a mãe, pode repudiar a sogra, assim como pode vê-la como amiga ou a mãe que nunca teve”. No mesmo sentido, quanto à relação que a sogra estabeleceu com seu filho, se esta elaborou seu vínculo maternal, saberá deixá-lo livre para que mantenha outros vínculos, respeitando sua escolha. Por fim, “se o filho desvincular-se de sua mãe, poderá casar-se, separando o amor materno do conjugal”, escrevem.