Reatividade

Lidar com críticas é um desafio que, superado, traz o crescimento pessoal

Por falta de hábito, exercício da crítica acontece em um campo minado


Publicado em 29 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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“Grosseiro”. Esse foi o adjetivo que o crítico de televisão Mauricio Stycer recorreu para classificar o episódio em que o jornalista e apresentador Pedro Bial, participando do programa “Manhattan Connection”, da TV Cultura, diz que só entrevistaria o ex-presidente Lula se pudesse contar com um detector de mentiras, um polígrafo, durante a conversa. Na ocasião, o âncora do talk-show “Conversa com Bial”, da Rede Globo, havia sido questionado se havia alguém que não seria convidado para o programa comandado por ele. A resposta logo repercutiu nas redes sociais, e não demorou para que o termo “grosseiro”, recorrido por Stycer para descrever a cena, aparecesse entre os assuntos mais comentados do Twitter.

Em um desdobramento do caso, Bial usou espaço cedido a ele no jornal “Folha de S. Paulo” para reagir à crítica. No texto, ele expõe que foi convidado a escrever pelo editor do diário como “forma de compensação”, pois o apresentador estaria sendo, aparentemente, “vítima de uma campanha”. Além de concordar com o pressuposto, Bial sobe o tom ao acusar Stycer, mesmo sem citá-lo nominalmente, de ser um “animador de torcidas” e de ter desencadeado essa suposta perseguição. Por fim, o entrevero ganha um novo capítulo com a tréplica do crítico, que, em sua página no portal Uol, se defendeu das insinuações do outro. “Fiz uma crítica pontual a um comentário do apresentador da Globo em um texto com muita contextualização ao seu trabalho”, escreveu o colunista, buscando desmontar a tese de que aquela ponderação pudesse ser classificada como uma “campanha”.

O imbróglio posto assim, publicamente, explicita como o exercício da crítica parece normalmente acontecer em um campo minado – algo que é potencializado pelas dinâmicas próprias das redes sociais. De um lado, fica sensível como ouvir uma ponderação pouco elogiosa parece uma tarefa difícil, sendo mais complicado ainda acolher aquelas palavras com serenidade, sem ceder ao ímpeto de rejeitar e reagir a elas. De outro, é notável como uma só expressão pode deflagrar um acirramento de ânimos. Além do mais, é também perceptível como uma atitude franca pode não ser bem interpretada, gerando mal-estar entre as partes.

Na avaliação do psicólogo Luciano Pinheiro, o fato de críticas serem encaradas sempre como ofensas é sinal, em última instância, de uma falta de habilidade social do indivíduo. Para ele, contudo, esse comportamento, para além de uma característica da pessoa, é resultado de uma cultura que entende a cordialidade como ausência de confrontação. Logo, se discordâncias aparecem, é como se houvesse a quebra de um pacto social.

Já o também psicólogo Diogo Mendes ressalta que a dificuldade em lidar com críticas pode ter diversas raízes. Entre elas, destaca a baixa autoestima e a carência de exercícios de autoconhecimento. “O sujeito que não se conhece bem tende a se relacionar mal com a opinião alheia e tende a reagir mais agressivamente, sobretudo se o outro aponta uma característica dele que ele nega possuir”, situa. “Isso acontece porque, se eu me olho de uma maneira ilusória, romantizada, idealizada, se me olho como esperaria que eu fosse, qualquer colocação que fragilize essa leitura da minha própria autoimagem vai me incomodar”, explica.

Mendes acrescenta que há um outro tipo de situação que favorece uma postura de rechaço às avaliações externas. “No caso de pessoas que alcançaram certo status social, que estão em uma posição de destaque, pode ser mais difícil aceitar um comentário do outro”, comenta, observando que essas pessoas precisam se policiar para não se tornarem arrogantes.

Se fechar aos críticos ameaça o crescimento pessoal

O problema fundamental desse comportamento é que, além da inviabilização de um diálogo franco, a própria pessoa que manifesta resistência à crítica acaba perdendo a oportunidade de ter um retorno necessário sobre seus atos e, sem ser alertada sobre eventuais excessos, atitudes problemáticas podem ser reforçadas com o tempo. “Sabemos que se a pessoa reage à opinião do outro sempre na defensiva, ela perde a oportunidade da autocrítica, um atributo que contribui para o nosso crescimento pessoal”, avalia Luciano Pinheiro. Para ele, é fundamental que os indivíduos se treinem a ouvir um contraponto de forma mais aberta e acolhedora. “Se fiz um comentário infeliz e alguém me alertou sobre isso, melhor que me fechar é ter a grandeza de voltar atrás. A gente deveria pensar: ‘Qual o problema de eu reconhecer que estava errado?’”, sugere.

Claro, não se deve atribuir o mesmo peso a todas as considerações, o que poderia levar ao risco do imobilismo total. “É impossível agradar a todos. Como dizem, nem Jesus Cristo conseguiu essa proeza. E a verdade é que quem se prende a isso, a esse medo da reprovação, acaba deixando de agir. Curiosamente, até assim ela estará, em algum momento, desagradando a alguém”, analisa.

Pinheiro lembra que, de fato, alguns comentários são apenas pejorativos e ofensivos. Por isso, é fundamental filtrar o que se deve ou não levar em consideração. “Devemos nos questionar, por exemplo, quem está fazendo esse comentário. Também podemos avaliar o tom que é usado e as circunstâncias em que aquilo foi dito, pois mesmo um amigo pode, em um momento de raiva, falar algo que é apenas destrutivo”, situa.

O prazer e o medo de criticar. Assim como a dificuldade de aceitar a crítica pode estar associada à baixa autoestima e à necessidade de aprovação, pessoas que sentem prazer ou medo de tecer comentários sobre o outro podem estar relacionadas a essas mesmas condições. “Aquele que passa o dia criticando, no fundo, está atacando, inconscientemente, para não ser atacado. Isso ocorre porque esse sujeito, na tentativa de esconder seus defeitos, passa o tempo só pontuando o que o outro tem de ruim. Além disso, se não consigo ver qualidades em mim, dificilmente vou conseguir identificá-las em outras pessoas”, sugere o psicólogo Diogo Mendes.

Por outro lado, há também os indivíduos que temem opinar, mesmo que sejam convidados a fazer isso. “Esse pode ser um traço relacionado à história de vida. Se você não era convidado a falar dentro de casa, se, quando tentava dizer algo, era podado por seus pais, pode não ter desenvolvido segurança para se manifestar de forma mais crítica. Pessoas introvertidas também podem se sentir mal na posição de apontar a falha do outro, pois, ao fazer isso, eu inevitavelmente me abro, revelo um pouco sobre mim. Alguns também podem pensar: ‘Quem sou eu para dizer algo sobre essa pessoa?’”, complementa.

Cultura. Luciano Pinheiro, por sua vez, situa que a pouca familiaridade cultural com a crítica, além de dificultar a distinção entre o que é construtivo e o que é destrutivo, favorece que as postulações surjam de forma agressiva. É como se, em um raciocínio que não é consciente, fôssemos levados a crer que, independente do conteúdo, quaisquer críticas fossem consideradas como hostis. Então, automaticamente, passamos a ver menos problemas em dar essa forma a elas.

Antes de rechaçar, é preciso saber ouvir opiniões divergentes

Em quaisquer dessas situações, se a crítica é legítima ou não, Diogo Mendes acredita que o ideal nunca é, de pronto, ignorar o que é dito. O psicólogo inteira que, nessas situações, deve-se adotar uma postura ativa. Isto é, deve-se ouvir e analisar a fala do outro, buscando entender que há sentido naquela provocação. Se sim, é importante passar em revista a nossa postura e reconhecer eventuais falhas, buscando corrigi-las. 

Por vezes, contudo, pode-se identificar que aquilo que o outro me diz representa mais uma característica dele do que minha. Há uma frase, atribuída ao psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que resume bem essa situação: “Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. No episódio que abre esta reportagem, o colunista Mauricio Stycer chega a fazer um apontamento nesse sentido quando reage à pecha que o apresentador Pedro Bial tenta lhe impor: “Sugerir que sou um ‘cheerleader’, um animador de torcidas, no Twitter, fala mais sobre o ódio que ele nutre pelas redes sociais do que sobre a minha atividade nesta área”, escreveu o crítico de TV em sua tréplica.

Descortesia digital. Para o professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia (PPGCE/UFU) Reynaldo Maximiano, essa suposta birra do apresentador em relação às redes sociais não é inteiramente sem razão. Lembrando que o hábito de, sem pensar duas vezes, rechaçar as críticas que surgem na esfera digital pode significar uma inabilidade de lidar com questionamentos, o estudioso da mídia pondera que a internet tem favorecido a construção de um comportamento menos cortês.

“Algo que venho observando como educador é que aplicativos como WhatsApp agilizam o contato, mas parece que o assunto fica sempre em suspenso, podendo ser retomado a qualquer momento, dispensando-se saudações e agradecimentos. Isso cria um ambiente informal de comunicação e deixa a conexão em aberto. Resumindo: como essas ferramentas são para comunicação rápida, há um sentido de urgência que estressa e atropela outros aspectos da vida”, sinaliza. Outro desdobramento desse fenômeno apontado por Reynaldo consiste na forma como a informalidade na comunicação parece gerar uma pretensa intimidade entre quem se comunica. “Assim, em certos casos, dispensa-se não só as saudações e os agradecimentos, mas também, o discernimento entre o que deve e o que não deve ser dito”, complementa.

Por fim, o comunicólogo indica que a interação pelas mídias e redes sociais, ao romper com uma certa formalidade ou civilidade no trato, tende a deixar tudo mais à flor da pele. “Então, as opiniões são proferidas de forma mais ácida e mais mordaz em relação aos outros. Curiosamente, se exige dos outros mais complacência com a crítica que nos é dirigida”, conclui.

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