“Quem foi aquela pessoa que eu ouvia falar todos os dias da minha vida?”. Para responder a essa pergunta, Rodrigo Alvarez, jornalista e escritor começou a pesquisar sobre a história da figura humana que mais impactou nossa maneira de ver o mundo até hoje: Jesus.
“Será sempre preciso analisar o que foi Jesus à luz do tempo em que se estiver. Desde que as coisas aconteceram na Palestina, o mundo tenta entender o que foi aquele fenômeno e a expansão de sua fé. Outra pergunta que eu me fazia: como foi possível que a pregação de um único homem tivesse atingido meio mundo? Queria entender exatamente como foi que essa mensagem atravessou 2.000 anos e continua tão forte que é capaz de gerar até hoje leituras fundamentalistas, literais, extremistas e conflitos dividindo e às vezes unindo as pessoas”, comenta Alvarez.
Ele ressalta que seu olhar para Jesus, por mais que procure entender as questões da fé, “é pelo viés histórico, como ele foi capaz de produzir uma revolução, uma mudança de pensamento tão grande e duradoura”.
A indagação inicial deu origem a “Cristo”, volume 2 da série “Jesus, o Homem mais Amado da História”, em que narra fatos que se seguiram à crucificação e a trajetória dos apóstolos no início do cristianismo. O que aconteceu depois da crucificação de Jesus? A ressurreição é crível? De que maneira os apóstolos se organizaram para transmitir a mensagem deixada por seu mestre?
O livro é fruto de intensa pesquisa e esmiúça originais bíblicos, descobertas arqueológicas e coleções de evangelhos apócrifos. “A figura humana de Jesus é influente e a permeabilidade de sua mensagem é sem precedentes. Ao me debruçar sobre essa história, encontrei aquilo que imaginava encontrar com muito mais riqueza, detalhes e clareza, e outros homens, como Paulo, quase ou mais responsável que Jesus por essa mensagem ter chegado até nós”, diz Alvarez.
O legado de Jesus não fica restrito à Jerusalém, ganha o mundo. “Quando mergulhamos na história fica claro que não foi exatamente a mensagem original de Jesus que chegou até nós, mas aquela interpretada por Paulo, fariseu, que não conviveu com Jesus e que relata ter tido uma visão (aparição?) ou encontro com Jesus. Ele mesmo não deixa claro se ele viu Jesus, pensou ter visto ou imaginou, mas se dizia apóstolo porque teria recebido do próprio Jesus esta missão”, narra o jornalista.
O que há de certo é que a mensagem original de Jesus foi deturpada. “Não é a mensagem dos apóstolos, que apesar de terem convivido com Jesus, se perderam. Eles não tinham uma visão propagadora da religião pelo mundo, até mesmo pelo simples fato de que, como judeus, não queriam converter ninguém para a sua religião. Os apóstolos eram judeus e falavam para judeus. A mensagem do mestre só chegou até nós pela atuação de Paulo de Tarso”, diz Alvarez.
Não há como conhecer a mensagem original de Jesus. “Sabemos que os evangelhos canônicos tiveram várias edições e alterações. As cópias que lemos nem são dos séculos I e II. No entanto, a mensagem central de amor e que rompe com a barreira do preconceito contra aquele que está do meu lado e que não é igual a mim não parece ter sido modificada”, observa o jornalista.
Ele comenta que o Novo Testamento tem treze cartas de Paulo entre os vinte e sete livros e sua mensagem não é exatamente a de Jesus. “Nem os evangelhos trazem a mensagem original, porque sabemos que depois de Paulo eles também foram alterados. O ‘Atos dos Apóstolos’ que relata os momentos após a crucificação não tem base histórica aceitável. Era uma literatura que não tinha como obrigação relatar fatos, mas uma ideia que já era Paulina”, explica Alvarez.
Fica claro que Paulo rompeu com a lei judaica, mas o mesmo não ocorre com Pedro. “Tem um episódio que a meu ver é inverídico: o momento em que Pedro afirma que recebeu de Deus permissão para romper com a lei judaica e começar a praticar um Cristianismo sem circuncisão. Não é crível que ele tenha abandonado aquilo que ele sempre pregou”, diz o jornalista.
“Cristo” começa com Jesus pregado na cruz e com a ressurreição. Paulo afirmou que “sem ressurreição a fé é vazia”. “Não me debruço sobre a fé, mas sobre a história, mas percebo que há cristãos hoje que não dependem da crença da ressurreição para seguirem como cristãos”, define Alvarez.
No livro ele cita oito hipóteses sobre a ressurreição (vide quadro). “Acredito que a ressurreição foi espiritual e está associada o tempo todo à espiritualidade, à crença e aos sentimentos daqueles que os seguiam. Podemos tanto entender que aquelas pessoas tiveram visões do mestre. Para quem acredita em espiritismo e reencarnação, podem ter sido comunicações espirituais de Jesus com seus discípulos”, diz o jornalista.
Entretanto, “a investigação histórica jamais pode descartar completamente a possibilidade de que talvez, como muitos crucificados, Jesus não tenha morrido imediatamente e que tenha tido alguma sobrevida, mesmo muito ferido. Flávio Josefo, historiador judaico-romano, fala de três conhecidos que haviam sobrevivido à crucificação e um deles continuou vivo. Não era impossível um crucificado sair vivo”, sustenta Alvarez.
E emenda: “Seria possível que Jesus tenha resistido por algum tempo, talvez alguns dias após a crucificação e ter se comunicado uma última vez com seus discípulos. Este fato não desmerece em nada a fé de quem acredita em Jesus e em sua mensagem. Agora, se isso fosse comprovado modificaria a visão de Paulo que baseou sua teologia na ressurreição”.
Jesus não teria ficado satisfeito com o mundo de hoje
Jesus não teria ficado satisfeito com os rumos que o Cristianismo tomou. “O Cristianismo teve momentos muito complicados e se sustentou em um projeto de poder. As Cruzadas mostram como as coisas se complicaram e houve alterações na mensagem original de Jesus. Ele também não teria ficado satisfeito com a história que contaram sobre o papel de Madalena, sua conselheira, companheira e talvez sua mulher”, comenta Rodrigo Alvarez.
E emenda: “Também me parece que Ele não ficaria satisfeito de perceber como seus apóstolos diretos não foram os responsáveis por levar sua mensagem adiante. Não foi por meio deles que a mensagem se propagou. E também penso que Ele não estaria satisfeito de ver o mundo em que a gente vive hoje”.
Por outro lado, Alvarez acredita que Jesus gostaria de ver que a essência de sua mensagem foi preservada e o impacto positivo que ela teve na história da humanidade.
Um das questões que o jornalista levanta é sobre os motivos que colocaram Jesus como salvador da humanidade. “Ele não gostaria de ser chamado de ‘Salvador’ porque a humanidade não se salvou e nem melhorou nestes últimos dois milênios”, diz.
Voltando ao Jesus histórico, “Ele não estava pensando um mudar o mundo, mas Israel. Ele pensava em fazer uma revolução moral no seu povo, o povo de Israel, entre os hebreus, os judeus, mas não pensava em levar essa mensagem para a Síria, Pérsia e Europa”, comenta Alvarez.
Para ele, “em nenhum momento Jesus teve esse pensamento. São raras frases que afirmam que Jesus tinha pretensões expansionistas e elas são fruto de alterações que foram feitas posteriormente. Não podemos nos esquecer de que os evangelhos foram escritos já com o templo de Jerusalém destruído e trazem uma realidade completamente diferente da de Jesus. Foram escritos em um contexto totalmente modificado, num cenário irreconhecível”. (AED)
O grande legado dos evangelhos apócrifos
Se os evangelistas não foram fiéis à mensagem do Cristo e se preocuparam demais em narrar sua vida pública, os evangelhos apócrifos cumprem outro papel. “Jesus se torna muito mais espiritual e, a meu ver, mais bonito, mais interessante quando a gente lê os evangelhos apócrifos. Há muito mais espiritualidade ali. Há diálogos muito profundos envolvendo Jesus, Madalena e os apóstolos”, comenta Rodrigo Alvarez.
Para ele, faltam relatos de momentos em que o mestre conviveu intimamente com seus discípulos. “O que acontecia, por exemplo, quando Jesus se sentava na fogueira para conversar com os apóstolos? São essas respostas que encontramos nos evangelhos que foram descartados, proibidos. Acho uma pena que os cristãos de hoje não se abram para ler outros documentos que não vão ferir em nada sua fé em Jesus, mas ampliar sua visão sobre Ele”, defende Alvarez.
E com tanta informação e pesquisa, o jornalista já está preparando o terceiro livro da série: “A batalha das Heresias”, que tem início com quando os evangelhos começam a ser escritos e vai até 325, em Niceia. O universo de correntes heréticas e cristãs que surgiram nos séculos II e III e suas discussões teológicas acaloradas.
Oito hipóteses sobre a ressurreição
1) Os apóstolos teriam roubado o corpo de Jesus e o túmulo vazio passou a ser prova da ressurreição;
2) Alguém que não os apóstolos ou seguidores teria retirado o corpo de Jesus do túmulo. Com isso, os apóstolos acreditaram na ressurreição;
3) Jesus não estava morto quando foi retirado da cruz. Já no túmulo teria voltado do desmaio e abandonou o local;
4) Alguém teria dado algum tipo de substância natural para Jesus para que ele ficasse desacordado e depois pudesse ressuscitar;
5) Tiago, irmão gêmeo de Jesus, teria sido crucificado em seu lugar ou Simão de Cirene, que trocou de lugar com ele;
6) Jesus estava em coma quando foi retirado da cruz. Recuperado andou pelo mundo pregando e viveu na Índia;
7) Madalena e Paulo poderiam ter tido uma experiência alucinógena quando alegam ter visto Jesus;
8) Jesus teria aparecido aos apóstolos apenas em espírito.
A jornalista Ana Elizabeth Diniz escreve neste espaço às terças-feiras. E-mail: anabethdiniz@gmail.com